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28/07/2001 - 07h09

Siro Darlan compara trabalho de modelos ao de meninos de rua

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CARLA NASCIMENTO
da Folha Online

Sua imagem está mais para a de um homem sisudo, que proíbe menores de idade em desfiles de moda, censura a televisão e não quer ver shows de rock que fazem apologia ao álcool e às drogas. Mas o juiz Siro Darlan de Oliveira, 50, da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, afirma que só quer defender os direitos das crianças e dos adolescentes.

Sob a bandeira do Estatuto da Criança e do Adolescente, o juiz já proibiu a participação de crianças e adolescentes no elenco da novela "Laços de Família", da Rede Globo, exigiu que o material de campanha da revista "Playboy" com Carla Perez na capa fosse tampado com uma tarja, mandou prender o baixista Nick Oliveri, do Queen of The Stone Age, aquele que tirou a roupa durante o Rock in Rio 3, e proibiu modelos de participarem da Semana BarraShopping de Estilo, caso não estivessem estudando.

Pai de quatro filhos, recentemente Darlan proibiu a entrada de menores de idade, mesmo se acompanhados dos pais, no show do Planet Hemp realizado na praça da Apoteose, no Rio, provocando tumulto e violência, o que o fez voltar atrás diante das 42 mil pessoas que estavam no local.

Polêmica? Siro Darlan diz desconhecer essa palavra. Ele acusa a mídia de dar destaque apenas para ações que envolvem a classe artística e de não dar atenção a projetos do Juizado voltados à população carente.

Siro Darlan se justifica: "Eu apenas acato as solicitações do Ministério Público". Em entrevista à Folha Online, Darlan compara o trabalho de modelos com o de meninos de rua e diz que o show do último dia 22 de julho "patrocinava" o narcotráfico. Leia trechos da entrevista.

Folha Online - O senhor tem sido criticado pelas ações relacionadas à proibição da participação de crianças e adolescentes em atividades artísticas. O senhor diz que todas as suas ações apenas seguem o que determina a lei. A que o senhor atribui a resistência às medidas?

Siro Darlan -
Todas as minhas ações são fundamentadas na doutrina da proteção integral, que é a doutrina do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nós temos uma lei que está em vigor há 11 anos e que, lamentavelmente, encontra resistências da família, do poder público e da sociedade. Os três elementos que a Constituição impõe o dever de assegurar com prioridade absoluta os direitos de crianças e adolescentes estão falhando.

Folha Online - Isso significa que está havendo um descompasso entre a lei e a realidade?

Darlan -
Quando eu procuro estender o braço da proteção integral à criança da classe média a reação é muito maior, porque proteger crianças de rua é quase que uma obrigação natural, mas quando a proteção é para uma modelo ou para um jovem que quer frequentar um show onde há apologia de maconha ou de drogas, aí vem uma parte da mídia e chama isso de polêmica, de controvérsia, e diz que o juiz quer aparecer.

Isso é uma forma da elite se defender quando o juiz atinge interesses poderosos como o das agências que exploram as modelos, o dos empresários que promovem espetáculos públicos e até do narcotráfico. O narcotráfico tem interesse na publicidade de seus produtos e, quando esse interesse é contrariado, ele movimenta, através do seu poder econômico, uma parte da mídia e uma parte da opinião pública para desmoralizar o agente que está combatendo esta publicidade.

Folha Online - Mas para o narcotráfico interessa a ilegalidade do consumo de drogas e não um show que prega a legalização do uso da maconha.

Darlan -
Aparentemente há contradição nisso mas, no fundo, toda propaganda que estimula o uso de drogas contraria os interesses da criança, porque o direito que tem a criança é o direito à saúde. Saúde se contrapõe à droga. Eu não posso acreditar que alguém possa defender que o fato de legalizar a maconha vá assegurar o direito à saúde dos jovens. Ao contrário, o que nós estamos vendo é uma juventude que está sem rumo porque está sendo seduzida pelo excesso de drogas.

Folha Online - Mas por essa lógica não seria o caso de também coibir a realização de espetáculos públicos que fizessem propaganda do uso de outras drogas como o álcool e o cigarro, por exemplo?

Darlan -
Você tem toda a razão e talvez você não esteja informada da ação do juizado no combate à venda de álcool para menores...

Folha Online - Eu estou falando do incentivo ao uso por meio de propagandas, que muitas vezes aparecem em espetáculos públicos como, por exemplo, em shows realizados em lugares onde se vê placas com marcas de bebidas alcoólicas. A Justiça está usando dois pesos e duas medidas nesse caso?

Darlan -
Seria um exagero nosso, por exemplo, impedir crianças nos desfiles de Carnaval pelo fato de o patrocínio ser indevido ou ilegal. A nossa ação tem sido no sentido de levar a educação para dentro das escolas para educar a população jovem mostrando os malefícios do cigarro e do álcool.

É mais eficaz investir na educação do que você interferir num espetáculo em geral, cujos espectadores não são só crianças. Soaria ridículo proibir crianças no Carnaval porque o patrocínio é de cigarro ou de bebida alcoólica. Então, nós optamos, nesse caso, pela educação das crianças na escola.

Folha Online - A diferença então está no fato de o álcool e o fumo já serem aceitos socialmente?

Darlan -
Não deve ser aceito para menores, mas é uma cultura que já está arraigada secularmente e que é difícil de combater com decretos ou com leis. É melhor combater com educação.

Folha Online - No caso das drogas o senhor não acredita que é mais eficaz esclarecer o problema dentro das escolas em vez de censurar shows?

Darlan -
No caso das drogas elas são absolutamente ilícitas para todos, crianças e adultos. Daí ser mais fácil você generalizar o combate do que na questão da bebida alcoólica e do cigarro, que é proibido apenas para crianças e adolescentes, assim como a pornografia.

Folha Online - E com relação ao trabalho de menores? O senhor proibiu algumas modelos com menos de 18 anos de desfilar na última semana de moda do Rio de Janeiro (Semana BarraShopping de Estilo). Uma boa parte delas têm rendimentos que profissionais adultos não têm e, muitas vezes, conseguem sustentar toda a família. Seguir o que determina a lei, nesse caso, prejudica essas garotas. Não deveria haver uma flexibilização da Justiça?

Darlan -
A flexibilização da minha parte é total. Eu, inclusive, acho que a nossa legislação em matéria de trabalho é fora da realidade. Nós vivemos num país onde todos os jovens deveriam ter a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho experimentalmente, como parte do processo de educação.

Eu nunca fui contra o fato de as modelos desfilarem. A sua pergunta induz, equivocadamente, que eu teria sido contra o trabalho de modelos. Eu sou a favor que a modelo desfile, mas que tenha o seu direito à educação respeitado. A sua pergunta também tem uma conotação de que a modelo estaria ajudando a família. O menino que está vendendo bala na rua também está ajudando a família.

Folha Online - Mas existe uma diferença entre os dois tipos de atividade...

Darlan -
Tanto um quanto outro estão tendo um de seus direitos fundamentais desrespeitados, que é o direito à educação. Não se pode permitir que os jovens sejam explorados pela família em detrimento da educação, e essa exploração tanto ocorre com o menino que está nas ruas quanto com a modelo que está nas passarelas das elites.

O dever dos pais é prover a guarda, o sustento e a educação dos filhos até a maioridade. Não é agente de nenhuma infração o jovem que está fora da escola. O agente da infração é a família e o poder público.

Folha Online - Mas aí ocorre um conflito entre o real, o legal e o ideal. O Estado não oferece escolas suficientes para todos e boa parte da população vive com o desemprego e a exclusão social. Como punir a família que vive nessas condições por não conseguir prover necessidades básicas aos filhos?

Darlan -
Se nós nos conformamos com essa realidade, tudo vai ficar como está. A lei impõe que o Ministério Público, como órgão legitimado para assegurar a proteção integral à criança e respeito à lei, ingresse com ações contra o poder público para se fazer respeitar esses direitos fundamentais.

Folha Online - Isso não tem resolvido o problema.

Darlan -
O Ministério Público tem sido atuante, tem proposto ações. Contra pais negligentes eu tenho 1.600 ações e também tenho um número elevado de ações contra o município. Ninguém pode ficar omisso porque a realidade é cruel. Nós temos que mudar essa realidade. A lei impõe que é dever de todos garantir esses direitos das crianças. Se eu passo pela rua e vejo uma criança cheirando cola, eu tenho que agir.

Folha Online - E como é a sua ação como cidadão?

Darlan -
Toda vez que eu encontro com uma criança na rua eu falo com ela. Pergunto nome, onde estuda, por que está na rua e quem são os pais. Depois eu aciono os mecanismos do Estado. Quando vejo uma criança cheirando cola eu negocio com ela: ela me dá a cola e eu pago um lanche, porque se ela está cheirando cola é porque está com fome. A minha ação pessoal tem sido coerente com a minha ação profissional, se é isso que você quer saber.

Folha Online - Há seis anos o senhor atua na área de prevenção na Vara da Infância do Rio de Janeiro, mas só começou a chamar a atenção da mídia por causa da repercussão que a proibição de menores no elenco da novela "Laços de Família", da Globo, gerou. Por que a sua ação no meio artístico só começou há pouco mais de um ano?

Darlan -
Você está redondamente enganada. Desde 1990 nós temos arquivos de uma atuação constante no combate aos jornais que divulgavam a imagem de adolescentes infratores. Nós disciplinamos a mídia no Rio de Janeiro.

Em 1991, eu tirei a Rede Manchete do ar por 15 segundos e depois nós negociamos a conversão dessa pena na prestação de serviços à comunidade e a Manchete fez, durante um mês, uma campanha divulgando o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso tudo foi amplamente divulgado. A sua pergunta está prejudicada pela falta de conhecimento desses antecedentes. Não há uma preocupação no sentido de aparecer na mídia de um ano para cá.

Folha Online - Mas ações como essa, de proibir crianças em novelas, por exemplo, já tinham sido feitas?

Darlan -
Com certeza. Anos antes nós já havíamos retirado o ator Marcelo Farias de uma novela da Globo. Ele tinha sido flagrado com um cigarro de maconha e, como ele fazia um papel que era muito querido pelas crianças, eu achei que era uma contradição que um ídolo infantil tivesse sido flagrado pela polícia usando drogas. Essa medida gerou um acordo com a Globo, através do qual esse ator fez várias palestras de combate às drogas em instituições de menores infratores.

Folha Online - Uma ação como a do show do dia 22, no Rio, de proibir a entrada de menores gerou tumulto, violência e colocou em risco as pessoas que foram ao Sambódromo. Como o senhor pretende agir daqui pra frente para evitar que incidentes desse tipo voltem a acontecer?

Darlan -
Não foi a proibição que desencadeou o acidente. Quem promove um espetáculo para 42 mil pessoas tem que solicitar o alvará para a participação de menores de 18 anos, tem que convocar o policiamento necessário para dar segurança aos frequentadores e tem que ter estrutura organizativa que não seja um único portão para a entrada das pessoas. Nada disso foi feito. Então, essa sua pergunta tem que ser direcionada a quem promoveu esse espetáculo dantesco. Não foi o juiz que promoveu.

O juiz tentou, com requerimento do Ministério Público, impedir que jovens tivessem acesso a uma propaganda de drogas. Não era ação do juiz dar segurança para aqueles jovens. Isso é uma ação da segurança pública, quando solicitada. Todas as suas perguntas têm que ser direcionadas aos "desorganizadores" daquele evento e não à Justiça. E também não é correto dizer que a polícia foi a causa daquela violência.

Folha Online - Mas as imagens mostradas na imprensa mostram policiais batendo em pessoas do público...

Darlan -
Houve uma reação da polícia para tentar conter determinado tumulto. Foram 211 casos de atendimento médico em um público que chegou a 42 mil pessoas. Isso é uma gota d'água. Em qualquer show de igreja você vai ter esse número. Mais: 80% dos atendimentos no posto médico do show foram por intoxicação de drogas e álcool. Essa mensagem que vocês [mídia] estão passando para a opinião pública é falsa. A mídia está agindo de forma irresponsável.

Folha Online - A prevenção para que coisas desse tipo não aconteçam não é do juizado?

Darlan -
A lei determina que seja pedido alvará para a realização do show. Isso não foi feito. Os promotores destes eventos têm que se conscientizar que a lei deve ser cumprida por todos.

Folha Online - O senhor pretende tomar alguma atitude em relação aos organizadores do evento?

Darlan -
Nossa equipe de fiscalização fez um relatório narrando todos os fatos. Isso vai ser mandado para o Ministério Público, que vai verificar se cabe uma ação de responsabilidade.

Folha Online - O senhor tem quatro filhos. Como é que o senhor agiu no período da adolescência deles. Houve problemas?

Darlan -
Os problemas foram naturais de contestação, de pensamentos diferentes e de choques de geração, mas nada muito grave que não pudesse ser resolvido com uma conversa.
 

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