Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
28/05/2001 - 09h53

Livro e CD resgatam a memória do cantor Mario Reis

Publicidade

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

O carioca Mario Reis (1907-81) já é, para a maioria dos consumidores, personagem musical encoberto de poeira, traças e esquecimento. Mas, para seu primeiro biógrafo, o crítico e jornalista Luís Antônio Giron, 41, ele merece as 320 páginas de "Mario Reis - O Fino do Samba" por ser daquelas raras figuras paradigmáticas que alteram para sempre o rumo da arte em que dão de se intrometer.

No lançamento do livro, hoje, em São Paulo, Giron conta com auxílio da cantora paulista Maricenne Costa, que espanará um pouco o pó de clássicos que o artista interpretou nos anos 20 e 30, antes de abandonar precocemente a carreira musical (faria, a partir daí, voltas esporádicas e ligeiras).

Para Giron, que trabalhou na Folha e hoje escreve na "Gazeta Mercantil", Mario é crucial porque balançou vários padrões musicais brasileiros, promovendo a troca do sistema mecânico de gravações pelo elétrico, do canto gritado pelo delicado, do separatismo entre elites e povão por um esboço de interação. Leia trechos da entrevista.

Folha - Por que a escolha de Mario Reis como seu biografado?
Luís Antônio Giron -
Acho ele uma figura paradigmática da música brasileira. Traz ao Brasil a noção de que um cantor também precisa compor a canção com sua voz. Minha identificação com ele é grande, ele era um esteta, um perfeccionista, um recluso, mas muito orgulhoso daquilo que fez. Era um cantor de vanguarda. Iniciou o canto brasileiro moderno, e hoje suas gravações são desconhecidas. Morreram quase todos os protagonistas, sobraram algumas pessoas, com as quais falei. Na próxima geração já não ia haver mais nada sobre ele.

Folha - Biografia era um gênero que estava nos seus planos?
Giron -
Não estava nos meus planos, não. Desconfio muito de biografia, porque acho impossível o biógrafo atingir uma visão correta sobre o biografado. Mas serviu para contar a história de uma passagem que interessa muito na música brasileira: o momento em que a era mecânica é substituída pela elétrica, em que o autofone dá lugar ao microfone. Essa é minha obsessão: examinar a emergência, a aparição súbita do novo, analisar em que isso transforma o gosto, a estética e a arte de um tempo. Ele criou uma nova fonética para o samba, um coloquialismo na forma de dividir as frases que se opôs à maneira italiana, empostada, de cantar.

Folha - Por que Francisco Alves empostou a voz depois que abandonou a parceria com Mario Reis?
Giron -
Durante as 24 gravações que eles fizeram juntos, entre 1931 e 1932, Francisco Alves precisou adequar sua voz à maneira de Mario Reis cantar. Mario era mais confessional que Francisco Alves, se aproximava do microfone para cantar. Acontece que depois de Mario -não há um bom motivo para isso- ele começou a entrar naquela estética hollywoodiana, de uma voz mais empostada, um jeito mais romântico de cantar.

Folha - Houve um retrocesso nisso, uma vitória conservadora?
Giron -
Foi um retrocesso violento em relação ao que Mario Reis ensinou a Francisco Alves e ao que ele próprio experimentou nos anos 20. Alves era um cantor muito mais avançado nos anos 20 que no final dos anos 30. O porquê é difícil saber, diz respeito ao gosto musical geral. Foram mais ou menos 30 anos a mais de modelo italiano, até o advento dos conjuntos vocais e dos crooners de influência americana, cool. Quanto a Mario, ele percebeu que o mercado ia engoli-lo e saltou fora. Soube calcular o auge e pular fora. É exemplo único, por isso o chamaram de Greta Garbo brasileira.

Folha - O livro não glamouriza Mario, mesmo em sua decadência?
Giron -
Sim, sempre corre em relação a ele essa contraposição de derrota e egocentrismo, fracasso e orgulho. Quer coisa mais decadente que morar num hotel quando se está sozinho e aposentado? Ele terminou a vida no Copacabana Palace, um símbolo decadente. Sempre sinto nele essa figura patética do mendigo elegante, um glamour mergulhado no fracasso estético auto-imposto.

Folha - Como um crítico implacável se coloca numa biografia?
Giron -
É complicado fazer crítica numa biografia. É preciso domar a verve. O crítico precisa às vezes segurar o tchan, mas é claro que há interpretação, interferência crítica. É preciso perceber que a chamada modernidade não começou em 58, com a bossa nova. O novo veio de antes, e há vários novos. Uma das funções do jornalista é mostrar que o passado é mais profundo que se pensa.

Lançamento: "Mario Reis - O Fino do Samba", de Luís Antônio Giron, com show de Maricenne Costa
Onde: Pergamon Hotel (r. Frei Caneca, 80, tel. 0/xx/11/3120-2021)
Quando: hoje, às 19h30
Quanto: gratuito

Leia também:

  • "Jura" revisita as músicas gravadas por Mario Reis em 43 anos
  • Livro: "Mario Reis - O Fino do Samba" revela dimensão do cantor
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página