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25/06/2001 - 09h58

Mulheres invadem o hip hop com letras sobre realidade feminina

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CAROLINA FREDERICO
da Folha de S. Paulo

Na periferia, a história é (quase sempre) a mesma: revólver, drogas, polícia, morte. Mas essa é apenas a metade da realidade, tão citada pelos "meninos" nas letras de rap.

Enfrentando a hegemonia masculina da rima, algumas "meninas" das periferias de São Paulo e do Rio resolveram se aventurar pelo universo hip hop para contar a outra metade da história. Para os desavisados, elas não são poucas -e não é de hoje que isso está acontecendo.

Não faltou resistência, desde o começo. "Tem cara que nem gosta de ver menina mexendo no equipamento. Acham que você não sabe tocar", conta DJ Nice, 27, que faz performances em São Paulo e ganhou o terceiro lugar nas eliminatórias brasileiras do DMC -o campeonato mundial de DJs. A moça chegou a sofrer boicotes, como desregularem seus aparelhos. "Eu ficava nervosa, perdia a concentração."

Rúbia está há 11 anos no movimento e é ex-integrante do grupo RPW, que durou oito anos e foi criador do estilo bate-cabeça, marco no rap brasileiro (que amante do ritmo não se lembra dos postulados do "pule ou empurre"?). Ela conta que sentiu uma dupla resistência. "Eu era uma mulher branca fazendo música de negro e de homem. Naquela época mulher subia no palco para ficar dançando; o pessoal ficava assustado quando via a gente cantar."

Temática

Da paulistana Rúbia à carioca Gizza, irmã de MV Bill, elas fazem rap de verdade, falado, com muita levada. Mas não tratam de violência e drogas do mesmo jeito que os homens. A forma de expressão e os assuntos abordados se baseiam no mesmo cotidiano da periferia, mas também em seus próprios medos, anseios e experiências de vida.

O Visão de Rua, da rapper Dina Dee, é um exemplo de grupo que fala dessa vivência particular da mulher da periferia. Nas letras estão presentes a responsabilidade de ser mãe e ser solteira, o medo de não se casar e de não encontrar um homem que assuma os seus filhos.

Já imaginou como se sentiu a mulher de um presidiário naquele dia 2 de outubro de 1992, quando 111 presos foram mortos na Casa de Detenção do Carandiru? O grupo narrou essas sensações numa de suas músicas, "Mulher de Malandro".

A letrista é Dina Dee, 26, que começou no rap aos 15 anos, quando ouviu uma música do Racionais e se identificou com a sua situação de pobreza. "Tem um dilema que todos da periferia conhecem: ou se vai para o lado certo ou para o errado."

Para ela, entre todas as expressões artísticas no Brasil, optar por ser rapper é a mais difícil. Para Rúbia, trata-se de um nicho muito ingrato. "Rap é resistência. Ou você faz rap ou você ganha dinheiro. Não adianta querer fazer rap e achar que vai ficar rico, porque não vai. Tem que fazer por amor." E procurar outro emprego para sobreviver.

Jornada tripla

Se as mulheres em geral já se queixam da dupla jornada, essas meninas tiveram que conciliar as obrigações de mulher e mãe a uma terceira tarefa: a ambição de ser artista.

"A mulher é obrigada a desenvolver as três coisas bem. Eu não posso me dar ao luxo de escolher só uma das tarefas: ser uma excelente rapper, fazendo shows de madrugada, e ser uma péssima mãe e uma péssima cabeleireira. Meus filhos precisam de mim, e as contas batem na minha porta", afirma Rúbia.

Lady Chris, do grupo feminino Lady Rap, é outro exemplo de quem exerce essa tripla jornada. "Resolvi estar presente nos dois primeiros anos da vida da minha filha, mas depois tive que me dedicar também à minha carreira. Não podia ser uma mulher frustrada. Não são todas as mulheres que têm coragem de colocar o filho no carrinho e ir para os eventos; lembro que todos reconheciam a Lady Chris por seu carrinho de bebê lilás."

Se se impor nesse universo masculino é a princípio trabalho árduo, a luta tem seu lado compensador. O rap tem na essência retratar a condição social e as raízes de seus criadores. Por isso as meninas acreditam que não precisam se prender aos padrões fechados de beleza da maioria. "Quando a gente está cantando, não importa se é gorda ou magra, nem a cor do cabelo. O que conta são as nossas idéias", afirma Rúbia.

Futuro

Cada uma tem seu estilo. Negra Li, 21, é representante de uma novíssima geração de garotas. Segue uma linha de rap mais melódica e faz apresentações com o grupo RZO, de Pirituba, na zona oeste de São Paulo. Tem aulas de canto, ama o que faz, mas gostaria também de estudar direito.

Gizza, 24, irmã do rapper carioca MV Bill, teve um irmão que, segundo relata, morreu ao entrar para o mundo do crime. Agora, ela realiza um sonho. Está em estúdio gravando seu primeiro CD, que tem previsão de lançamento para o mês que vem pela gravadora independente Hutus. Em uma de sua letras se coloca na pele de uma prostituta.

A veterana Rúbia, 32, cuida dos dois filhos, do salão de cabeleireiros e não pretende desistir. Realiza shows e prepara os arranjos e bases de um novo trabalho. DJ Nice aguarda a eliminatória internacional do DMC. Lady Chris organiza um festival de rap feminino.

Dina Dee lançou CD recentemente, pela gravadora paulistana Atração, mas está desanimada: "Às vezes me pergunto se não estou no barato errado". Ao que consta, não. "A Dina está entre os maiores rimadoras do país", declara o rapper Xis.
 

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