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14/08/2001 - 08h00

Para Zelito Vianna, Gramado deveria valorizar mais o troféu Kikito

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MARCELO BARTOLOMEI
Editor de Entretenimento da Folha Online

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Em Gramado (RS), durante o 29º festival de cinema latino e brasileiro, o cineasta Zelito Vianna, 62, cuja mais recente obra foi "Vila-Lobos - Uma Vida de Paixão", foi o "todo-poderoso" - ficou sob sua tutela o júri encarregado de escolher a quem premiar com o mais tradicional troféu brasileiro do cinema, o Kikito.

Pai de Marcos Palmeira e avesso ao mundo "Caras", que fez maioria no time de Gramado, começou no cinema em 1965, como produtor, dirigiu seu primeiro longa, "Minha Namorada", em 1970, e soma 36 anos de carreira, depois dos quatro que passou como engenheiro a partir de 1960.

Como presidente do júri, não deu moleza: proibiu artistas de darem entrevista e participarem de festas quando, para isso, tinham de faltar das reuniões e discussões sobre os filmes que competiram no festival de Gramado.

Em entrevista à Folha Online, ele critica a maneira como os prêmios são distribuídos, a distinção entre filmes brasileiros e "latinos", expressão que se confunde, na sua opinião, já que o Brasil também faz parte da América Latina, e diz que as produções apresentadas em Gramado eram as que estavam disponíveis no mercado.

Ao mesmo tempo, Zelito Vianna descobriu em Gramado uma nova geração de diretores, promissora, assistindo aos curtas-metragens exibidos no festival. Cita um ou dois, mas não deixa o festival imune: são cinco filmes e 14 Kikitos, o que ele acha um abuso, solicitando à organização que sejam colocados mais filmes em competição, para valorizar o troféu.

O cineasta fala também de seus novos projetos, como a filmagem da biografia de Juscelino Kubitschek, e comenta o atual panorama do cinema brasileiro. Confira trechos da entrevista:

Folha Imagem
O cineasta Zelito Vianna
Folha Online - O que o senhor viu de melhor no festival de Gramado deste ano?
Zelito Vianna -
Festival é sempre uma coisa complicada porque há uma mistura muito grande. Na seleção dos filmes latino-americanos, eles [a organização do festival] não foram muito felizes. Não tinha muito filme bom. Por acaso, neste ano, participei de muitos festivais internacionais, e tem muito filme bom mexicano, argentino, entre outros. No caso do cinema brasileiro, eles pegaram o que foi possível e estava em disponibilidade. Foi interessante, tem filmes bons, eu vi todos os curtas e alguns são bem interessantes. O filme sobre o Bezerra da Silva ["Coruja", de Márcia Derraik e Simplício Neto, vencedor de um prêmio especial do júri de Gramado] é extraordinário. Um outro de Brasília, feito em preto e branco com uma linguagem "Pulp Fiction", é muito interessante ["Sinistro", de René Sampaio, dois Kikitos: direção de arte e roteiro]. Estes dois se destacaram mais. Fora uma atriz maravilhosa, que está na televisão [Débora Falabella, prêmio de melhor atriz pela atuação em "Françoise", de Rafael Conde].

Fica como sugestão para o festival acabar com esta discriminação de brasileiros e latinos. Brasileiro já é latino, há um erro de português grave nisso, no nome do festival. O que houve de mais interessante para o público do festival foi o ator que faz Jorge Luís Borges em "Un Amor de Borges" [Jean Pierre Noher, que ganhou um Kikito como menção especial] é uma coisa impressionante, um nível de representação do mesmo daquele ator que fez o Massimo Troisi em "O Carteiro e o Poeta" [Mario Ruoppolo, filme de 1994], com uma incorporação, uma composição extraordinária. O ator que faz o Borges é um gênio. Tomei um susto porque é um trabalho de composição no nível do "O Carteiro e o Poeta". É raro isso em cinema. É um destaque do festival.

A revelação do Bezerra da Silva ["Coruja"], que procura compositores no meio das drogas, do crime, tentando resgatar pessoas, é genial. A maneira como é feito o filme, como é contado, é muito bom.

Folha Online - É certo dizer que os curtas se sobressaíram sobre os longas?
Vianna -
Não digo que sobressaíram, alguns dos melhores momentos do festival vieram dos curtas. Os filmes do Sul têm produção bem cuidada, trabalhosa; o filme do Klotzel ["Memórias Póstumas"] tem uma linguagem criativa e moderna; o "Buffo & Spallanzani" tem uma competência profissional muito grande, uma postura técnica extraordinária; o "Urbania" tem uma tentativa de linguagem simpática e diferente; o filme do Mauro [Faria, de "Duas Vezes com Helena"] também tem uma tentativa de linguagem nova, meio telefilme, super interessante. Eles não decepcionaram, estão num nível razoável para o cinema brasileiro.

Folha Online - Isso demonstra a ótima fase do curta-metragem no país, ganhando seu espaço?
Vianna -
Eu acho que o curta-metragem no Brasil sempre foi forte. Inclusive foi um personagem da resistência. Quando o cinema brasileiro acabou, com o Collor [anos 90], foi o curta que resistiu. Ele tem uma importância muito forte. As pessoas têm um know-how muito forte para o curta no Brasil. Ele não é, erroneamente, como se pensa, um estágio para o longa ou um passo. Ele é um conto, um objeto em si. "Dorival Encarou sua Guarda" e "Ilha das Flores", do Jorge Furtado, são clássicos do cinema brasileiro. Essa distinção ela serve porque o curta é muito mais barato, mas ele o curta não deixa de ter importância.

Folha Online - O festival pode ser visto como uma vitrine para novos diretores?
Vianna -
O festival de Gramado tem um problema de vitrine porque ele precisa valorizar mais o seu prêmio. Acho errado ter cinco filmes concorrendo a 14 Kikitos. Isso bagateliza os Kikitos. Tem Kikito demais para pouco filme. Tem de ter mais filmes e menos prêmios. Daí ele começa a ter uma certa importância. Apesar de ser tradicional, importante, uma vitrine, pois é um prazer vir a Gramado, que tem uma cara de festival, o prêmio não tem a força que deveria na medida em que se vulgariza na própria quantidade. As pessoas ficam contentes porque ganham um prêmio, mas não tem muita expressão. O festival peca um pouco neste lado. O lado turístico do festival, mundano e agradável é totalmente resolvido, mas o lado cinematográfico deixa um pouquinho a desejar. Não sei bem o que fazer, não sou o organizador, mas acho que deveria ter mais filmes brasileiros, colocar os brasileiros para disputar com os estrangeiros porque daí você teria mais gente concorrendo para ator, por exemplo. Mas esta é minha opinião, eu não ganho com ela. Falei ela para o júri, mas as pessoas queriam separar mesmo.

Folha Online - O senhor sabe de algum diretor que recebeu convites aqui em Gramado, apresentando seus trabalhos e sendo vistos pela indústria cinematográfica?
Vianna -
Eu acredito que sim, um talento que seja revelado num festival. Tem muita gente interessada. A indústria do cinema está aqui. O problema é a parte especificamente cinematográfica, que não é muito valorizada. A gente tem várias festas de turistas, mas não tem encontros cinematográficos. Eu não sei quem está aqui [sábado, dia da entrega dos Kikitos], não houve um lugar em que se encontrassem as pessoas para fazer os negócios fluírem. Tem muito o lado da revista Caras, da Chiques e Famosos... o lado mundano é bem desenvolvido, mas o lado cinematográfico se perde. Mas isso é normal, de qualquer maneira estamos chegando ao 30º ano do festival, já está sedimentado. Faltam apenas detalhes. Todo mundo vem para cá, ninguém se nega a vir para Gramado, é uma marca.

Folha Online - Fora Gramado, no que o senhor está trabalhando atualmente?
Vianna -
Vou fazer um documentário para o IBGE sobre o censo brasileiro, um trabalho bastante aprofundado, com nova tecnologia da informática. Os números são impressionantes e interessantes. Ainda estou na elaboração do formato. Deve ser um produto para a televisão, em que eu vou tentar popularizar os números, passar os números para um maior número de pessoas. Estou também empenhado em fazer a vida de Juscelino [Kubitschek, presidente do Brasil de 1956 a 1960].

Folha Online - Filmar a vida de Juscelino deve ser um tanto conturbado...
Vianna -
A gente ainda não decidiu o que fazer porque são duas histórias. Existem duas possibilidades para o filme: a história do menino que, com 9 anos de idade, perdeu o pai, virou arrimo de família, trabalhando numa cidade pequena de Minas Gerais e virou presidente. Pára aí: uma história de um garoto que vira presidente da República. A outra história é a política, o que ele representou para o Brasil, se ele morreu assassinado ou não, toda a coisa da ditadura que o perseguiu. Ainda não optamos qual filme vamos fazer. Os dois num filme só não dá, pois a história é muito grande. Ainda estamos na fase de captação de recursos. Ano que vem Juscelino faria 100 anos, é seu centenário. Queremos lançar até lá. Juscelino é um personagem importante da história do Brasil, é uma pessoa que merece ser filmada.

Folha Online - O senhor prefere fazer biografias, como foi em "Vila-Lobos"?
Vianna -
Não, eu fiz o "Vila-Lobos", daí gostaram e acharam que eu devo virar um biógrafo, mas não é minha praia. Estou esperando uma história completamente diferente. Não vou dizer não para a vida de Juscelino porque ele é um grande personagem. É muito difícil fazer uma biografia, sofri muito com o Vila-Lobos. Você tem uma imensidão de coisas sobre a vida de uma pessoa, é uma responsabilidade muito grande.

Folha Online - A história diverge muito?
Vianna -
Sim, mas na história de Vila-Lobos ela divergia tanto que eu tive esta vantagem: pude fazer o que quis porque ninguém sabia ao certo qual era a história dele.

Folha Online - O cinema atual vive uma fase extremamente positiva por causa do grande número de produções. Como o senhor vê esta fase?
Vianna -
Eu tenho muito esperança na criação do Gedic [Grupo Executivo para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica]. Acho que pela primeira vez temos um grupo de pessoas do cinema reunido com ministros de Estado, pode ser que consigamos alguma coisa estrutural. O problema do cinema brasileiro é que ele vive de golfadas, de espasmos. Tivemos a Vera Cruz, a Chanchada, o Cinema Novo, a Embrafilmes... Vai e acaba... Você não consegue transformar sua atividade numa profissão. Eu digo que cada filme que a gente faz é o primeiro e o último; o primeiro porque faz um tempão que você não filma e o último porque você não sabe quando fará o próximo. Agora, a gente tem esta possibilidade concreta de criar condições estruturais para que esta atividade se transforme numa profissão.

É importante ter cinema no país. Vale a pena fazer cinema no Brasil? É um país grande, diversificado, de culturas diferentes, e o cinema preenche uma possibilidade de identidade cultural, de você se reconhecer na tela. Se é para o cinema existir, é preciso dar condições. Cinema é uma coisa cara. O Paraguai, a Bolívia, que não têm mercado interno, não podem ter cinema. Mas o Brasil é um país que quer ser uma potência, quer ser emergente, e precisa ter uma Orquestra Sinfônica, não é?

Folha Online - O senhor tem acompanhado os trabalhos do Gedic?
Vianna -
Tenho pessoas amigas que estão no projeto, o Luiz Carlos [Barreto] e o Cacá [Diegues], que são muito ligadas a mim... sei mais ou menos o que acontece. Eles estão animados. A gente tem uma oportunidade, pois são cinco ministros de Estados sentados lá. Os lobbys são fortes, os inimigos também são grandes. Para afirmar o cinema brasileiro, é o tal negócio da distribuição de renda, tem de tirar um pouco dos ricos.

Para melhorar o cinema brasileiro, é preciso tirar dinheiro de alguém, dividir este bolo, que tem a televisão de um lado e o cinema estrangeiro de outro. No mercado de home vídeo, não temos presença nenhuma; na TV a cabo também não, temos o Canal Brasil, do qual sou proprietário, que é uma exceção. Na TV, temos milhares de horas que são exibidas de produtos estrangeiros em detrimento ao produto brasileiro. Isso tem de se equilibrar para criar condições para que possa fluir a produção brasileira, para a gente não ficar na angústia de conseguir dinheiro para fazer um filme. Essas leis de audiovisual, a Rouanet, já melhoraram muito as condições, e a produção brasileira, recente, tem respondido a isso, há uma produção muito expressiva, com filmes que foram para o Oscar, para Cannes, para Berlim, outros que deram público. A parte profissional do cinema tem respondido ao dinheiro a que teve acesso.

Folha Online - Daria para fazer muitos filmes com o dinheiro do TRT...
Vianna -
Tem um ou outro filme que não foi feito. Veja o caso do Guilherme Fontes [que filmou "Chatô, o Rei do Brasil", e ainda não conseguiu finalizá-lo com as verbas obtidas com apoio do Ministério da Cultura], que foi um escândalo, mas o menino está com o filme praticamente pronto, não ficou rico nem nada, não ganhou dinheiro, não se locupretou, ao contrário, perdeu até a casa dele. Ele não teve competência profissional suficiente para completar o filme. Ele não conseguiu administrar, mas isso não é nada comparado ao "Nicolalau", que roubou mais do que o cinema brasileiro ganhou em dez anos. A gente tem um crédito muito grande.

É fácil resolver, é uma questão de vontade política porque é caro, mas não é tão caro. Eu digo sempre que o cinema é medido em centímetros de metrô. As verbas para o cinema são 12 cm de metrô, 25 cm, o que não é nada em termos de país. R$ 100 milhões não é nada para o país, mas para o cinema é uma revolução. Falamos de cifras que não são expressivas nacionalmente. O que são R$ 100 milhões em um trilhão de PIB [Produto Interno Bruto]. É algo que tem um custo-benefício altíssimo para o governo. O Brasil é conhecido no mundo pela violência urbana, pela prostituição infantil, pelos desastres ecológicos e isso é horrível para a imagem do país. Um filme como "Central do Brasil" levou o nome do país de outra maneira para o mundo inteiro. Quanto vale isso de marketing? Quanto vale o Guga para o Brasil? O que foi o Ayrton Senna? A cultura, como o esporte, é fundamental para a imagem do país. Mas ninguém percebe isso.

O que o cinema mexicano fez pelo México? Os Estados Unidos, eu digo sempre, que foi Hollywood que fez o país, que é feito de imigração, de preto com branco, com índio, com chinês. O que unifica o país? Hollywood, o cinema americano. Você não consegue convencer as autoridades, os políticos, que só querem saber do viaduto, da estrada, do prédio... Até hoje, o negativo de um filme não é considerado um bem. É um absurdo. Quanto vale "Deus e o Diabo na Terra do Sol" [Glauber Rocha, 1964]? Do ponto de vista econômico ele não vale nada. No banco, você deixa como depósito de garantia a sua casa. Minha casa está se deteriorando, não vale nada daqui a pouco. O "Terra em Transe", que eu produzi em 1966, até hoje vale dinheiro, toda hora vende para qualquer lugar. Não é mais meu porque eu dei para a família, mas os filmes que eu fiz em 1970... posso vender para a Indonésia. A música brasileira é um super produto cultural do país também não é valorizada. Era preciso pegar os cantores brasileiros e investir nestas pessoas. O país deveria vender estas pessoas para o mundo. Funciona, está provado.

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