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07/08/2001 - 04h48

Um conturbado itinerário ideológico

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JANER CRISTALDO
especial para a Folha de S. Paulo

Escritor e jornalista, viajante inveterado, autor brasileiro mais divulgado no exterior, ex-militante do Partido Comunista, deputado constituinte em 46. Oba Otum Arolu do candomblé Axé Opô Afonjá na Bahia, membro da Academia Brasileira de Letras.

Jorge Amado nasceu em uma fazenda de cacau, em 10 de agosto de 1912, no então recém-criado município de Itabuna, na Bahia. Em um século marcado pelo nazismo e pelo marxismo, o autor vai desenvolver um conturbado itinerário ideológico e literário. Em função de sua militância no PC, no início de sua trajetória foi traduzido na China, Coréia, Vietnã e ex-União Soviética.

Em 1914, a família muda-se para o município vizinho de Ilhéus. Em 22, transfere-se para Salvador, onde é aluno interno do Colégio Antonio Vieira. Em 26, foge e se refugia na casa do avô, em Sergipe. No ano seguinte, o pai o traz de volta para Salvador.

Em 1930, transfere-se para o Rio, onde publica seu primeiro romance. "País do Carnaval", publicado pela editora do poeta integralista Augusto Frederico Schmidt. Em 33, publica "Cacau", apreendido pela polícia carioca.

Em 36, é preso no Rio, em consequência da Intentona de 35, tentativa de tomada do poder ordenada pelo Kremlin e liderada no Brasil por Luís Carlos Prestes.

Em uma reunião do PC, é denunciado por Oswald de Andrade como "espião barato do nazismo" e instado pelo escritor paulista a retirar-se de São Paulo.

Em 45, é eleito deputado federal pelo Partido Comunista e publica "Vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança". Em 46, como constituinte, assina a quarta Constituição Brasileira. Dois anos depois, seu mandato é cassado em virtude do cancelamento do registro do PC. Neste mesmo ano, 1948, fixa residência em Paris, onde convive, entre outros, com Sartre, Aragon e Picasso.

Em 1950, passa a residir no Castelo da União de Escritores, em Dobris, na ex-Tcheco-Eslováquia, onde escreve "O Mundo da Paz", uma ode a Lênin, Stálin e ao ditador albanês Envers Hodja. No ano seguinte, recebe em Moscou o Prêmio Stálin Internacional da Paz. Em 61, lança "Os Velhos Marinheiros", considerado um dos melhores momentos de sua literatura. Nesse ano, é eleito membro da Academia Brasileira de Letras, instituição que havia apedrejado e insultado sua juventude.

No discurso de posse, reiterou sua oposição à Casa: "Chego a vossa ilustre companhia com a tranquila satisfação de ter sido adversário desta instituição naquela fase da vida em que devemos ser necessária e obrigatoriamente contra o assentado e o definitivo".

Com três dezenas de livros publicados, Amado tem uma obra dividida em duas fases muitos nítidas. Na primeira -que termina em 1954, com "Subterrâneos da Liberdade"-, sob a influência da tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia em 1917, o autor está preocupado com a difusão das idéias socialistas e não hesita em recorrer ao panfleto. Na segunda, que se inicia em 58 com "Gabriela, Cravo e Canela", passa a fazer uma literatura eivada de tipos folclóricos baianos.

O romancista baiano foi introdutor nas letras brasileiras do realismo socialista, confecção literária para a pregação do ideário comunista, concebida pelos russos Maxim Gorki, Anatoli Lunacharski, Alexander Fadéev e sistematizada por Andrei Zdanov.

O novo gênero, também conhecido como zdanovismo, o único tolerado na ex-União Soviética durante o stalinismo, está manifesto fundamentalmente na trilogia "Subterrâneos da Liberdade".

Com o 20º Congresso do PCUS, em fevereiro de 56, na qual Nikita Krushev denuncia os crimes do stalinismo, o escritor abandona o realismo socialista e faz uma reavaliação de sua opção ideológica.

Escritor de sucesso junto ao público, é visto com reticências pelo mundo acadêmico. Escreve o crítico Alfredo Bosi: "Cronista de tensão mínima, soube esboçar largos painéis coloridos e facilmente comunicáveis que lhe franqueariam um grande e nunca desmentido êxito junto ao público. Ao leitor curioso e glutão a sua obra tem dado de tudo um pouco: pieguice e volúpia em vez de paixão, estereótipos em vez de trato orgânico dos conflitos sociais (...) O populismo literário deu uma mistura de equívocos, e o maior deles será por certo o de passar por arte revolucionária. No caso de Jorge Amado, porém, bastou a passagem do tempo para desfazer o engano".

Sobre o seu passado stalinista, nega-se a maiores comentários. Em "Navegação de Cabotagem", declara: "Durante minha trajetória de escritor e cidadão tive conhecimentos de fatos, causas e consequências, sobre os quais prometi guardar segredo, manter reserva." Prisioneiro de suas contradições, Amado subtrai com seu silêncio um precioso acervo à memória do século 20.

Janer Cristaldo, doutor em letras francesas e comparadas pela Universidade de Sorbonne (França), é jornalista e tradutor

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