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12/07/2001
-
04h10
da Folha de S.Paulo, no Rio
Hoje afastado da produção de "Cambaio", o pernambucano Lenine, 42, diz que nem pode opinar sobre diferenças de concepção da trilha sonora no palco e no CD, porque desse último nada ouviu ainda, a não ser a canção sob sua interpretação.
O momento difere do da estréia da peça, em abril passado, quando sua atuação na direção musical do espetáculo saltou à frente causando surpresa e estranheza.
Na ocasião, ele concedeu entrevista, não publicada, que a Folha agora recupera por contraste (e pelo relativo silêncio de Edu e Chico quanto a "Cambaio").
Ali Lenine negava ser um "interventor" das canções de Chico e Edu no palco, mas confessava que pouco interagiu com os autores originais da música da peça. Hoje, diz que deixou de acompanhar o processo porque voltou a se dedicar a seu trabalho individual. Leia trechos.
(PAS)
Folha - Qual é o histórico de sua entrada em "Cambaio"?
Lenine - Foi quase uma conspiração a favor. O ano passado foi muito atípico para mim, fiquei metade do ano longe de casa. Foi da pesada, porque foram várias conquistas a partir disso, minha carreira fora e dentro do país deu um pulo. Mas acarretou isso: quando foi novembro, estava em Paris e desmaiei no meio de uma gravação. Questionei-me de por que estava daquele jeito, o tanto de intransigência que tive de ter esse tempo todo para permanecer fiel a meus valores.
Ficou claro que o importante é o núcleo familiar, meus filhos, meus amigos. Eu estava um pouco distante. Tomei a decisão de que até junho deste ano ia ficar em função de outras coisas que não meu umbigo. Até por minha formação socialista, sempre me questiono sobre o porquê dessa exibição toda, até onde isso me interessa. Nisso João Falcão me convidou. Era a oportunidade de continuar trabalhando, mas sem ser em torno do meu universo musical. Foi o estímulo, além de os envolvidos serem todos pessoas que admiro muito.
Folha - Entrando no meio do processo, como se deu sua inserção no projeto?
Lenine - Quando cheguei havia umas cinco músicas já prontas. João abriu para mim que expectativas e que objetivos ele tinha. Já havia 4.000 inscritos para participar, cheguei para somar com meu filtro a escolha do elenco. João me pediu para estar junto dele e adaptar as canções para o universo de rua em que queria transitar. Tive uma reunião com Chico e Edu e, de vez em quando, eles apareciam no ensaio. Na verdade, do dia-a-dia Chico e Edu não participaram muito.
João falou que eles queriam que eu desconstruísse o que eles estavam construindo. Foi bonito isso.
Mas para mim a novidade foi participar da formação do caráter daqueles garotos e garotas. Por causa disso até revi minha posição do que eu entendia de teatro.
Folha - Sua interação com Chico e Edu foi pequena, então?
Lenine - A dinâmica do processo já vinha havia mais de um ano entre eles. Peguei grande parte das canções prontas, Chico e Edu já estavam envolvidos com outras coisas. O tipo de entrega, quando entrei, foi diferente, fiquei três meses só nisso. O convívio não foi tão intenso, mas eles iam lá de vez em quando, trocávamos figurinha, falávamos por telefone.
Folha - Você teria sido chamado para apagar algum incêndio na qualidade do espetáculo?
Lenine - Não, não é verdade. Eu não entraria num jogo assim.
Folha - Mas sua interferência sobre as canções parece ser muito forte na peça.
Lenine - A questão não foi nem de interferir. Quando a gente fala de autoralidade, precisávamos aprofundar um pouco esse papo: o que é autoral? Minhas canções são minhas até eu terminá-las, depois é um certo exorcismo que faço. A partir daí a canção passa a andar com as próprias pernas. Também me sinto autor de "Cambaio", mas com o mesmo peso e valor, sem distância.
Folha - Qual foi a reação dos primeiros autores diante do que fez? Nunca se imaginou que Edu Lobo fornecesse os rocks do musical.
Lenine - Acho que é simplificar demais chamar de rocks. Mas foi tão carinhosa e aberta a relação que foi uma soma mesmo. Não houve nenhum tipo de discordância. Achar um choque entre eu e Edu Lobo é o mesmo tipo de miopia de que todo mundo associou aquela parte final -que é um hip hop todo influenciado por Dr. Dre- com maracatu.
Folha - "Cambaio" é uma peça para criticar a exibição?
Lenine - É um pouco isso, mas fundamentalmente se trata de dinheiro público e com objetivo extremamente louvável. Demos perspectiva a 18 pessoas que não tinham nem isso. Foi dinheiro bem empregado. E a aproximação da música de Chico e Edu com o contemporâneo foi interessante para todo mundo.
Folha - Sua reconstrução das músicas saltar como tão marcante não o recolocou no círculo do umbigo de que você queria fugir?
Lenine - Só pelo fato de ter percussão, as pessoas associam comigo, por quê? Não, acho que o momento do acalanto na peça é até mais meu, tem um arranjo de dois violões que não é da canção original. Ali está mais a minha cara que em momentos mais óbvios. Edu Lobo faz parte de uma linha evolutiva do violão brasileiro, seus violões são sempre muito chiques e refinados. Sem falar no Chico, que não se diz músico e no entanto é um compositor harmonicamente riquíssimo. Sinto afinidade com isso, esse universo também esteve presente, de uma maneira indireta, na minha formação.
Lenine deixa de acompanhar criação de "Cambaio"
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Hoje afastado da produção de "Cambaio", o pernambucano Lenine, 42, diz que nem pode opinar sobre diferenças de concepção da trilha sonora no palco e no CD, porque desse último nada ouviu ainda, a não ser a canção sob sua interpretação.
O momento difere do da estréia da peça, em abril passado, quando sua atuação na direção musical do espetáculo saltou à frente causando surpresa e estranheza.
Na ocasião, ele concedeu entrevista, não publicada, que a Folha agora recupera por contraste (e pelo relativo silêncio de Edu e Chico quanto a "Cambaio").
Ali Lenine negava ser um "interventor" das canções de Chico e Edu no palco, mas confessava que pouco interagiu com os autores originais da música da peça. Hoje, diz que deixou de acompanhar o processo porque voltou a se dedicar a seu trabalho individual. Leia trechos.
(PAS)
Folha - Qual é o histórico de sua entrada em "Cambaio"?
Lenine - Foi quase uma conspiração a favor. O ano passado foi muito atípico para mim, fiquei metade do ano longe de casa. Foi da pesada, porque foram várias conquistas a partir disso, minha carreira fora e dentro do país deu um pulo. Mas acarretou isso: quando foi novembro, estava em Paris e desmaiei no meio de uma gravação. Questionei-me de por que estava daquele jeito, o tanto de intransigência que tive de ter esse tempo todo para permanecer fiel a meus valores.
Ficou claro que o importante é o núcleo familiar, meus filhos, meus amigos. Eu estava um pouco distante. Tomei a decisão de que até junho deste ano ia ficar em função de outras coisas que não meu umbigo. Até por minha formação socialista, sempre me questiono sobre o porquê dessa exibição toda, até onde isso me interessa. Nisso João Falcão me convidou. Era a oportunidade de continuar trabalhando, mas sem ser em torno do meu universo musical. Foi o estímulo, além de os envolvidos serem todos pessoas que admiro muito.
Folha - Entrando no meio do processo, como se deu sua inserção no projeto?
Lenine - Quando cheguei havia umas cinco músicas já prontas. João abriu para mim que expectativas e que objetivos ele tinha. Já havia 4.000 inscritos para participar, cheguei para somar com meu filtro a escolha do elenco. João me pediu para estar junto dele e adaptar as canções para o universo de rua em que queria transitar. Tive uma reunião com Chico e Edu e, de vez em quando, eles apareciam no ensaio. Na verdade, do dia-a-dia Chico e Edu não participaram muito.
João falou que eles queriam que eu desconstruísse o que eles estavam construindo. Foi bonito isso.
Mas para mim a novidade foi participar da formação do caráter daqueles garotos e garotas. Por causa disso até revi minha posição do que eu entendia de teatro.
Folha - Sua interação com Chico e Edu foi pequena, então?
Lenine - A dinâmica do processo já vinha havia mais de um ano entre eles. Peguei grande parte das canções prontas, Chico e Edu já estavam envolvidos com outras coisas. O tipo de entrega, quando entrei, foi diferente, fiquei três meses só nisso. O convívio não foi tão intenso, mas eles iam lá de vez em quando, trocávamos figurinha, falávamos por telefone.
Folha - Você teria sido chamado para apagar algum incêndio na qualidade do espetáculo?
Lenine - Não, não é verdade. Eu não entraria num jogo assim.
Folha - Mas sua interferência sobre as canções parece ser muito forte na peça.
Lenine - A questão não foi nem de interferir. Quando a gente fala de autoralidade, precisávamos aprofundar um pouco esse papo: o que é autoral? Minhas canções são minhas até eu terminá-las, depois é um certo exorcismo que faço. A partir daí a canção passa a andar com as próprias pernas. Também me sinto autor de "Cambaio", mas com o mesmo peso e valor, sem distância.
Folha - Qual foi a reação dos primeiros autores diante do que fez? Nunca se imaginou que Edu Lobo fornecesse os rocks do musical.
Lenine - Acho que é simplificar demais chamar de rocks. Mas foi tão carinhosa e aberta a relação que foi uma soma mesmo. Não houve nenhum tipo de discordância. Achar um choque entre eu e Edu Lobo é o mesmo tipo de miopia de que todo mundo associou aquela parte final -que é um hip hop todo influenciado por Dr. Dre- com maracatu.
Folha - "Cambaio" é uma peça para criticar a exibição?
Lenine - É um pouco isso, mas fundamentalmente se trata de dinheiro público e com objetivo extremamente louvável. Demos perspectiva a 18 pessoas que não tinham nem isso. Foi dinheiro bem empregado. E a aproximação da música de Chico e Edu com o contemporâneo foi interessante para todo mundo.
Folha - Sua reconstrução das músicas saltar como tão marcante não o recolocou no círculo do umbigo de que você queria fugir?
Lenine - Só pelo fato de ter percussão, as pessoas associam comigo, por quê? Não, acho que o momento do acalanto na peça é até mais meu, tem um arranjo de dois violões que não é da canção original. Ali está mais a minha cara que em momentos mais óbvios. Edu Lobo faz parte de uma linha evolutiva do violão brasileiro, seus violões são sempre muito chiques e refinados. Sem falar no Chico, que não se diz músico e no entanto é um compositor harmonicamente riquíssimo. Sinto afinidade com isso, esse universo também esteve presente, de uma maneira indireta, na minha formação.
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