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07/08/2001 - 04h59

Albert Camus: Na "Bahia de Todos os Santos", só a vida importa

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ALBERT CAMUS

Um livro magnífico e prodigioso. Se é verdade que o romance é antes de tudo ação, esse é um modelo do gênero. E nele se lê claramente o que pode haver de fecundo em uma certa barbárie livremente consentida. Pode ser instrutivo para todos ler "Bahia de Todos os Santos" ao mesmo tempo, por exemplo, que o último romance de Giraudoux, "Choix des Élus" (Escolha dos Eleitos). Porque esse último figura exatamente numa certa tradição de nossa literatura atual, que se especializou no gênero "produto superior da civilização". Desse ponto de vista, a comparação com Amado é decisiva.

Poucos livros se afastam tanto dos jogos gratuitos da inteligência. Vejo nele ao contrário uma utilização emocionante dos temas folhetinescos, um abandono à vida no que ela tem de excessivo e desmesurado. Da mesma forma que a natureza não teme de quando em quando o gênero "cartão-postal", assim as situações humanas são frequentemente convencionais. E uma situação convencional bem concebida é própria das grandes obras.

Em uma grande capital aberta para o mar, Antônio Balduíno, negro, pobre e iletrado, tem a experiência da liberdade. Experimentar a liberdade é primeiro se revoltar. O tema do romance, se há um, é a luta contra as servidões de um negro, miserável e iletrado, e essa exigência de liberdade que ele sente em si mesmo. É a busca apaixonada de um ser elementar à procura de uma revolta autêntica.

É uma revolta que faz do negro um boxeador, e um boxeador triunfante. É uma revolta que leva o miserável a recusar todo trabalho organizado e a viver esplendidamente as alegrias da carne. Beber, dançar, amar as mulatas, a noite, diante do mar, tantas riquezas inalienáveis, conquistadas à força da virilidade. E é ainda uma revolta, essa mais sutil e nascida no mais profundo do coração, que leva o negro ignorante a cantar com seu violão e compor admiráveis canções populares.

Mas todas essas revoltas combinadas não fazem uma alma confiante. Se Antônio Balduíno vive com todas as suas forças, ele não está, contudo, satisfeito. Que uma greve aconteça, e ele se lançará inteiro no movimento. E ele reconheceu então a única revolta válida e satisfatória, a revolução. É essa ao menos a conclusão do autor. Eu não sei se ela é verdadeira, mas o que é psicologicamente verdadeiro é que o herói de Amado encontra então o sentido de uma fraternidade que o livra da solidão. E está na natureza desse ser instintivo satisfazer-se absolutamente com isso.

De resto, que não nos enganemos. Não se trata de ideologia em um romance em que toda a importância é dada à vida, quer dizer, a um conjunto de gestos e de gritos, a uma certa ordenação de impulsos e de desejos, a um equilíbrio do sim e do não e a um movimento apaixonado que não se acompanha de nenhum comentário. Não se discute sobre o amor. Basta amar e com toda a carne. Não se encontra uma palavra de fraternidade no livro, mas mãos de negros e mãos de brancos (não muitas) que se apertam.
E o livro inteiro é escrito como uma série de gritos e melopéias, de avanços e retornos. A ele, nada é indiferente. Tudo é emocionante. Mais uma vez, os romancistas americanos nos fazem sentir o vazio e o artifício de nossa literatura romanesca.

Uma última palavra: Jorge Amado tinha 23 anos quando publicou este livro. Ele foi expulso do Brasil por tê-lo vivido antes de tê-lo escrito.

O artigo acima foi escrito pelo romancista francês nascido na Argélia Albert Camus (1913-1960) para a coluna "Salon de Lecture" do jornal "Alber Republicain" de 9 de abril de 1939 e republicado pela "Folha da Manhã"

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