Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
11/08/2001 - 15h50

"Eu quis fazer cinema para as grandes massas", diz Tizuka Yamasaki

Publicidade

MARCELO BARTOLOMEI
Editor de Entretenimento da Folha Online

Leia mais sobre inverno
Grande nome do cinema brasileiro, a cineasta Tizuka Yamasaki volta a filmar no final deste ano a continuação da história da imigração japonesa, iniciada em 1980 com "Gaijin", um de seus últimos trabalhos antes de uma fase para o cinema pop, comercial, que levou milhões de espectadores aos cinemas com Xuxa e Renato Aragão.

"Circulando", como ela própria define, no Paraná desde 1998, Tizuka mudou-se para Curitiba no início do ano, montou um escritório em Londrina no ano passado e, longe dos holofotes da mídia, tem trabalhado em três projetos caros, mas que a trazem de volta para um estilo que a colocam novamente no centro das atenções. Com "Gaijin 2", que deve ser lançado no segundo semestre de 2002, ela fala da identidade cultural do país, mostrando histórias colhidas no norte do Paraná entre seus descendentes, na sua família.

O filme, cujo custo é de R$ 7 milhões, terá cenas no Japão, atores americanos, nikeis e brasileiros, que ainda estão sendo selecionados.

Em entrevista à Folha Online, em Gramado (RS), onde participa do 29º Festival do Cinema Brasileiro e Latino, falou sobre a retomada, criticou a imprensa e apontou os motivos que a fizeram ingressar numa fase de quase 20 anos fazendo filmes para crianças, adolescentes e que são duramente classificados pela crítica como comerciais.

Cineasta engajada como é, Tizuka vê no novo panorama da indústria cinematográfica brasileira uma oportunidade para fazer, simplesmente, cinema, sem compromisso estético ou político. Ela tem um projeto para filmar a vida de Santos Dumont, o "pai da aviação", antes que os americanos peguem para eles a invenção, que comemora cem anos em 2003.

Confira trechos da entrevista:

Folha Online - Você anda sumida... O que tem feito para o cinema?
Tizuka Yamasaki -
Eu comecei a produção do filme "Gaijin 2" no Estado do Paraná há quatro anos e nesta história acabei me mudando para Curitiba, estou com parte da produção plantada em Londrina e começo a filmar entre dezembro e janeiro. É um filme que vai dos anos 30 até os dias atuais e tem filmagens no Japão, fala um pouco da história de Londrina, que é muito interessante por causa da colonização, que tem a presença de 33 etnias, com um núcleo da minha família. É uma continuação do "Gaijin" [1980, a estréia da cineasta como diretora]. A atriz que protagonizou o "Gaijin 1" volta nos anos 35, com 40 e poucos anos.

Folha Online - Este filme é a realização de um sonho, um desejo de contar a história da imigração japonesa?
Tizuka -
Eu fecho com este filme todo o ciclo da história da imigração japonesa, desde os descendentes até os dias de hoje. É um filme muito pessoal porque é muito inspirado na minha família e, como o assunto é identidade cultural, estou trabalhando com a minha identidade cultural. Isso mexe muito comigo, tem horas que eu fico com muito medo, tem horas que me dá prazer, tem horas que eu penso que tenho que me rasgar e ir embora, tem de tudo. É desafiador a nível pessoal e profissional também porque o "Gaijin" foi um filme muito querido. Há uma expectativa muito grande. Você sabe como é brasileiro... ele te dá uma chance até determinado momento, mas se você dá uma escorregada, diz: viu, bem feito, eu disse que você não ia conseguir.

Folha Online - Por que demorou tanto tempo para fazer a segunda parte de "Gaijin", um intervalo de 20 anos?
Tizuka -
Quando eu fiz o "Gaijin - Caminhos da Liberdade" eu queria fazer uma trilogia, mas eu não imaginava que o filme fosse ter o impacto que teve, e eu fiquei com medo de ficar taxada como cineasta da imigração japonesa. Então eu quis partir para outras temáticas, bem diferentes. Eu tive uma certa dificuldade para fazer o "Gaijin", estava meio magoada em termos de produção e disse que não queria mais fazer um filme sobre a imigração. Mas a Kioko Tsukamoto, a atriz do "Gaijin", há cinco anos atrás, me chamou e disse: "Tizuka, vem aqui que eu quero lhe mostrar uma coisa que você vai gostar". Ela me levou para conhecer as comunidades brasileiras no Japão. Eu voltei e disse que eu tinha de fazer este filme sobre os dekasseguis. A partir daí eu fui elaborando uma história e dei entrada no MinC (Ministério da Cultura) há quatro anos com ela.

Foi um período muito difícil, em que as empresas não estavam com lucro, foram dois anos muito difíceis. Cheguei até a desistir de fazer o filme. Do ano passado para cá, a coisa começou a andar. Neste ano, engatou na quarta e está indo super bem.

Folha Online - Você disse ter ficado magoada com algumas coisas. O que te magoa no cinema brasileiro?
Tizuka -
No cinema, a grande mágoa foi o que o Collor [Fernando Collor, ex-presidente que deixou o governo por meio de impeachment em 1992] fez com a Embrafilmes [que acabou no período do governo]. Para recuperar o estrago, foi muito violento, um prejuízo financeiro muito grande, além de um prejuízo psicológico, pois ficou como se o cinema não tivesse nenhuma importância para o país, "vocês que se danem". O ato desse governo foi neste tom. A gente ficou com uma raiva muito grande, mas eu disse que não ia morrer por causa disso, tinha de tentar sobreviver, mas foi muito dolorido. Hoje eu vejo um lado muito positivo porque, até então, você tinha o Cinema Novo, o Cinema Novíssimo, a Pornochanchada, haviam escolas e estéticas muito claras que ou você fazia parte ou não. Depois desse evento Collor, parece que tudo ficou permitido.

Hoje ninguém tem compromisso com a temática, com o modelo estético, com a conotação política, se é de esquerda ou de direita. Hoje, cinema é cinema. Isso foi muito saudável. Talvez tenha sido até bom o que aconteceu. A gente está se levantando com mais alegria.

Folha Online - A recuperação do cinema trouxe uma boa safra para o mercado. Qual é sua opinião sobre a nova fase e a nova geração do cinema?
Tizuka -
Tem muita gente nova e eu tenho assistido. Claro que agora que eu estou em Curitiba fiquei um pouco mais isolada, estou afundada na produção do "Gaijin 2" e andando muito pelo interior do Paraná. Vira e mexe vou a um festival, estou aqui em Gramado, às vezes vou ao Rio para ficar por dentro. Tem muita gente nova e é engraçado porque eu vou para os eventos de cinema e não conheço as pessoas. Com a lei do audiovisual, a gente meio que obrigou as empresas a prestarem mais atenção à produção cinematográfica. Hoje, depois de vários anos, a lei do audiovisual não é tão desconhecida nos grandes centros. Isso deu uma visibilidade para o cinema e, por outro lado, o cinema conquista prêmios, chega perto do Oscar e ganha prêmios de fora.

A gente ainda é um país colonizado. Quando um espectador brasileiro percebe que um determinado país está louvando um filme ele vai atrás, para ver também. Com isso, a gente passa a ter orgulho e a produção cultural ganha um certo valor. Um filme arrasta outro. Você pega um filme que faz 2 milhões de espectadores, mesmo que ele seja considerado pela camada intelectual como um filme apenas comercial, mas ele está formando espectadores. Eu prefiro que minha filha de 12 anos vá ver um filme nacional mesmo que ele tenha, entre aspas, esse valor comercial, do que ficar vendo filmes americanos e não ter outra opção. Há pouco tempo atrás, fui para um encontro de cinema em Caxias do Sul (RS) e uma das organizadoras, na despedida, me disse: "Você sabe que eu, quando criança, vi o Lua de Cristal e ele foi muito importante para mim". Um filme que não seja tão considerado pela elite cultural é bom para um anônimo.

Folha Online - Você considera o que esta elite cultural prega? Existe mesmo uma distinção entre o filme comercial, que faz público, e o cinema intelectual?
Tizuka -
Essa distinção existe por causa da imprensa, da crítica cinematográfica. Não concordo. Cinema é cinema, já nasceu para ser um produto para a grande massa. Hoje, quando você abre os jornais, são raros os críticos que entendem de cinema. A maioria sequer sabe como se faz um filme. Criticam o filme, não gostam, ou porque ele é intelectual ou não, sem saber a realidade da construção cinematográfica. Falta no Brasil uma formação da crítica, uma relação mais próxima entre quem escreve sobre cinema e quem faz cinema. A crítica deveria ter um papel de orientar o espectador para ver o filme, mas não dizer: "não vá ver este filme e vá ver aquele".

[A crítica] Tem de dar a instrumentação para o espectador poder escolher qual filme ele quer ver. É muito ruim isso. Eu, como cineasta, não encontro na crítica brasileira um retorno para que eu possa ser um pouquinho melhor no meu próximo filme. Sinto falta dos artigos do Glauber [Rocha], com sua audácia; do Nelson Pereira dos Santos, que não tem falado mais; do Cacá Diegues; todos de uma geração que saiu da UNE [União Nacional dos Estudantes] discutindo o país para depois fazer cinema. Me dá uma certa solidão não poder ter este retorno por parte da crítica. A crítica deveria me acrescentar algo para que eu pudesse ser melhor.

Folha Online - Na sua experiência profissional, você passou do intelectual ao comercial. Como é trabalhar assim?
Tizuka -
Eu andei percebendo, um tempo -e isso justifica porquê querer trabalhar com o Renato Aragão e com a Xuxa-, que na verdade a gente fazia um cinema muito intelectual para um público muito pequeno, que era formado basicamente de universitários. Pensei: pô, este país tem uma grande extensão territorial, com analfabetismo grande, e tem de ter um cinema para as grandes massas, como Mazzaroppi fez, como o Renato Aragão tem feito, como a chanchada fez, mas a gente estava cada vez mais reduzido a um segmento pequeno.

Eu queria fazer um filme para a grande massa. Acho que dá para fazer um filme para a grande massa sem ficar apenas num filme de bilheteria fácil. Eu queria entender porque o Didi é tão carismático com o grande público, porque a Xuxa, quando minha filha de 1 ano ouviu a música dela, saiu correndo para a frente da televisão para ficar chacoalhando a bunda. Uma menina de 1 ano... Não tem como fazer a cabeça das crianças. O que essa mulher faz para mover multidões? Eu trabalhei com ela, vi ela entrando numa favela no Rio de Janeiro e as pessoas olhando para ela como se ela fosse Nossa Senhora. Eu tinha acabado de vir de uma procissão do Sírio de Nazaré e eu fiz a comparação. Era a mesma coisa, as pessoas enlouquecidas, louvando a santa, fazendo a mesma coisa com a Xuxa. Eu quis chegar perto.

Folha Online - Você questionou tudo isso e encontrou a resposta?
Tizuka -
Eu não sei ainda o que é. Eu não tenho a receita e acho que nem deveria ter. Acho que nunca ninguém vai ter a receita. A Xuxa tem um carisma próprio dela, assim como o Didi tem seu carisma.

Acho que eu tinha de descer muito do pedestal porque senão não conseguiria atingir o coração das crianças. Você não argumenta intelectualmente com as crianças. Eu tentei aprender um pouco nesse período a como fazer um filme com esta conotação popular. Nesse período, tive uma exigência dos meus filhos porque eu não fazia um filme infantil. Agora eu já cumpri minha obrigação e volto a tomar este rumo que eu peguei no "Gaijin", de trabalhar a identidade cultural. Não que eu não estivesse preocupada com isso quando fazia os outros filmes, tudo dentro daquele universo.

Eu quero muito falar sobre qual é a minha origem, qual a origem do povo brasileiro. A gente tem muita coisa para ensinar e para aprender com este povo que é desconhecido. O Brasil é desconhecido. Se você sai do eixo Rio-São Paulo, agora do Ceará, você desconhece o país. Eu estou descobrindo um universo extremamente interessante no norte do Paraná.

Estou meio brava porque nos 500 anos da história do Brasil ninguém falou sobre o papel dos imigrantes. Já temos mais de cem anos de história da imigração, com muitos projetos importantes. Todo ser humano precisa saber quem é, de onde veio, sua origem cultural, senão ele não vai poder fazer bem ao que vem a seguir. Acho super importante falar sobre este segmento desconhecido que é a imigração. Eu posso falar isso, chegar perto disso, porque está na cara (risos). Quero mostrar que temos outros valores também para o povo se olhar na tela e ver sua cara. O Brasil é um pouco de tudo isso, estes nomes todos estranhos que a gente tem.

Folha Online - Quais são os principais ingredientes para um bom filme?
Tizuka -
A minha avó, que é uma agricultora que sempre trabalhou na roça, me deu a melhor definição quando eu estava fazendo o "Gaijin", o que ninguém nunca conseguiu. Um bom filme tem de ter bons atores e uma história para fazer rir e para fazer chorar. É fundamental ter um bom roteiro na mão para você ter segurança para trabalhar. Tem de ter uma boa produção por trás, pois um bom diretor não consegue trabalhar sem infra-estrutura. Logicamente, tem de ter dinheiro, não dá para fazer cinema só com escambo, uma hora tem que gastar. Tem de pagar os profissionais, é o mínimo que tem de fazer.

Folha Online - Você ainda tem outros projetos em andamento?
Tizuka -
Eu ainda tenho "Santos Dumont - O Brasileiro Voador", e parece que está havendo uma vontade de que se faça o filme. Eu tenho falado o seguinte: Vocês estão querendo pagar o mico de em 2003 ver todos os filmes que os americanos vão fazer para comemorar os cem anos dos irmãos Wright? Os americanos sempre desprezam Santos Dumont, assumiram que são os Wright e ponto final. E nós, brasileiros, vamos ter que engolir isso? O projeto está aprovado no MinC, mas agora estou concentrada no "Gaijin 2".

Ao mesmo tempo eu tenho um outro roteiro que é super legal, que eu estou louca para fazer também, da pajé Zereida Lima, que ajudou a escrever o enredo para a Beija-Flor há dois anos. Ela é de Belém (PA), da Ilha do Marajó, há um interesse do Estado em fazer o filme. Nós temos nos encontrado, falado sobre a defesa da natureza, que é a grande batalha dela. É um tema extremamente moderno e gerado por uma pessoa que escreve, que tem vários livros publicados e exerce sua função de pajé, a única mulher pajé de que a gente tem conhecimento, e faz um trabalho muito importante de defesa da natureza. Todos são projetos caros, mas espero conseguir engatar um no outro.

Leia mais notícias sobre inverno
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página