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07/06/2001 - 09h58

Monólogo leva poeta americana Elizabeth Bishop ao teatro

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MARCELO RUBENS PAIVA
da Folha de S.Paulo

Às vezes, um escritor tem uma história e tanto testemunhada, como uma bola quicando na área, e só tempos depois cai a ficha. Foi o que aconteceu com a escritora e jornalista Marta Góes, que foi quase vizinha, em Petrópolis (RJ), da poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979).

A primeira era uma criança, enquanto a segundo vivia, no bairro Samambaia, um dos momentos mais felizes e inspirados da sua conturbada vida. Criava como nunca e chegou a ganhar o Pulitzer, o prêmio literário mais importante dos Estados Unidos.

O resultado desse sincronismo é o monólogo escrito por Marta, "Um Porto para Elizabeth Bishop", com Regina Braga ("Uma Relação tão Delicada", "À Margem da Vida").

Dirigido por José Possi Neto ("Emoções Baratas", "Tratar com Murdock"), estréia hoje em São Paulo depois de passar pelo Festival de Teatro de Curitiba e pelo interior do Estado.

Bishop

Bishop é uma personagem fascinante. Perdeu os pais cedo, tinha asma crônica, foi criada por duas famílias antagônicas, uma residente numa colônia de pescadores do Canadá e outra em Boston, pólo intelectual americano.

Ela aprendeu a escrever pouco antes de alternar a vodca e o gim. Frequentou escolas de boas moças. Viveu crises de depressão. Foi internada para se desintoxicar.

Depois dos primeiros livros, "North & South" e "Geography 2", não frequentou as rodas literárias do Greenwich Village. Era lésbica, numa época em que ninguém ousava pronunciar esta palavra.

"Ela era meio solitária, abandonadinha, uma desenturmada. O primeiro contato com um intelectual foi com Marianne Moore (1887-1972), pilar da poesia moderna americana, uma solteirona esquisita que virou sua madrinha literária. Veio para o Brasil quando era já um pouco conhecida", diz Marta.

Em 1952, numa virada de mesa, Bishop embarcou num cargueiro para a América do Sul com o dinheiro de uma bolsa e conheceu a arquiteta milionária Lota Macedo Soares, que mais tarde foi designada por Carlos Lacerda, governador da Guanabara, a chefiar a construção do Parque do Flamengo.

"Lota era uma arquiteta autodidata que circulava com Portinari, dirigia um jaguar e um jeep, tinha um traço masculinizado, uma grã-fina ovelha negra. Uma mulher que fosse artista e brasileira junto já se contava nos dedos. Não havia mulher que trabalhasse", afirma Marta.

Com Lota, que mais tarde se matou, Bishop viveu um intenso romance até 1967. Numa casa no meio do mato, projetada por Sérgio Bernardes, cujas paredes eram forradas por mariposas, a poeta parece ter encontrado a paz que nunca conheceu. De lá saíram seus poemas premiados.

"Ela adorou o Brasil e relaxou. Foi só aqui que ela começou a escrever sobre a infância e a mãe que enlouqueceu após a morte do pai. Bishop tomava banho de cachoeira todos os dias em Petrópolis", conta Regina.

Personagens homossexuais

"Samambaia era um gueto homossexual. Só depois, somando as coisas, percebeu-se isso. Não era tão declarado. Havia até um casal de homens que andava de terno e gravata dentro de casa, fazia tricô, trocava receitas e recebia amigas no chá das seis. Eles são mencionados no livro de Bishop, que escreveu: "São uns amores, mas são burríssimos'", diz Marta.

"O homossexualismo era tão chocante que mal se falava nisso. Comentavam que eram personagens "esquisitos'", lembra.

"Não há uma ênfase, na peça, sobre o homossexualismo delas. Bishop era uma mulher de 40 anos que se apaixonou no Brasil, pela povo brasileiro e pela Lota. Não é uma peça sobre lésbicas, mas sobre o amor", diz Regina.

"A dificuldade era não fazer um documentário, nem um programa radiofônico, nem um sarau. A peça é sobre um grande período do Brasil, visto pelos olhos do estrangeiro, olhar embora amargo, mas muito bem-humorado", afirma.

A peça

"São 20 anos de história e, também, o olhar sobre pessoas comuns, nosso jeito de agir e a índole. Ela tinha carinho pelo povo brasileiro", completa a atriz Regina Braga.

Ela andava abstraída pelas comemorações dos 500 anos do Brasil. Lia de tudo, planejava um espetáculo com sambistas, quando Marta lhe introduziu "Poemas do Brasil" (Companhia das Letras), de Bishop.

Decidiram fazer a peça baseando-se nas diversas cartas escritas pela poeta, cartas publicadas da adolescência até o dia em que morreu. Tem-se a descrição do brasileiro de forma espontânea e surpreendente, da atmosfera dos conturbados anos 50 e 60 e das comemorações da vitória da Copa de 1958, com muita bossa nova e samba.

"Ela se impressionou com o jeito brasileiro de paparicar, dar presentes e ser despudorado. Ela escreveu muito mais cartas que poemas. Escrevia coisas íntimas para amigos", conta Marta.

George Freire faz a trilha da peça, em que são mencionados personagens históricos, como Getúlio, Brizola e Jango.

Há projeções e trechos do discurso da renúncia de Jânio Quadros num Brasil modernista. Wagner Freire faz a luz. O cenário é de Jean Pierre Tortill, e Lu Pimenta assina o figurino.

Teatro:Um Porto para Elizabeth Bishop
Autora: Marta Góes
Direção: José Possi Neto
Com: Regina Braga
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 234-3003)
Quando: de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 20h
Quanto: de R$ 10 a R$ 30
 

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