Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
14/08/2001 - 08h06

Para diretor, "Memórias Póstumas" é 2ª leitura de obra machadiana

Publicidade

MARCELO BARTOLOMEI
Editor de Entretenimento da Folha Online

Leia mais sobre inverno
Aclamado com cinco Kikitos no Festival de Gramado, o cineasta André Klotzel, 46, diretor do filme "Memórias Póstumas", diz que se arriscou ao adaptar para o cinema de forma bem-humorada o grande clássico de Machado de Assis, leitura obrigatória para o vestibular. O filme surgiu após uma releitura do clássico, feita com "outros olhos".

Com três filmes no currículo -"A Marvada Carne" (85), "Capitalismo Selvagem" (94" e o recente "Memórias Póstumas", que estréia nesta sexta-feira, dia 17, em 46 salas do país, Klotzel diz que tentou fazer um filme divertido, que mostrasse todos os aspectos da segunda leitura que fez de Machado de Assis, irônico, cômico, crítico, não sob a obrigação da escola.

O filme custou cerca de R$ 4,5 milhões. "É muito barato", afirma o cineasta, vencedor dos prêmios de Melhor Filme (crítica e júri), Melhor Direção, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Roteiro em Gramado. "Memórias Póstumas" foi exibido pela primeira vez em maio, no 3º Festival Internacional de Brasília e depois no Cine Ceará, sempre como convidado especial, e fez em Gramado sua primeria competição oficial.

Leia a seguir trechos da entrevista:

Folha Online - Como surgiu a idéia de filmar "Memórias Póstumas", baseado na obra de Machado de Assis?
André Klotzel -
Surgiu de uma releitura que eu tinha proposto a fazer de clássicos da literatura brasileira que a gente lê por obrigação na escola. Era como uma dívida que eu tinha comigo mesmo. Fiquei surpreso quando eu reli "Memórias Póstumas de Brás Cubas" porque eu tive uma outra impressão. Atrás daquele português clássico, que para o adolescente é um obstáculo, eu não tinha visto a modernidade da história. É uma história cheia de cultura, faz vários parênteses, comenta vários assuntos e depois volta, mas que ao mesmo tempo tem unidade. Eu nunca tinha entendido o humor dela. Fiquei surpreso com a história e também porque isso nunca tinha sido explorado, estava virgem. Teve o filme do Bressane [Júlio Bressane, cineasta], feito a partir do livro, não propriamente uma adaptação. O meu é uma proposta diferente. Eu estava numa outra adaptação, parei e me dediquei ao "Memórias Póstumas".

Objetivapress
O cineasta André Klotzel,
na entrega do Kikito
Folha Online - Você pensa em prosseguir com esta linha, de levar a literatura às telas dos cinemas?
Klotzel -
Acho que sim, provavelmente não será meu próximo projeto, que já estou envolvido, mas não posso falar ainda. "A Marvada Carne", por exemplo, não é uma adaptação literária, mas é baseado em várias coisas de tradição oral. Cornélio Pires contava anedotas. Eu usei coisas de "Parceiros do Rio Bonito", do Antônio Cândido. É coletado de várias fontes, tem uma coisa que vai por trás e acaba sendo uma costura delas. Mesmo em "Capitalismo Selvagem", cuja proposta era usar um folhetim, eu fiz leituras e coletei as folhetinescas. Uma adaptação literária é mais explícita que isso. Eu não vejo uma grande diferença entre uma coisa e outra: claro que a adaptação sempre te remete ao livro, que já está acabado. Eu acho que tem um espaço criativo grande tanto na adaptação literária quanto na obra original.

Folha Online - Você não acha arriscado fazer uma adaptação literária de uma obra tão importante como a de Machado de Assis?
Klotzel -
É arriscado de todo ponto de vista. Do comercial, de as pessoas carregarem o ranço do significado que este livro teve na sua primeira leitura, às vezes inapropriada, mas isso não existe. Em segundo lugar, é se meter à besta... (risos) ...pegar um clássico dos mais clássicos da literatura brasileira e mexer com isso, pode parecer um pouco de pretensão. O segmento que tem de haver entre o que é uma aproximação autêntica com a obra e até que ponto você corre o risco de virar um gigolô desta obra. Eu tive uma aproximação verdadeira. Não faria Machado de Assis só porque todo mundo o conhece. É desfavorável pensar assim. É uma certa audácia, mas eu me senti seguro.

Folha Online - O que te deu segurança para filmar "Memórias Póstumas"?
Klotzel -
A empatia imediata que tive com a maneira de contar a história. O tipo de ironia, o jeito da história, as interrupções, a coisa fragmentada, achei de uma modernidade incrível, o humor... me identifiquei com o tipo de humor. Achei um caminho na estrada desta seara.

Folha Online - O formato do filme, com as interrupções do protagonista nas cenas, que ficam congeladas atrás, dão uma cara de programa de televisão a ele. Que aproximação de linguagem é esta?
Klotzel -
É isso que me fascina porque você tem uma aparência extremamente clássica, do século passado, e uma coisa moderna. O Machado de Assis também era assim: ele tinha um português clássico, conservador, extremamente bem escrito. Mas a forma do livro é muito moderna, não parece mais realista, nada romântico, mas pré-modernista, que vai além. A narrativa é muito moderna. Eu procurei fazer isso, no sentido que o filme não teria de ser grande eloquente nem ter formas de enquadramento que acentuassem sua modernidade.

A modernidade tinha que parecer disfarçada dentro do enquadramento clássico, de uma época clássica, de um jeito clássico de contar a história, existindo por trás toda esta coisa. Essa é a riqueza: isso dá textura e pode tirar o filme do lugar comum. É uma tentativa de fazer alguma coisa que dialoga com o texto original de Machado de Assis.

Folha Online - Até que ponto o seu "Memórias Póstumas" é fiel à obra original?
Klotzel -
Eu, pessoalmente, tenho muita dificuldade de julgar isso. Procurei ser fiel a mim mesmo, à leitura que eu fiz do livro. Guardei essa primeira impressão e tentei ter coragem suficiente para ir pela intuição. Uma adaptação é sempre uma leitura, por isso existem "n" adaptações. É importante não se preocupar com a quantidade de literatura publicada em torno da obra dele, o que se fala dessa obra e o que foi publicado sobre ela. Isso não pode ser o guia da sua adaptação. Tem de tentar preservar a sua primeira impressão, motivação, senão você acaba entrando num emaranhado e acaba virando chapa branca, seguindo o pensamento oficial do que deve ser esta obra. Não era este o objetivo. Se isso acontecer, vai ser coincidência.

Folha Online - O filme tem muito humor entrecortado em suas cenas. Traz a "viagem" e o delírio de Brás Cubas, montado num hipopótamo e vendo sua vida de uma maneira sarcástica. Como é colocar estes ingredientes a uma obra clássica da literatura?
Klotzel -
Isso é legal, pois te dá uma liberdade... essa coisa fragmentária. A cena das pernas, só elas aparecendo andando, foi tirada de outro lugar, mas quando eu fiz aquilo na obra de Machado de Assis, disse: "que gostoso filmar isso". Ao mesmo tempo que você está contando a história você pode fazer várias sequências, como parênteses nela. Os quadros acabaram entrando porque estavam dentro do espírito fragmentário. "Brás Cubas" tem capítulos curtos que são uma interrupção, um comentário sobre a própria história.

Folha Online - O filme tem duas passagens mais marcantes que podem despertar polêmica por preconceito. Quando era criança, Brás Cubas cavalga sobre um menino negro e, depois, chama a namorada -que tem um problema físico- de cocha insistentemente. Você teme que isso seja revertido de maneira negativa para o filme?
Klotzel -
As coisas que o Brás Cubas faz dão margem a qualquer tipo de interpretação polêmica. De forma nenhuma são minhas atitudes. Não nego, mas também não posso assumir como minhas. O que eu acho que tem de atualidade no filme é a maneira como a elite, que se diz esclarecida e pensante, lida num país de realidade social tão injusta. O Machado de Assis foi acusado na época de ser muito universalista, de não ser brasileiro, pois na época se faziam coisas muito nacionalistas. Na realidade, a distância entre uma elite supostamente esclarecida num país escravocrata e ele colocava essa elite como uma aberração.

No fundo, a conclusão a que se chega em "Brás Cubas" é sobre como eram as elites da época: um Brasil globalizado, miserável e de último mundo. A gente tinha na época o segundo Império, com um imperador intelectualizado... Até isso é semelhante, temos o Fernando Henrique Cardoso. O filme não está aí para pregar a ética, mas para falar da falta de ética. Machado de Assis discute isso de uma maneira existencial, mais que política. Sempre tem um caráter ambíguo, irônico, com várias leituras e de imensa riqueza.

Folha Online - Reginaldo Faria, Petrônio Gontijo, Sônia Braga, Stepan Nercessian, Walmor Chagas e Marcos Caruso, todos figurões. Como foi a escolha do elenco de "Memórias Póstumas"?
Klotzel -
É uma coisa um pouco intuitiva, um exercício de abstração. O Reginaldo poderia encarar muito bem, junto deste lado intelectual, uma malandragem sedutora que o Brás Cubas tinha. Ele tem uma carioquice que já existia em Brás Cubas, esperto e sedutor, com picardia.

Folha Online - O Reginaldo não aceitou o primeiro convite que você o fez. Como você o convenceu?
Klotzel -
Eu nem sabia disso... ele alegou compromissos profissionais, o que eu piamente acreditei (risos). Ele estava inseguro, me disse. Quando eu imaginei o Reginaldo fazendo eu me fixei nele, não pensei em outra pessoa. E a partir daí foi se compondo o elenco, não escolhendo individualmente. Foi um trabalho demorado, foram dois ou três meses, que foi combinando a partir do Reginaldo Faria.

Folha Online - Depois que o filme ficou pronto, tem algo que você mudaria?
Klotzel -
Tudo. Quando eu vejo um copião, quando eu rodei um take, eu acho que poderia ser um pouco diferente. Por outro lado, acho o filme ultra-acabado. Não tenho nenhuma frustração de filmagem. Não digo: "ah, se eu pudesse ter feito...". Para um filme de época, me saí muito bem porque eu corria um sério risco de ter problemas durante a filmagem, não ter dinheiro para continuar. Por outro lado, a cada plano que vejo eu me questiono. Não tem nenhum grande erro.

Folha Online - Como você vê o cinema brasileiro atual? Como manter baixo orçamento, ter público e fazer sucesso?
Klotzel -
Eu procuro fazer um cinema que poderia se chamar Cinema Popular Brasileiro, como tem a Música Popular Brasileira, faça mais sucesso ou menos. "A Marvada Carne" foi um grande sucesso. "Capitalismo Selvagem" foi um fracasso. Este eu não sei como vai ser. Nem a grande indústria americana sabe como vai ser a carreira dos filmes. Por princípio, cinema não pode ser previsto e não pode se cobrar um resultado, filme a filme, de popularidade. O interessante é ter um tipo de mentalidade, levando em conta que temos um país grande e precisamos ter uma cinematografia, mas estamos muito aquém do que poderíamos ser.

Folha Online - De quem é a culpa pela pouca valorização do cinema nacional?
Klotzel -
Está se mexendo nisso, temos um modelo da lei de captação de incentivo que já não está mais alcançando resultados como era antes. Precisamos buscar novos modelos, que incentivem mais a distribuição, o mercado e que faça mais sentido toda esta integração entre produção e mercado, num processo mais dinâmico.

Leia também:

  • Sala UOL exibe "Memórias Póstumas" e debate filme hoje à noite


  • CONHEÇA OS MELHORES LONGAS DE GRAMADO

    VEJA A LISTA DOS CURTAS VENCEDORES

    CONFIRA OS LATINOS PREMIADOS EM GRAMADO

    Leia mais notícias sobre inverno
     

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página