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31/07/2001 - 04h23

Marilena Chaui e sua mãe lançam livro de receitas para iniciantes

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NINA HORTA
da Folha de S.Paulo

Marilena Chaui escreveu um tratado sobre Baruch Espinosa? Escreveu e chama-se "A Nervura do Real". É bom? É bom, é denso, é difícil. E escreveu muita coisa mais. É uma filósofa estudiosíssima e deve ter começado a ler no dia em que abriu os olhos. Você pega os livros dela e se sente burra, ignorante e vai lendo e vai gostando e acaba se
interessando e se desasnando aos poucos.

E não é que, quando já estávamos interessados em como "reunir a causalidade imanente da substância e a causalidade transitiva da
Natureza naturada", ela nos aparece com um manual de economia doméstica?
Pois juntou-se à mãe, Laura Chaui, professora do ensino fundamental, mais três assistentes e escreveu um livro de cozinha. Um livro de cozinha, sim senhores. Entrevistei-a por e-mails e fiz a resenha sobre "Professoras na Cozinha". Um azougue a nossa professora da USP e sua espertíssima mãe.

Folha - Há muito tempo assisti a um programa de TV no qual Marilena Chaui e a filha eram entrevistadas. A filósofa explicava que havia desistido das empregadas, pois nossos atritos com elas viriam do fato de estarmos lutando pelas rédeas da casa. Achei interessante e verdadeiro. Vocês levaram adiante esse propósito? O livro é para afobadas ou empregadas?
Marilena Chaui -
Mantivemos o propósito. Tanto minha mãe como eu temos faxineira. Mas o livro não foi pensado para as empregadas, mas para gente jovem inexperiente e aflita. Antes de escrevê-lo, fizemos perguntas para gente mais jovem, que estuda e/ ou trabalha, indagando quais os problemas maiores com as refeições e o que gostariam de saber.
Foi a partir das respostas que estruturamos o livro, começando pelo abecedário, ensinando a fazer arroz e feijão, a fritar bife, até chegar às recepções de cerimônia.

Folha - Vocês sabem que, como professoras que trabalham o dia inteiro, não teriam tempo para fazer em casa o trivial brasileiro, que geralmente é composto de uma salada, um legume, arroz, feijão e uma carne, quando não tem um bolinho ou uma farofa. O nosso trivial é o que há de mais trabalhoso. Professoras ocupadas comem cru. Frutas e legumes batidos no liquidificador e uma omelete de queijo. Ou o milagroso Miojo-Lamen. Não é?
Laura Chaui -
Você tem razão quanto à complicação do trivial ligeiro brasileiro! Por isso evitamos propor como trivial ligeiro toda a coisarada que os brasileiros acham que devem comer numa única refeição e, no final de cada receita, escrevemos "a fórmula combina com", de modo que a pessoa saiba que uma boa refeição pode constar de dois pratos.
Marilena - Você tem razão quando diz que as pessoas apressadas comem cru. Olhe, não é um livro de receitas. Nós pensamos tanto em gente que vai improvisar as duas refeições diárias, como naquelas pessoas que improvisam uma das refeições e preparam outra, embora não possam gastar muito tempo nisso.

Folha - O conselho mais repetido do livro é: "Não se aflijam!". As professoras se afligiram muito durante a vida para chegar a este livro cheio de idéias práticas, bem arquitetado, apolíneo e didático?
Marilena -
A idéia principal foi a de mostrar aos leitores que a cozinha não é um bicho de sete cabeças, que desastres e erros acontecem o tempo todo e que praticamente tudo tem jeito. E que cozinhar pode ser divertido e criativo.

Folha - Na seção de queijos (muito boa), aparece o antropólogo Lévi-Strauss. Que assombração... Parece que escapuliu das teses de mestrado e veio botar a colher torta do cru e do cozido no livro das ocupadas-aflitas. As leitoras não vão se assustar com este único nome esdrúxulo entre as alfaces?
Marilena -
Lévi-Strauss acabou sobrando porque fazia parte de uma versão anterior do livro em que havia muitas citações de literatura, música, ciências sociais, cinema, filosofia. Como o livro foi ficando maior do que havíamos imaginado, fui retirando as citações e enxugando o texto. E me esqueci do Lévi-Strauss! Mas acho que esqueci porque acho perfeita e interessante a explicação que ele dá para a diferença entre "queijo", "fromage" e "cheese".

Folha - Entendi, pelo livro, que o intuito é a eficiência para que não se perca tempo e que se tente equilibrar o trabalho e a vida de família. Um manual à antiga, bom, poderoso, uma Dona Benta moderna, misturada ao Rosamaria, mais um tratado de economia doméstica e muito mais útil que um manual de receitas. Certo ou errado?
Marilena e Laura -
Corretíssimo! Não seríamos capazes de dizer tão bem como você acaba de dizer! Ficaremos muito felizes se os leitores usarem o livro exatamente como você o descreve e explica.

Folha - E, quando querem subverter a linguagem da comida, onde vão? Ao Fasano, Massimo, Roanne, McDonald's ou, ou?
Marilena -
Minha mãe gosta do top-top, gosta de misturar restaurantes conservadores e inovadores, mas de alta qualidade e de primeira linha e vai com prazer ao Fasano e ao Roanne, mas com igual deleite ao Tanger, Bargaço e La Vecchia Cucina. Quanto a mim, tudo me diverte e só faço duas exigências: que os ingredientes sejam frescos e de primeira e que o/a cozinheiro/a tenha uma mão segura para os temperos. E, se vou com prazer ao Massimo e ao Suntory, também vou ao McDonald's com meus netos.

Folha - Alguém disse: "A alimentação é um meio indireto para a construção de si próprio como obra coerente. Diga-me o que comes, dir-te-ei quem és". Acreditam nisso?
Marilena -
Nina, vou deixar as palavras finais ao filósofo do meu coração, Espinosa, que, no século 17, escreve em sua obra, a "Ética": "Por certo, só uma feroz e triste superstição nos proíbe de ter prazeres. Pois o que é mais conveniente do que saciar a fome e a sede ou expulsar a melancolia? Portanto, usar as coisas e deleitar-se nelas tanto quanto possível é próprio do sábio".

PROFESSORAS NA COZINHA
De: Laura de Souza Chaui e Marilena de Souza Chaui
Editora Senac
R$ 45 (384 págs.)
Lançamento: dia 4 de agosto, às 11h, na livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, São Paulo, tel. 0/xx/11/285-4033)
 

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