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12/06/2001 - 07h37

"Nunca gostei de cantar nem de tocar guitarra", diz Lobão

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da Folha Online

Aos 43, Lobão diz estar vivendo uma de suas melhores fases na carreira. "Estou muito bem, aprendi muita coisa tendo de me virar com o esquema da Universo Paralelo", disse, se referindo à proposta encampada por sua gravadora, de trabalhar independentemente e vender CDs junto de revistas em bancas de jornais.

Lobão não deixa uma farpa passar em branco. Para ele, a cultura sofre atualmente uma higienização que engessa o pensamento, atrofia. Ele cita Sandy e Júnior, Backstreet Boys e fala mal de Xuxa.

"Comprei uns aparelhos novos, li manuais e isso mudou muito minha vida porque eu comecei a tocar teclado desde 'A Vida é Doce'. Nunca gostei de tocar guitarra, mas agora eu gosto, pareço uma criança com brinquedos novos", disse. "Eu nunca gostei de cantar e de tocar guitarra. Agora estou gostando, achando divertido. Eu mesmo faço as programas, os arranjos, as levadas de baixo, estou participando muito das composições."

O cantor montou um power trio -Lobão assume as guitarras e os violões, Marcelo Granja no baixo e Alex Fonseca, nas baterias, nos pads e samplers- por questões econômicas e para facilitar o trabalho.

"Meus equipamentos têm 18 kg só, é tudo pequeno, reduzido, é uma síntese, tudo portátil, mas de alta tecnologia. É uma mistura de coisas gravadas com o som ao vivo, deu uma liga sonora muito forte", afirmou.

Segundo ele, a redução no orçamento obriga a compor para o trio, tocar para o trio, o que lhe inspirou novas composições nesta nova fase.

Veja algumas opiniões de Lobão sobre diversos assuntos, de política a música, dadas em entrevista à Folha Online.

Mercado fonográfico - Não sei se eu sou contra o mercado. Eu sou um espaço a mais no mercado. A gente é contra a forma de fazer o mercado. Não acho necessário contratar um diretor de marketing oriundo de uma fábrica de biscoitos porque ele entende de gôndolas. Ele poderia até ser um consultor, mas jamais o epicentro do sistema. A tecnocracia é burra. Quando eu vou contra eu vou com propostas, são substitutivas. Eu fui muito agressivo, eu fui muito kamikase, eu não sabia o que daria... Eu fui com o elã de que aquilo seria muito justo, mas sem saber quais seriam as consequências. Claro que tive represálias. Se não quiser me tocar, melhor, menos um problema que eu tenho. Não sei quantos inimigos eu tenho, pensei que fosse ter um monte, mas o que vi foi um pessoal tentando se aproximar. Tenho 4.000 CDs demos de vários artistas para ouvir.

Caetano Veloso - Eu não faço uma coisa monocórdia por incapacidade, mas por um conceito. Será que eu terei que ouvir sua estúpida retórica porque você não pára de falar, ouça um pouco. Dá dó falar isso porque Caetano é uma locomotiva. É uma pessoa que apresenta problemas de auto-centrismo muito grande. Caetano, nos últimos dez anos, retomou um poder com a Tropicália 2 e ficou até agora. Nos anos 80 ele deu uma escorregada, tomamos conta, eu, Renato, agora está todo mundo morrendo, mas ele não disse a que veio ainda.

Cultura - A elite cultural brasileira é provinciana. Pelo o que eu consigo verificar, a nossa capacidade de auto-reflexão é muito limitada. Porque não conseguimos ter na dramaturgia o mundo do poder, como fez Shakespeare. Não temos um grande romance nas altas rodas, vira tudo pastelão, novela das oito. É a incapacidade de pensar. Existe uma certa complacência da nossa parte.

Sandy - Essa coisa do mundo higienizado, de a pessoa só suportar, acho que é uma existencialidade mais junkie que a própria heroína, a pessoa querer cobiçar coisas alienadas para viver só seus melhores momentos. É de uma pobreza, de uma miséria, e é institucionalizado. É uma xuxanização de tudo, muito sombria. É uma alegria higienizada, infanto-juvenil do Backstreet Boys, Sandy & Junior. Não tem Metallica, heavy metal mais violento. É uma violência UDR, ultrareacionária, retrógrada, cheia de preconceitos, cheia de medo de experimentação de vida. Todas estas criaturas são vítimas. Uma menina como a Sandy, você vê no olhar que ela é uma pessoa boa, talentosa, canta bem.

Programas de TV - A gente está sofrendo uma atrofia tati-bi-tati muito forte. Enquanto tivermos complacência com os programas infantis... Caetano foi na Xuxa! Não pode acontecer. Olha o Alexandre Pires, a Carla Perez, é o resultado da educação sombria dos últimos 20 anos. Eu já fui na Xuxa, já levei minha filha lá, mas é uma bomba de efeito retardado. Aquelas naves espaciais começam a tomar uma conotação diferente. Eu fiz os programas da Xuxa, mas eu ficava muito mal. Eu não tenho preconceito. Só não faço mais. Só faço se montarem um palco para mim lá. Qualquer programa que me oferecer um microfone para eu cantar eu vou. O Faustão fez ao vivo e eu fui. O Gugu, nem passa pela cabeça dele me chamar. A maioria dos programas da TV nem pensa nesta possibilidade. Tem coisas que não dá para fazer. A coisa ficou tão tecnocrática, mas cadê a semiologia? E os signos, aquilo tem uma leitura, uma consequência.

Novos trabalhos - O Karnak está lançando, o Wagner Tiso já lançou em banca de jornal. Eu acho que é um filão de um mercado que vai florescer a parte deste mercado oficial porque ele ocorre de outras maneiras e de outras circunstâncias. Acho que não colide. Eu saí porque não queria viver naquela especulação de "você tem de vender 300 mil".

Panorama da música - Uma década se passou e muito pouca coisa aconteceu no rádio. Eu não toco em rádio, estou fazendo o Multishow e estou fechando um festival em Brasília. Eu fui passar o som hoje e tem umas bandas cocô-xixi-pum, que imitam Raimundos, nada é novo. Em dois anos eu tive de aprender muita coisa. Eu tive de fazer uma economia de guerra, correr mais risco, e eu acabei melhorando por uma questão de sobrevivência. Eu olho para as pessoas e sinto que elas estão sofrendo uma atrofia. Isso tira a alegria de viver das pessoas. Tem uns caras legais aqui, mas...

Acústicos MTV - Não vou lançar meu CD no Brasil. Isso é um truque. É um CD atípico, gravado pelo Multishow. Aqueles acústicos da MTV tem umas coisas boas, mas não me sinto confortável com aquilo, é muito pasteurizado.

Personalidade - É uma lei física ir contra a corrente. Se alguém conseguir uma propulsão sem atrito, me diga... O atrito é a reflexão, é a ética da própria crueldade. Eu fico tentando entrar em contradição, mas fico sempre deste lado. Não concordo com certas maneiras que eu vejo. A nossa maneira de produzir cultura, de pensar cultura, acho muito doloroso.

Música - Eu tenho inveja daquela coisa de chassi do Paulinho da Viola e do João Gilberto. Eles metabolizaram tanto e tiveram substrato de uma coisa que aquilo é um macadâmio. O que eu vou ser agora, me pergunto? A gente parece que tem uma carapaça que quer implodir e não consegue. Temos atitudes temerárias, temerosas. Ninguém trepa nem sai de cima. Marina, Lulu, eles me ensinaram coisas, foram determinantes em minha vida. Mas depois de Caetano e de João não existe mais ninguém: é o fim dos trópicos. Não é assim que pensam?

Atitude - Algo eu tenho. Seja o que vai me anunciar, é uma anunciação que fabrica uma razão fundamental de viver. Não dá para deixar se intimidar. Acho que ficar em cima do muro é falta de auto-estima. Praqui, pragora e pra gente, até que tá bom. Quem pensa assim vai ter problema de auto-estima. Isso é síndrome de capacho. É exportar o falso-nós. "A bossa já não é tão nova quanto pensam os americanos" [trecho de "Para o Mano Caetano"]. Isso é um engodo, um simulacro, parece o olhar de um estrangeiro, de um facismo emocional, de querer o Brasil de um jeito que não é e que você quer.

Compor- Hoje, como em todas as vezes, faço música para mim, para tentar me curar. Adélia Prado disse uma vez, quando lhe perguntaram por que ela fazia literatura: faço literatura para fazer algo melhor que eu e diferente de mim. Quando você tenta engedrar algo assim você quer uma cura, se perpetuar. A tentativa de fazer música, antes de mais nada, é tão grave quanto ser criança. Você querer brincar, que é muito sério, e é quando você está ensaiando para se acertar na vida. É a força motriz: esta alegria do lúdico e este lúdico para você salvar. A obra de arte é o lúdico para você se perpetuar e se salvar.

Objetivo - Meu objetivo é existir e continuar criando com a possibilidade de existir num país que não possibilita a experimentação. Quero continuar criando riscos, experimentando, criando.

Rock in Rio 3 - Eles [outros cantores e até mesmo gravadoras] estão começando a me imitar em algumas coisas. Eu jogo a longo e médio prazo. A gente está sentindo que estamos criando uma coisa sólida. Quer uma consultoria, quer sair do vermelho? Fala comigo. Eles são muito ávidos por dinheiro, são burros. A história está escrita de uma forma patética, tanto pelo governo, por quem deteve o poder, o mercado fonográfico. Tá tudo dominado? O que está dominado, cara pálida? O Rock in Rio? É uma coisa pretérita, difusa... O Carnaval? O que é o funk? Quais são as bandas que o jabá do Rock in Rio colocou no mercado? Quando pintou o funk os caras compraram o funk. Quando acabou o funk veio o Falamansa. E eles compraram. Eles estavam prontos para lançar o Rock in Rio. É aquele rock-atitude-tomei-Danup.

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