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02/07/2001 - 11h34

Universo de Nelson Rodrigues inspira a montagem de "Bis!"

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Nelson Rodrigues era um crítico ululante. Antes de tomar a dramaturgia pelas mãos, no início dos anos 40, ele invariavelmente soltava os cachorros sobre escritores, artistas plásticos, cineastas e, pasme, não poupava encenadores ou compositores de ópera.

Tinha 23 anos quando fez o primeiro comentário de drama lírico em "O Globo", para desconsolo do compositor Carlos de Mesquita, um "romântico retardado", no julgamento implacável do rapaz que tomou afeição pelo gênero ouvindo rádio e, ato contínuo, julgava-se conhecedor da matéria.

Sobre "Esmeralda", de Mesquita, encenada em março de 1936, no Teatro Municipal do Rio, Rodrigues recriminou o "maestro" por acreditar que este mirava-se mais em personagens de Victor Hugo do que nos tipos que vagavam pelas ruas do seu país, "gente que vai sofrendo, sonhando, amando e sorrindo, não com poses convencionais, e sim histérica e grotescamente, com esgares, caras feias, ríctus tremendos, babas de ódio, medo e lascívia".

Esse registro foi recuperado por Ruy Castro na biografia "O Anjo Pornográfico". De 1937 até 1943, "N.R." iria revezar a assinatura da coluna "O Globo na Arte Lírica", no mesmo jornal. Quase 60 anos depois, uma ópera brasileira finalmente inverte a chave da trajetória do dramaturgo e procura dar ao drama lírico a sua respectiva cota na formação do autor.

Trata-se de "Bis!", com direção cênica de Ricardo Guilherme e musical de Laércio Resende, sobre libreto de Cláudia Vascon- cellos. A montagem estréia em São Paulo dia 12, no projeto Pocket Opera, do Sesc Ipiranga.

Em "Bis!", o libreto original é batizado "A Rosa no Asfalto", título que alude ao da peça "Beijo no Asfalto" (1960), mas Cláudia reporta precisamente à crônica "A Dama do Lotação", da coluna "A Vida Como Ela É", publicada nos jornais "Última Hora" e "O Globo" nos anos 50 e 60.

"A ressalva é que a ópera não é sexualmente espetacularizada, como o filme, mas psicologicamente espetacularizada", compara Laércio Resende, 41. "A Dama do Lotação" ganhou adaptação para o cinema em 1978.

Na ópera, o marido obsessivo desconfia da traição da mulher. O pai e o amante também entram em cena e corroboram os ingredientes de amor, sexo e morte.

Elza Rodrigues, 83, guarda dezenas de discos em vinil. O marido costumava ouvir clássicos como "La Traviata", de Verdi, -"a preferida", diz a viúva-, "Madame Butterfly" e "La Bohème", de Puccini. "Sempre o acompanhava às sessões no Municipal, quando ainda era solteira."

Ele era, a rigor, um amante do gênero. Manteve-se fiel mesmo depois de escrever as 17 peças que o consagrariam como ícone do moderno teatro brasileiro, a partir de 1943, com "Vestido de Noiva" -que, aliás, traz referência a "La Traviata" em uma das cenas de Alaíde, que desconfia da traição do marido com a irmã.

"O arcabouço do dramaturgo e romancista está no absoluto conhecimento, inclusive teórico, da ópera", diz Caco Coelho, 39, responsável pelo projeto "O Baú de Nelson Rodrigues", concluído em 2000. Ele garimpou o acervo da Biblioteca Nacional do Rio e localizou reportagens do escritor nos jornais "A Manhã", "Crítica" e "O Globo", de 1927 a 1935.

Sob pseudônimo de Suzana Flag, no romance "Minha Vida" (1946), Rodrigues recorre a Puccini para definir sua "máscara literária": "Bem, acho que meu tipo é miúdo; não demais, apenas miúdo. E foi isso, talvez, que levou certo rapaz a me dizer, pensativo: "Se você cantasse, daria uma boa Madame Butterfly". Eu gosto de dar aos homens uma impressão de extrema fragilidade e de me achar, eu mesma, eternamente mulher, eternamente menina".

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