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05/10/2001
-
03h41
FRANCESCA ANGIOLILLO
da Folha de S.Paulo, no Rio
"A senhora se casou assim?", pergunta a repórter. Do outro lado da linha, a cineasta indiana Mira Nair, 43, responde, rindo: "Não, eu sou a ovelha negra".
Nair, diretora de "Salaam Bombay" (indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 88), surpreendeu ao conquistar, com "Um Casamento à Indiana", o Leão de Ouro em Veneza.
A trama, desenvolvida pela roteirista Sabrina Dhawan, 31, a partir de argumento original criado em parceria com a diretora, entrelaça cinco histórias de amor, em diferentes idades e condições.
Temos, assim, o amor que brota a partir de uma situação, em princípio, forçada, a do casamento do título; aquele que se mantém ao longo dos anos, entre os pais da noiva; o amor à primeira vista, entre o atrapalhado organizador da festa e a reservada empregada da casa; o que ataca luxuriosamente dois adolescentes; e, por fim, uma face-tabu, que não ousaríamos chamar de amor, mas que Nair assim nomeia, ainda que "abusivo e distorcido", ao falar do filme: aquele entre tio e sobrinha, ainda criança.
Para contar uma história que valoriza os laços familiares, a diretora contou com o apoio de seus próprios parentes, que participaram ativamente da produção, rodada em apenas um mês.
A estréia do filme no Festival do Rio BR gerou uma imensa fila no calçadão em frente ao cine Odeon. Ao final da projeção, que se repete hoje, amanhã e domingo, o público aplaudiu a empreitada de Nair, que falou à Folha, por telefone, de Nova York.
Folha - A expectativa que o Ocidente tem ao ouvir falar de um filme sobre um casamento arranjado é de que ele seja crítico com relação ao costume. Em resposta a essa idéia, você nos dá uma visão alegre.
Mira Nair - Mas isso é comum na nossa sociedade! Meus dois irmãos casaram assim.
Folha - E a sra., também?
Nair - Não, não! Eu sou a ovelha negra. Mas o que você vê é o que chamamos, na Índia moderna, de "semi-arranjo". Os noivos se conhecem por meio da família, mas têm o direito de escolher se casam ou não. Antigamente, você conhecia o noivo no dia do casamento.
Folha - Em filmes anteriores, como "Kama Sutra", sobre a relação entre duas mulheres, a polêmica estava no tema. Aqui, ela pode vir da sutileza da crítica. A sra. busca causar questionamentos?
Nair - Eu não quero fazer filmes agradáveis para uma tarde de domingo. "Um Casamento à Indiana" tem aquela espécie de bem-estar porque meu povo é assim. Mas eu ainda acredito que filmes devam causar reflexão -não como propaganda; é chato ser "didático". Gosto de provocar, mas quero fazer rir e chorar.
Folha - Seu filme mostra como a família é importante na Índia e nos faz pensar se a sua própria não se parece com a da noiva.
Nair - Exatamente. Minha família inteira está no filme. Meu sobrinho é o filho mais novo, meu irmão é um golfista, minha cunhada é a irmã do noivo, minha mãe e todos dançam no casamento. Todo mundo está lá, menos eu, que estou por trás. Os móveis, as jóias, a louça, os saris, tudo é da minha família.
Folha - Se a produção é tão pessoal, que personagem se parece com a sra.? Ria, que quer ser escritora e tem dúvidas quanto às tradições, talvez?
Nair - Ela se parece mais com Sabrina, a roteirista. Ela é escritora, e sua família até hoje a pressiona para se casar. E ela também está no filme, naquela cena em que as mulheres cantam e dançam.
Folha - A Índia tem a maior produção cinematográfica do mundo, sua indústria é chamada de "Bollywood" [uma fusão entre Bombaim e Hollywood". "Um Casamento à Indiana" é "bollywoodiano"?
Nair - Não realmente. "Bollywood" é mais comercial. Eu trabalho de modo menos convencional, uso estrelas de "Bollywood", mas não seu sistema. Como cultura, porém, "Bollywood" é parte de nossa cultura. Meu filme retrata a vida normal de modo realista, então nos referimos à indústria, porque é comum as jovens imitarem estrelas de cinema para entreterem a família, como quando mostramos a moça dançando no casamento.
Folha - A sra. tem no currículo uma indicação ao Oscar e, mesmo em Veneza, já foi premiada antes ["Mississipi Masala" ganhou prêmio de roteiro e público". Qual foi a sensação de levar o Leão de Ouro desta vez?
Nair - Eu não esperava nem ser convidada para um festival, é um filme popular. Mas a estréia em Veneza foi impressionante, com o público aplaudindo de pé. Eu não esperava nada mais e veio esse prêmio inacreditável. Eu já estava até em casa e me pediram para voltar. A Índia ficou orgulhosa, e eu, muito feliz.
Mira Nair fala sobre sua obra filmada com a ajuda de parentes
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da Folha de S.Paulo, no Rio
"A senhora se casou assim?", pergunta a repórter. Do outro lado da linha, a cineasta indiana Mira Nair, 43, responde, rindo: "Não, eu sou a ovelha negra".
Nair, diretora de "Salaam Bombay" (indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 88), surpreendeu ao conquistar, com "Um Casamento à Indiana", o Leão de Ouro em Veneza.
A trama, desenvolvida pela roteirista Sabrina Dhawan, 31, a partir de argumento original criado em parceria com a diretora, entrelaça cinco histórias de amor, em diferentes idades e condições.
Temos, assim, o amor que brota a partir de uma situação, em princípio, forçada, a do casamento do título; aquele que se mantém ao longo dos anos, entre os pais da noiva; o amor à primeira vista, entre o atrapalhado organizador da festa e a reservada empregada da casa; o que ataca luxuriosamente dois adolescentes; e, por fim, uma face-tabu, que não ousaríamos chamar de amor, mas que Nair assim nomeia, ainda que "abusivo e distorcido", ao falar do filme: aquele entre tio e sobrinha, ainda criança.
Para contar uma história que valoriza os laços familiares, a diretora contou com o apoio de seus próprios parentes, que participaram ativamente da produção, rodada em apenas um mês.
A estréia do filme no Festival do Rio BR gerou uma imensa fila no calçadão em frente ao cine Odeon. Ao final da projeção, que se repete hoje, amanhã e domingo, o público aplaudiu a empreitada de Nair, que falou à Folha, por telefone, de Nova York.
Folha - A expectativa que o Ocidente tem ao ouvir falar de um filme sobre um casamento arranjado é de que ele seja crítico com relação ao costume. Em resposta a essa idéia, você nos dá uma visão alegre.
Mira Nair - Mas isso é comum na nossa sociedade! Meus dois irmãos casaram assim.
Folha - E a sra., também?
Nair - Não, não! Eu sou a ovelha negra. Mas o que você vê é o que chamamos, na Índia moderna, de "semi-arranjo". Os noivos se conhecem por meio da família, mas têm o direito de escolher se casam ou não. Antigamente, você conhecia o noivo no dia do casamento.
Folha - Em filmes anteriores, como "Kama Sutra", sobre a relação entre duas mulheres, a polêmica estava no tema. Aqui, ela pode vir da sutileza da crítica. A sra. busca causar questionamentos?
Nair - Eu não quero fazer filmes agradáveis para uma tarde de domingo. "Um Casamento à Indiana" tem aquela espécie de bem-estar porque meu povo é assim. Mas eu ainda acredito que filmes devam causar reflexão -não como propaganda; é chato ser "didático". Gosto de provocar, mas quero fazer rir e chorar.
Folha - Seu filme mostra como a família é importante na Índia e nos faz pensar se a sua própria não se parece com a da noiva.
Nair - Exatamente. Minha família inteira está no filme. Meu sobrinho é o filho mais novo, meu irmão é um golfista, minha cunhada é a irmã do noivo, minha mãe e todos dançam no casamento. Todo mundo está lá, menos eu, que estou por trás. Os móveis, as jóias, a louça, os saris, tudo é da minha família.
Folha - Se a produção é tão pessoal, que personagem se parece com a sra.? Ria, que quer ser escritora e tem dúvidas quanto às tradições, talvez?
Nair - Ela se parece mais com Sabrina, a roteirista. Ela é escritora, e sua família até hoje a pressiona para se casar. E ela também está no filme, naquela cena em que as mulheres cantam e dançam.
Folha - A Índia tem a maior produção cinematográfica do mundo, sua indústria é chamada de "Bollywood" [uma fusão entre Bombaim e Hollywood". "Um Casamento à Indiana" é "bollywoodiano"?
Nair - Não realmente. "Bollywood" é mais comercial. Eu trabalho de modo menos convencional, uso estrelas de "Bollywood", mas não seu sistema. Como cultura, porém, "Bollywood" é parte de nossa cultura. Meu filme retrata a vida normal de modo realista, então nos referimos à indústria, porque é comum as jovens imitarem estrelas de cinema para entreterem a família, como quando mostramos a moça dançando no casamento.
Folha - A sra. tem no currículo uma indicação ao Oscar e, mesmo em Veneza, já foi premiada antes ["Mississipi Masala" ganhou prêmio de roteiro e público". Qual foi a sensação de levar o Leão de Ouro desta vez?
Nair - Eu não esperava nem ser convidada para um festival, é um filme popular. Mas a estréia em Veneza foi impressionante, com o público aplaudindo de pé. Eu não esperava nada mais e veio esse prêmio inacreditável. Eu já estava até em casa e me pediram para voltar. A Índia ficou orgulhosa, e eu, muito feliz.
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