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08/10/2001 - 02h42

25ª Mostra BR de Cinema de SP abre dia 17 com documentário

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

Emir Kusturica, 46, não vive como um cigano tampouco é capaz de ler mãos. Entretanto a cultura desse povo errante tem sido a matéria-prima dos principais filmes do cineasta. Kusturica também se dedica a tentar adivinhar o futuro, mas, em vez de procurá-lo nas linhas da palma da mão, ele o faz por meio do cinema e da música. "O rock cigano está no futuro da arte, ele mistura culturas e é politicamente agressivo", diz.

E é justamente um documentário sobre sua banda de "rock cigano", a No Smoking Orchestra, que Kusturica vem mostrar ao Brasil durante a 25ª Mostra BR de Cinema de São Paulo, que acontece de 17 de outubro a 1º de novembro. Além da exibição de "Memórias em Super-8", o evento também promoverá uma retrospectiva dos filmes do cineasta -com "As Noivas Estão Chegando", "Bar Titânico", "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" e "Você se Lembra de Dolly Bell?".

Com a No Smoking Orchestra (ou Zabranjeno Pusenje, em servo-croata), Kusturica fará dois shows gratuitos em São Paulo, no DirecTV Music Hall, nos próximos dias 17 (para convidados) e 18 (com retirada antecipada de ingressos). No repertório, estarão músicas dos últimos discos do grupo.

Nascido em Sarajevo, Kusturica defendeu durante muito tempo que a Iugoslávia permanecesse unida, como uma nação multiétnica, tendo Belgrado como capital. Sua opinião contrária à fragmentação que ocorreu nos Bálcãs durante os anos 90 causou polêmica, e Kusturica ainda hoje recebe críticas na Bósnia.

O diretor de "Underground" (1995) também já atuou como ator, em "A Viúva de Saint-Pierre" (2000), e no momento finaliza seu mais novo filme, "The Nose".

Leia a seguir trechos da entrevista que o diretor, vencedor por duas vezes da Palma de Ouro em Cannes e baixista da No Smoking Orchestra, concedeu à Folha, por telefone, de Paris.

Folha - "Memórias em Super-8" é um documentário, mas tem o mesmo tipo de humor, de exagero, que seus outros filmes. A idéia era mesmo não fugir do estilo habitual?
Emir Kusturica -
Esse foi o primeiro filme que fiz sem saber o que estava fazendo. Enquanto viajava com a banda, comecei a gravar cenas do percurso, depoimentos, brincadeiras. Mas era para recordar depois, estava fazendo um arquivo para a minha lembrança. Então o material começou a crescer. Logo eu estava diante de mais de 70 horas de gravação. Quando as pessoas viam trechos, gostavam. Passaram então a pedir que eu transformasse num filme. Resolvi fazê-lo.

Folha - No Ocidente, estamos acostumados a ter uma imagem glamourosa dos ciganos, tributária da literatura e do cinema. Sabemos, entretanto, que eles não vivem em boas condições sociais e econômicas, principalmente nos Bálcãs. O que pensa disso?
Kusturica -
Ainda hoje acredito que o melhor lugar do mundo para os ciganos viverem é nos Bálcãs. Lá eles são livres e podem manifestar-se culturalmente à vontade, viajar, compor, fazer festas, tocar em eventos públicos. Enfim, são respeitados. Os ciganos são as primeiras criaturas globalizadas do planeta. Muito antes da internet e da crescente integração do mundo pelos meios de comunicação, os ciganos já haviam derrubado fronteiras culturais e geográficas. Eles nunca tiveram soldados, jamais armaram um exército para defender uma ou outra bandeira, nunca guerrearam...

Folha - Poderia falar um pouco sobre o filme em que está trabalhando agora?
Kusturica -
Sim. Chama-se "The Nose" e é uma história de amor entre pessoas de diferentes etnias e origens durante a guerra da Bósnia. Será lançado no ano que vem.

Folha - Você costumava dizer no passado que preferia a Iugoslávia unida, com seu perfil étnico e cultural variado, mas sob uma mesma bandeira. Agora que a fragmentação é uma realidade, acha que as coisas melhoraram ou pioraram?
Kusturica -
Acho que as coisas não vão nada bem. Não defendo hoje que a Iugoslávia volte a se unir, pois a história já está feita. Mas acho que a fragmentação criou novos motivos para que haja conflito. Hoje se travam batalhas em nome de uma democracia que insufla os nacionalismos na região. Não sei o que pode acontecer. Mas a história é sempre paradoxal.

Folha - Quando a No Smoking Orchestra surgiu, nos anos 80, você ainda não fazia parte dela. Como entrou em contato com a música?
Kusturica -
Desde muito jovem sou contestador e agressivo quando se trata de política. A música e o cinema surgiram da minha vontade de ir contra a autoridade, da necessidade de enfrentá-la. A No Smoking Orchestra fazia isso antes de eu entrar para a banda, por isso me interessei por eles.

Folha - E de que maneira é possível "enfrentar a autoridade", como você diz, de maneira mais eficiente? Com cinema ou música?
Kusturica -
Não se muda o mundo nem com um nem com outro, mas acredito que seja possível alterar o ambiente em que as pessoas vivem, chamar à reflexão e despertar a consciência por meio de ambos.
 

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