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14/08/2001 - 04h23

Marcelo Nova, o último romântico do rock, faz 50

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S. Paulo

Parece que roqueiro brasileiro não tem mais cara de bandido. O sempre alternativo Marcelo Nova, ex-líder da banda Camisa de Vênus, faz 50 anos amanhã e recebe homenagens dignas de pop star.

Primeiro foi a caixa de três CDs "Tijolo na Vidraça", que a Som Livre, braço discográfico da Rede Globo, destinou a uma retrospectiva da história do roqueiro e de sua banda, com direito a 20 gravações inéditas de Marcelo Nova.

Agora, o Teatro Popular do Sesi abriga duas apresentações gratuitas, hoje e amanhã, de um tributo ao cinquentenário do discípulo e conterrâneo de Raul Seixas. Cantarão suas músicas nos dois dias artistas como os pioneiros do rock nacional Tony Campello e Eduardo Araújo e os pós-tropicalistas Jards Macalé e Walter Franco (leia elenco ao lado).

O evento marcará também duas reuniões históricas: a de quase toda a formação original do Camisa de Vênus (menos Robério Santana, que mora nos EUA, e Aldo Machado, que virou pastor) e a do conjunto de iê-iê-iê Os Panteras, o primeiro grupo de Raul Seixas, ainda na Bahia.

Nova entra no assunto respondendo se um roqueiro tem direito de fazer 50 anos: "O rock com o passar do tempo foi se expandindo, hoje tem seus sessentões e setentões. Todos temos que conviver com isso, por que não os roqueiros? Só Mick Jagger ainda quer mostrar que é malhado, o que, com todo o respeito devido aos Rolling Stones, é ridículo".

Depois de um disco de releituras, dois ao vivo e essa caixa retrospectiva, ele já não se filiou ao time dos roqueiros que vivem da nostalgia deles próprios?

"Fiz regravações de cunho autoral, não de "greatest hits". Os discos ao vivo foram feitos de modo tosco, quase como um interessante registro pirata. Na caixa da Som Livre, para não ficar com um logotipo de Chuck Berry, quis que as músicas viessem desde meu início até 2001 e regravei várias coisas que curto desde a adolescência, até Led Zeppelin e Doors. Mas no próximo ano pretendo lançar um CD de inéditas, porque nem eu aguento mais."

Diz que não sabe explicar o interesse da Som Livre (que, no entanto, foi a primeira gravadora do Camisa de Vênus). "Até agora me pergunto o que isso significa. Não é um empresário querendo me transformar na nova onda. A esta altura eu de nova só tenho o sobrenome", brinca.

Mas escapa de se caracterizar como artista underground, só: "Minha carreira é errática. Tenho discos de platina, de ouro e de couro, que não venderam nada. Meu caminho é mais ligado à estrada que à mídia. Não sigo tendência, não faço música para atingir meus objetivos sociais -e olhe que tenho três filhos e pago aluguel. Faço música para mim".

Nascido em Salvador, ele diz que também não faz música para sua terra natal. "É mais fácil tocar em Xanxerê, em Santa Catarina, que na minha cidade, onde os blocos e trios elétricos se solidificaram num conglomerado de poder econômico. Durante toda a década de 90, não recebi nenhum convite sequer para tocar na Bahia. Se toco com facilidade em Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, que não são cidades onde nasci, por que não em Salvador?"

É irreverente quanto ao significado de tal distância: "Do ponto de vista artístico, considero isso um elogio. Se incomodo a ponto de ser persona non grata, algum significado isso tem".

Qual significado? "Vem de antes do axé, desde o começo do Camisa. Nossa banda causou uma grande divisão na cena local. Historicamente, "Controle Total" (82) foi a primeira música de um compositor baiano que depreciou a Bahia como um paraíso tropical. Tenho uma ponta de orgulho daquele menino Marcelo que criou um enfrentamento numa cena musical que só enaltecia os pais de santo e iorubás. O primeiro livro que me marcou não foi de Jorge Amado, foi de Aldous Huxley."

Fala sobre a cidade que vê, diferente da divulgada Brasil afora: "Tinha amigos negros morando em condição subumana, sem condição de defecar, fazendo no penico e jogando pela janela. Só poderiam se expressar na Bahia num trio elétrico, enaltecendo a lagoa do Abaeté, o negro lindo como um abajur acendendo e apagando quando mandassem. É um mantra descerebrado, em que se repete "nós somos o máximo", mas a cidade do axé e do horror continua pontuando tudo isso".

E sobre essa história de Caetano Veloso, de que Raul Seixas não queria ser brasileiro, mas sim americano? "Convivi com Raul nos últimos sete anos da vida dele e nunca detectei nenhuma vontade de ser americano. Mas vontade de ser africano pode, é?", crava o fã de Jards Macalé e Tom Zé. "Tom Zé é a exceção, não a regra. É um grande artista."

E Marcelo Nova é um grande artista? "Todos os artistas que respeito, de Raul a Bob Dylan, de Plínio Marcos a Brecht, têm algo em comum: são da estirpe de artista que apontam outros caminhos. Não me vejo como um desses, de jeito nenhum. Não sou um grande cantor, nem guitarrista, mas meu texto é bom. Quando era jovem pensava que era bom em tudo. Depois fui vendo que não era bem assim. Mas nunca fiz música de encomenda, não estou à venda. Defender o mercado? Eu estou pouco ligando para o mercado. O que conta são as exceções." Falou o último romântico do rock.

TIJOLO NA VIDRAÇA
Marcelo Nova e Camisa de Vênus.
Lançamento: Som Livre Direct (vendas pelo tel. 0/xx/3457-1515). Quanto: R$ 39,90 (três CDs).



 

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