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23/05/2001 - 04h34

Teatro: Otimismo marca encontro sobre futuro dos musicais

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MARCELLA FRANCO
da Folha de S.Paulo

A nova temporada de musicais no eixo Rio-São Paulo suscita um elenco de discussões, entre as quais aquela que se propõe a prever e fazer apostas no que está por vir dentro dos teatros brasileiros. Se a Broadway é ou não aqui, ao menos os números indicam uma propensão positiva, a começar, por exemplo, pelos quase 30 mil espectadores que já compraram ingressos para assistir a "Les Misérables", em cartaz há um mês em São Paulo.

A convite da Folha, intérpretes de cinco musicais se reuniram para um bate-papo à capella e discutiram questões abrangendo desde a explosão de novas produções em cartaz até a formação técnica dos profissionais envolvidos. A escalação do time foi a seguinte: Cláudia Netto ("Company", que saiu de cartaz), Cláudia Raia ("O Beijo da Mulher Aranha"), Carlos Loeffler ("Relax"), Daniel del Sarto ("Cambaio") e Marcos Tumura ("Les Misérables").

Em comum, a nova rotina que prescreve maiores cuidados com a voz ("não podemos mais ser espontâneos e gritar "oi" para as pessoas, não nos encontramos mais em festas, fugimos do frio e do cigarro"), o patriotismo que defende com unhas e gogós os atores brasileiros ("não somos máquinas") e o otimismo frente à abertura do mercado para o gênero.

Leia abaixo trechos da entrevista concedida à Folha na última sexta-feira, no teatro Abril. O lugar escolhido não poderia ter sido outro: um camarim.

Folha - Como vocês vêem essa nova temporada, o "boom" provocado no eixo Rio-São Paulo pela chegada de grandes produções no estilo Broadway?
Marcos Tumura -
Até que enfim!

Cláudia Raia - Ficamos um tempão sem produzir musicais, mas, mesmo assim, nunca tive dúvidas de que o público brasileiro gostasse do gênero. Ver esses teatros lotados não é nenhuma surpresa. Agora temos gente que investe, empresas internacionais que podem trazer o know-how.

Cláudia Netto - Tivemos vários musicais no Brasil. Pessoas que já apostaram nisso, como Marília Pêra, Bibi Ferreira, provam que o gênero de fato existia por aqui.

Raia - É, mas isso faz tempo, né?

Netto - Claro, muito tempo, nossa geração não pegou isso. O que acho que houve é que, com o regime militar, essa coisa americana foi meio rejeitada, todo mundo começou a fazer muito teatro político, era "direita" demais fazer um musical. Isso acabou, e o musical começou a voltar. Principalmente porque pessoas como nós estão tentando chegar lá, dando a cara para bater. Essa onda começou com o esforço de cada um.

Daniel del Sarto - Nenhum de nós aqui tem formação de musical. É uma coisa muito maluca ver que, mesmo assim, estamos todos em cima de um palco apresentando grandes espetáculos.

Folha - Vocês acreditam, então, que os profissionais que se voltam para a área de musicais acabam se formando nos palcos?
Netto -
Sim, quando você faz teste para um novo musical, vem toda aquela gente, aquelas vozes lindas. Ninguém nunca passou por uma faculdade de musical, porque isso não existe.

Folha - E essa nova temporada pode, de certa forma, estimular a criação de uma escola de musicais no Brasil, a exemplo do que acontece em outros lugares do mundo?
Raia -
Certamente. E olha que é capaz de formar gente muito mais bacana do que se vê lá fora. Os americanos, por exemplo, são máquinas cantantes e sapateadoras. Aqui no Brasil as coisas podem sair tão perfeitas quanto lá fora e ainda levarem de brinde o nosso molho.

Folha - O que fica claro com toda essa discussão é que sempre existiu uma cultura de musicais no Brasil. O que faltava para que todas essas produções se concretizassem?
Carlos Loeffler -
Apoio e patrocínio, porque fazer musicais é muito caro.

Tumura - Faltavam empresas interessadas, que tivessem o peito de apostar nos musicais.

Netto - E essa onda vem em uma época boa, em que as pessoas estão buscando isso. Faltava a ligação entre todos os lados interessados. Isso sem contar que acabou o preconceito em relação ao gênero, não é mais cafona.

Raia - Os grandes nomes precisam ver que investir em musicais é um grande negócio.

Netto - Aí sim vai ter muito Chico Buarque e Edu Lobo querendo fazer coisas para teatro.

Folha - Isso levanta a peleja "musicais brasileiros x americanos".
Netto -
Isso não existe. Partiu de algum lugar essa história de haver agora a obrigação de fazer musicais brasileiros em contraposição aos americanos. Acho isso uma bobagem, porque todas as produções têm de estar unidas contra um inimigo em comum: a falta de público e patrocinador. Quando isso acontece, não importa a nacionalidade do espetáculo, tudo vai por água abaixo. Acho que há lugar para todos.

Raia - É claro que se tem de receber muito bem os gringos, principalmente porque eles sabem tudo e podem nos ensinar o que ainda não sabemos.

Tumura - Sem contar que eles não têm o pudor de ensinar.

Netto - E a gente não pode ter o pudor de aprender, porque não tem nada a ver essa história de sermos brasileiros e, montando americanos, estarmos jogando fora nossas raízes. Pura balela. Virou Cuba aqui agora? Ninguém mais vai poder montar Shakespeare?

Raia - Faz o seguinte: eles ensinam a técnica e a gente ensina o jabaculê [risos].

Folha - Vocês tiveram contato com "medalhões" da cultura musical do mundo, como Claude-Michel Schönberg (compositor de "Les Mis") e George Furth (autor dos textos de "Company"), que estiveram acompanhando as montagens brasileiras. Há profissionais tão qualificados no Brasil?
Netto -
Temos o Chico Buarque, quer mais que isso?

Folha - Sim, mas há tempos ele não compunha para teatro.
Raia -
Mas os americanos ganham dinheiro com isso. Nós aqui estamos engantinhando, nossos compositores não vivem disso. No Brasil, você tem de fazer de tudo para sobreviver: cantar, fazer canapé, aparecer na TV... Ainda não dá para viver só disso.

Folha - Como nas peças sérias, os atores de musicais têm referências?
Raia -
Acredito que Wolf Maya e Jorge Fernando sejam pessoas fundamentais para o musical no Brasil. Tem a Lisa Minelli...

Netto - Eu já sou da mãe da Lisa, fico com a Judie Garland. Acrescento Gene Kelly, Cole Porter, Gershwin e Rita Hayworth.

Tumura - A Cláudia Raia é minha maior influência e acredito que é também espelho de muita gente que faz musical no Brasil. Ela peitou as dificuldades.

Raia - Liga não, é que o Tumura praticamente saiu da minha barriga [risos].

Folha - O saldo que temos, portanto, é que o futuro dos musicais no Brasil é otimista?
Raia -
Acredito que sim, porque as empresas estão vendo que vale a pena investir. O futuro promete.

Del Sarto - O recado que fica é que todos os envolvidos têm de se abrir. Todos -o público, a crítica, a mídia- têm de se permitir fazer e assistir coisas diferentes. É caro fazer, mas dá retorno porque é entretenimento.
 

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