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22/05/2001 - 04h26

Cannes: "Estou dolorosamente ligada a Bergman", diz Liv Ullmann

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Cannes

O rosto está envelhecido, mas os grandes olhos azuis, que cativaram por anos e anos Ingmar Bergman, continuam lá, profundos e melancólicos.
Assim como uma certa frieza. Na manhã de anteontem, algumas horas antes de decidir quem levaria a Palma de Ouro do Festival de Cannes, a ex-atriz e atual diretora Liv Ullmann recebeu a Folha no Palais des
Festivals para uma entrevista exclusiva.

Aos 62, a norueguesa nascida em Tóquio desistiu de atuar. Concluiu seu quarto longa na direção, "Trolosa", que estréia nesta sexta no Brasil, e esteve até ontem na presidência do júri de Cannes. Por uma proibição contratual, não pôde falar nada da competição cinematográfica.

Mas nada a impediu de conversar sobre o cineasta sueco Ingmar Bergman, 82, com quem viveu por quase três décadas, teve uma filha (Linn) e a dirigiu nos clássicos "Persona" (1966), "Gritos e Sussurros" (72) e "Cenas de um Casamento" (73), entre outros.

Leia a seguir os melhores trechos do encontro.

Folha - A sra. passou os últimos 12 dias assistindo a pelo menos os 23 filmes da competição. São dois por dia. Qual o balanço?
Liv Ullmann -
Não me permitem falar nada sobre os filmes enquanto sou presidente do júri. O que posso dizer é que não fomos nós, o júri, que escolhemos os filmes a que vamos assistir. As opções foram feitas antes e por outras pessoas. Assim, estávamos lá para fazer escolhas sobre filmes que já foram pré-selecionados.

Folha - Queira ou não, seu nome será para sempre ligado ao de Bergman. Isso é bom ou ruim?
Liv -
Algumas vezes me irrito com isso, mas na maior parte do tempo sei que você sempre tem de ser ligada a alguém, e para mim é muito bom ser ligada a uma pessoa como Ingmar. Admiro tanto o trabalho dele, temos um relacionamento tão bom que não me incomodo.

Já conversamos ao telefone muitas vezes sobre isso, e ele também gosta dessa ligação que temos. Uma vez, há uns 40 anos, ele me disse: "Liv, tive um sonho no qual nós éramos dolorosamente ligados". Hoje em dia posso dizer que sim, somos dolorosamente ligados, mas também criativamente e maravilhosamente ligados.

Folha - Ele é seu modelo como diretor?
Liv -
Não, não tenho um diretor-modelo. Sigo meus instintos e minhas escolhas. Mas trabalhei muitas vezes com ele e o vi fazendo muitas coisas que acho muito boas, aprendi muito. Adaptei tudo ao meu jeito de ser, no entanto. Também trabalhei com diretores muito ruins, e isso foi uma lição valiosa, porque sei exatamente o que não fazer com os atores. Sei muito bem o que um diretor pode fazer com a fantasia de um ator.

Folha - A sra. é muito rígida como diretora?
Liv -
Sim. Porque sou muito bem preparada. Mas tenho amor pelos atores, acho que são criativos, maravilhosos. Passo muito tempo com eles e permito que criem. Se recebo uma rosa de um ator, não tento transformá-la em uma tulipa. Se ele quer me dar uma árvore, não tento transformar num pequeno arbusto. Mas não desisto enquanto não o faço se transformar na melhor árvore que pode ser. Isso é ser rígida, mas cheia de amor.

Folha - A maioria dos atores que trabalha com a sra. é nórdica. Por que a preferência?
Liv -
Não é uma preferência. É que os filmes que fiz são dinamarqueses, suíços ou noruegueses, então escolhi atores de cada um desses países. Se eu estivesse filmando no Brasil, com certeza preferiria trabalhar com atores do seu país. E isso não me atrapalharia em nada. Acho que as boas pessoas falam todas a mesma língua.

Folha - O que a sra. conhece sobre o cinema brasileiro?
Liv -
Adoro "Central do Brasil". Adoro muitos filmes do Brasil, mas agora minha cabeça está tão cheia de títulos dos filmes que vi durante a competição que não consigo me lembrar dos nomes. Acho que os brasileiros são muito bons atores, adoro a comédia brasileira, consigo me relacionar com ela, apesar de ser do hemisfério Norte. Já tive bons momentos vendo seus filmes.

Folha - A sra. esteve no país há alguns anos, não?
Liv -
Sim, mas fui a lugares muito específicos, conhecer as crianças de rua para um trabalho que estava fazendo. Então, obviamente, vi muitas coisas das quais não gostei nem um pouco. Há crianças de rua no mundo inteiro, mas me senti muito próxima das brasileiras e conheci de perto o que é feito para ajudá-las e, principalmente, o que não é feito. Escrevi sobre isso.

Folha - Seus filmes, assim como os de Bergman, são principalmente sobre a relação homem-mulher...
Liv -
Porque é um assunto que conheço na pele. Os filmes poderiam muito bem ser sobre o relacionamento entre dois homens ou entre duas mulheres, mas eu não saberia fazer isso. Quero falar sobre o amor, mas também me interesso por outras formas de amor, amor às crianças, amor a Deus ou coisas assim. Se você mostra o relacionamento entre duas pessoas, pode ir para qualquer outra direção. Várias formas de amor estão dentro de uma relação de amor a dois.

Folha - A sra. nunca pensou em tratar de um tema mais social em seus filmes, como por exemplo as crianças de rua brasileiras?
Liv -
Sim, já pensei. Se fosse dirigir nesse momento, seria com certeza algo mais reconhecidamente social. Não que não ache meus outros filmes sociais, já que são sobre pessoas.

Folha - Por que "se fosse dirigir"? A sra. não pretende mais dirigir filmes?
Liv -
No momento, quero pôr o ponto final no Festival de Cannes. Depois, vou tirar um tempo pessoal. Preciso cuidar de mim, sabe? Esse é o meu plano imediato. Recebi muitas ofertas, mas nesse momento não consigo me interessar por nada, quero muito encontrar um tempo, ir para casa e ser quem eu realmente sou quando não estou trabalhando. Só assim consigo pensar no que farei.

Folha - Por falar em ir para casa, li em algum lugar que a sra. mora na Flórida. Verdade?
Liv -
Vivo em muitos lugares. Sou norueguesa e moro na Noruega, às vezes vou à Flórida para escrever, porque escrevo muito. Às vezes vou para Nova York...

Folha - O último lugar que alguém imagina que a musa de Ingmar Bergman more é na Flórida, junto aos velhinhos aposentados de Nova York e os turistas de camisas floridas...
Liv -
(Risos) Eu sei, eu sei, mas moro num lugar diferente. Tenho casa em Key Largo, que não tem a imagem que as pessoas fazem da Flórida.
 

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