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14/09/2001 - 07h45

Análise: Fantasia nunca se atreveu a imitar o horror da realidade

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SÉRGIO RIZZO
especial para a Folha

Cecília, a personagem de Mia Farrow em "A Rosa Púrpura do Cairo" (85), tinha razão em refugiar-se nos cinemas. Em matéria de desgraça, a realidade não se cansa de superar a fantasia.

Filme nenhum previu Hiroshima e Nagasaki, a Aids, a fome na África ou a terça-feira de pânico e horror nos EUA. Perto desses flagelos, os mais imaginosos roteiristas parecem amadores sem muita criatividade.

Anunciou-se nas telas a destruição por capricho de civilizações
alienígenas, como em "Independence Day" (96), ou da natureza, como em "Armageddon" (98). Se havia a mão do homem na instauração do caos, era discreta, como a que propaga um vírus mortal em "Os 12 Macacos" (95). Atirar dois aviões contra o World Trade Center? Inverossímil, diriam.

É bem verdade que há uma linhagem de filmes sobre sequestro de aviões, a ferramenta que demonstrou assustadora eficiência nos episódios de terça-feira. A série "Aeroporto" chega a pisar nesse terreno, assim como "Passageiro 57" (92). Sobra até para o presidente dos EUA, que vira refém de terroristas russos, em "Força Aérea Um" (97). Sabe-se agora que a relativa facilidade com que os vilões da tela dominavam a situação inspirava-se nos limitados mecanismos de segurança reais.

Destruir arranha-céus era o objetivo dos malucos organizados de "Clube da Luta" (99). Os prédios que na sequência final caem como castelos de areia -como, aliás, as torres gêmeas do WTC- estão em Chicago e sediam operadoras de cartões de crédito. Nada de avião: a rapaziada usa apenas explosivos, escondidos em carros nas garagens subterrâneas -como, aliás, no primeiro atentado ao WTC, reconstituído no telefilme "Path to Paradise" (97).

Boa parte da sensação de que se assistia a um filme enquanto se via o noticiário de terça-feira deriva do fato de Nova York já ter sido destruída no cinema por toda espécie de ameaça, incluindo espectros ("Os Caça-Fantasmas"), gorila ("King Kong", que na segunda versão, de 1976, escalava o WTC no lugar do Empire State Building) e monstrengos ("Godzilla"). A primeira versão de "Planeta dos Macacos" (68) escolheu a cidade, por meio da Estátua da Liberdade, para representar a derrocada da nossa civilização. Vira e mexe, sobrava para Manhattan.

Os terroristas também lhe bagunçaram a vida. Em "Duro de Matar 3" (95), um maluco espalha bombas pela cidade. Em "Nova York Sitiada" (98), a lei marcial é decretada e o Exército vai às ruas da cidade quando terroristas começam a detonar bombas. Ninguém sonhou derrubar o WTC.

O Pentágono também já havia passado por maus bocados, mas permanecia sempre em pé. Em "A Força em Alerta" (95), terroristas árabes oferecem US$ 1 bilhão para usar um satélite capaz de atingir um reator nuclear instalado na sede da Defesa dos EUA.

Como nenhum maluco imaginou que fosse tão fácil atacar o local usando um avião comercial, seus corredores transmitem nos filmes uma segurança mística, como na trama de espionagem de "Sem Saída" (87). Se o assunto é a Defesa dos EUA, quem estava com razão talvez fosse Stanley Kubrick em "Dr. Fantástico" (64). Não, melhor não dar idéia.

Corte para o coronel Kurtz (Marlon Brando), emitindo o diagnóstico mais curto e grosso da era moderna -cortesia do romance "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad- que encerra "Apocalipse Now" (79), de Francis Coppola: "O horror, o horror". Estamos chegando lá.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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