Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
26/07/2001 - 04h27

José Bové fala em entrevista sobre seu livro lançado no Brasil

Publicidade

SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

"O Mundo Não É uma Mercadoria", diz o título do livro do líder camponês francês José Bové, 47, lançado agora no Brasil. Transformado em uma espécie de garoto-propaganda das manifestações antiglobalização, o ativista parece utilizar muito bem os recursos da mídia globalizada na hora de veicular sua imagem.

Foi assim em 99, quando liderou um ataque a uma loja do McDonald's, em Millau (sul da França), ao chegar de trator para seu julgamento, ao posar algemado e com os braços levantados ou ainda ao ser expulso do Brasil pela Polícia Federal por participar da invasão de uma fazenda de transgênicos da Monsanto.

Bové nega que tenha se tornado um ícone. "Não sou um símbolo", diz, "sou um militante, estou atuando. Um julgamento, um protesto são oportunidades para que eu fale contra os transgênicos ou contra regras injustas de comércio de alimentos, acho que devo aproveitar esses espaços".

O livro reúne entrevistas feitas pelo jornalista Gilles Luneau com Bové e François Dufour, amigo do ativista e também membro da Confederação Camponesa. O prefácio da edição brasileira é de João Pedro Stédile, líder do MST.

O subtítulo, "Camponeses contra a Comida Ruim", vem da expressão usada por Bové no dia do ataque ao McDonald's. "Eu tinha antes empregado a expressão "comida de merda", que rapidamente transformei em "comida ruim", porque era mais educado".

Bové usa a expressão para criticar transgênicos, alimentos com hormônios e uso de pesticidas. Mas também para lamentar, de maneira nostálgica, a mudança dos hábitos alimentares ("as famílias não se encontram mais à noite para comer juntas") e a padronização dos sabores, que chama de "perda de raízes culturais".

O livro mostra ainda como a atividade política se mistura com sua
biografia. O encontro com a mulher, Alice Monier, em 71, aconteceu quando ambos pintavam faixas contra a ampliação de um campo militar. Em 75, o casal mudou-se para a região de Aveyron para implementar projeto de agropecuária alternativa. As filhas, Hélène e Marie, nasceram em casa, pois o casal é contra o parto em hospitais.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Bové concedeu à Folha na terça-feira, por telefone, da França, para onde acabara de voltar depois de participar das manifestações durante o encontro do G8, em Gênova, no último fim-de-semana.

Folha - Você lutava por uma causa muito específica, a política agrícola francesa. Hoje, é símbolo de um movimento bem mais amplo. O que mudou desde 1999?
José Bové -
Na minha vida pessoal, pouca coisa. As minhas convicções são as mesmas desde os anos 70, quando me dei conta da necessidade de enfrentar a globalização. Como dizemos no livro, não saímos de uma misteriosa cartola, lutamos há tempos.

A diferença é que, depois do episódio do McDonald's, mais pessoas estão percebendo que não é possível controlar os problemas globais que ameaçam nosso planeta se não forem consideradas as questões regionais de produção. Assim como é preciso entender o global para saber porque as coisas acontecem, no nível local, da forma como acontecem.

Folha - O pensamento marxista indicava que o processo revolucionário deveria nascer do proletariado urbano, pois os camponeses eram considerados um setor conservador da sociedade. Você acredita que o marxismo estava errado em relação ao poder de transformação dos camponeses?
Bové -
Marx não foi o primeiro intelectual a não entender nada do que se passa no campo. O contexto em que trabalhava era marcado pela idéia de modernização, de progresso, que estava ligado, na época, à industrialização dos países. Por isso o camponês parecia atrasado, imóvel. Hoje, acredito que setores dos camponeses têm profunda consciência do perigo que representa o progresso descontrolado da indústria e da biotecnologia às vidas humanas.

Naquele tempo, a idéia de Marx sobre o progresso era de inclinação positivista. Hoje, o que chamo de progresso é procurar uma nova forma de viver neste mundo.

Folha - O encontro do G8 em Gênova marcou um novo, e mais violento, capítulo das manifestações?
Bové -
Toda a responsabilidade pela violência em Gênova é do governo e da polícia italianos. Havia policiais inseridos entre os manifestantes. Queriam quebrar o movimento, mas não conseguiram. O número de pessoas que nos apoiaram, antes e depois da morte do rapaz, foi uma resposta convincente. Agora, estamos fazendo protestos para que o governo italiano dê explicações públicas sobre o que aconteceu.

Folha - Você acredita que os movimentos antiglobalização tendem a tomar, num futuro próximo, a forma de partidos políticos e passar a fazer parte do sistema democrático tradicional?
Bové -
Acredito que a partir do momento em que podemos estimular debates sobre questões que dizem respeito a toda a humanidade em diferentes situações regionais, temos uma nova forma de fazer política. Sei que estou fazendo política, mas defendo uma democracia direta, em que seja possível encontrar estratégias a partir de debates que não se limitem por fronteiras nacionais.

Folha - Você se imagina disputando um cargo nas urnas?
Bové -
Não temos isso como objetivo. Uma eleição é para um período de três ou quatro anos. Os problemas que discutimos não se resolvem num período tão curto. Não se soluciona o problema do clima, do ambiente, dos direitos humanos ou das novas formas de comércio em tão pouco tempo. Mas também não lutamos contra a democracia, acho que tem de haver política partidária local junto com discussões sem fronteiras.

O MUNDO NÃO É UMA MERCADORIA - CAMPONESES CONTRA A COMIDA RUIM
De: José Bové e François Dufuor, em entrevista a Gilles Luneau Tradução: Angela Mendes de Almeida e Maria Teresa van Acker Editora: Unesp (tel. 0/ xx/11/232-7171
Na internet: www.editora.unesp.br)
Preço: não definido (257 págs.)
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página