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17/10/2001
-
11h23
XICO SÁ
da Folha de S.Paulo
Ora, ser um contador de histórias não é pouca coisa. Mas há uma cisma danada sobre quem se atreve no ramo, negócio de risco, longe de qualquer contrato fácil com as marmotas do vanguardismo, macaquices de ocasião e sacolões de vaidades em geral.
Fora da panelinha de metidos, um paulista de Amparo, Marçal Aquino, 42, consolida, com o seu "Faroestes", quarto ajuntamento de contos, a vingança da narrativa simples, livre da milanesa "adjetivosa" e de tentações outras que muitas vezes põem em desgraça a prosa da gente da dita geração 90.
Repare na epígrafe do novo livro, que será lançado hoje: "Cave um buraco perto de um inimigo" (Jerome Rothenberg, em "Eventos do Cachorro Louco").
Marçal Aquino escreve como quem abre essa cova, sete palmos de terra e um caixão, cidade de pés juntos.
Junta, em narrativas curtas, criaturas que agem com a facilidade besta de quem conta algo no boteco ou na calçada.
E o bicho consegue a dupla violência em "Faroestes", 13 contos marcados por vinhetas de páginas pretas, luxo, quase cortinas de matinês preparadas pela edição da Ciência do Acidente.
E não parece nada fácil escrever simples. Marçal, rapaz que já gastou o latim no mimeógrafo da poesia do final dos 70, nos cortes nada civilizados de redações de jornal e nos roteiros do cinema de então ("Matadores"), persegue o tamanho exato do mundo.
Erra, todavia persegue o terreno mais enxuto; quer secar a baba desnecessária de todas as prosas. A tentação seria dizer que os seus contos à queima-roupa têm jeitão de Hemingway e cheiro do noir mais americano.
O escritor tem uma norma, elogio da realidade suprema, sua obsessão: como a vida não é só sexo, os contos não podem ser 100% perversão; como a vida não é tão-somente corrupção moral, as maltraçadas não carecem seguir a mesma ladainha até o fim.
A bala do quarto pente de contos de Marçal Aquino -autor de "As Fomes de Setembro" (1991), "Miss Danúbio" (94) e "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos" (99)- tanto fura o couro como prefere deixar os rombos elípticos, peneira d'alma.
É o caso do curto e bom "Trincheiras", conto que abre o novo livro, com dores paridas e lançadas ao estrume das horas. Personagens não dizem, entregam a Deus marmitas sobre mesas pesadas de madeira, silêncio, tábua rasa de fim das eras.
"Você começa a cultivar o péssimo hábito de assobiar dentro de casa. O traficante que manda no pedaço odeia assobios." Eis a etiqueta real da guerra que introduz a segunda parte de "Dez Maneiras Infalíveis de Arranjar um Inimigo (Para Facilitar o Trabalho do Legista)", história exemplar.
Nas dez maneiras nada elegantes de arrumar encrenca, Marçal acaba por resumir uma espécie de "manual da porrada", paulocoelhismo às avessas, fome de viver, mesmo à sombra.
O vácuo, a zona cinzenta, é o local no qual se exibe a maioria dos personagens de "Faroestes", buraco dos perdedores, toca dos deserdados, onde não há analgésico para as dores do mundo, portanto existe a prosa possível para as chagas todas.
O quê: "Faroestes"
Autor: Marçal Aquino
Editora: Ciência do Acidente (terron@uol.com.br)
Quanto: R$ 18 (109 págs.)
Lançamento: hoje, a partir das 20h, no Bardaló (al. Jaú, 540, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 3253-4741)
Livro "Faroestes" mostra vida simples com narrativa enxuta
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da Folha de S.Paulo
Ora, ser um contador de histórias não é pouca coisa. Mas há uma cisma danada sobre quem se atreve no ramo, negócio de risco, longe de qualquer contrato fácil com as marmotas do vanguardismo, macaquices de ocasião e sacolões de vaidades em geral.
Fora da panelinha de metidos, um paulista de Amparo, Marçal Aquino, 42, consolida, com o seu "Faroestes", quarto ajuntamento de contos, a vingança da narrativa simples, livre da milanesa "adjetivosa" e de tentações outras que muitas vezes põem em desgraça a prosa da gente da dita geração 90.
Repare na epígrafe do novo livro, que será lançado hoje: "Cave um buraco perto de um inimigo" (Jerome Rothenberg, em "Eventos do Cachorro Louco").
Marçal Aquino escreve como quem abre essa cova, sete palmos de terra e um caixão, cidade de pés juntos.
Junta, em narrativas curtas, criaturas que agem com a facilidade besta de quem conta algo no boteco ou na calçada.
E o bicho consegue a dupla violência em "Faroestes", 13 contos marcados por vinhetas de páginas pretas, luxo, quase cortinas de matinês preparadas pela edição da Ciência do Acidente.
E não parece nada fácil escrever simples. Marçal, rapaz que já gastou o latim no mimeógrafo da poesia do final dos 70, nos cortes nada civilizados de redações de jornal e nos roteiros do cinema de então ("Matadores"), persegue o tamanho exato do mundo.
Erra, todavia persegue o terreno mais enxuto; quer secar a baba desnecessária de todas as prosas. A tentação seria dizer que os seus contos à queima-roupa têm jeitão de Hemingway e cheiro do noir mais americano.
O escritor tem uma norma, elogio da realidade suprema, sua obsessão: como a vida não é só sexo, os contos não podem ser 100% perversão; como a vida não é tão-somente corrupção moral, as maltraçadas não carecem seguir a mesma ladainha até o fim.
A bala do quarto pente de contos de Marçal Aquino -autor de "As Fomes de Setembro" (1991), "Miss Danúbio" (94) e "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos" (99)- tanto fura o couro como prefere deixar os rombos elípticos, peneira d'alma.
É o caso do curto e bom "Trincheiras", conto que abre o novo livro, com dores paridas e lançadas ao estrume das horas. Personagens não dizem, entregam a Deus marmitas sobre mesas pesadas de madeira, silêncio, tábua rasa de fim das eras.
"Você começa a cultivar o péssimo hábito de assobiar dentro de casa. O traficante que manda no pedaço odeia assobios." Eis a etiqueta real da guerra que introduz a segunda parte de "Dez Maneiras Infalíveis de Arranjar um Inimigo (Para Facilitar o Trabalho do Legista)", história exemplar.
Nas dez maneiras nada elegantes de arrumar encrenca, Marçal acaba por resumir uma espécie de "manual da porrada", paulocoelhismo às avessas, fome de viver, mesmo à sombra.
O vácuo, a zona cinzenta, é o local no qual se exibe a maioria dos personagens de "Faroestes", buraco dos perdedores, toca dos deserdados, onde não há analgésico para as dores do mundo, portanto existe a prosa possível para as chagas todas.
O quê: "Faroestes"
Autor: Marçal Aquino
Editora: Ciência do Acidente (terron@uol.com.br)
Quanto: R$ 18 (109 págs.)
Lançamento: hoje, a partir das 20h, no Bardaló (al. Jaú, 540, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 3253-4741)
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