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29/10/2001 - 12h41

Diretor de "O Caminho para Candahar", é tomado por "fúria cívica"

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AMIR LABAKI
da Folha de S.Paulo

O cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf, 44, está tomado por fúria cívica. Para ele, o presidente dos EUA, George W. Bush, e o terrorista saudita Osama bin Laden defendem "a mesma filosofia".

Makhmalbaf acha que a política (e não a guerra) seria a saída para a tragédia afegã. Ele falou à Folha, por telefone, de Paris. As palavras o atropelavam, mal esperando pelas perguntas. Cinema parecia sua menor preocupação. Mas o cineasta prepara novo filme, também sobre o drama afegão.

É um projeto complementar ao seu "O Caminho para Candahar", que será exibido hoje na 25ª Mostra BR de Cinema de São Paulo. Rodado na fronteira do Irã com o Afeganistão, acompanha a viagem de volta de uma jornalista afegã radicada no Canadá.

Nafas (Niloufar Pazira) move-se no contrafluxo da onda de refugiados que fogem da repressão obscurantista do Taleban. Assiste a uma chuva de próteses de pernas, solução improvisada para o drama das minas explosivas espalhadas pelo país, e cruza com mares de burgas, a vestimenta obrigatória das oprimidas mulheres. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - O sr. apóia a ofensiva militar americana no Afeganistão?
Mohsen Makhmalbaf -
Absolutamente não. Se os EUA querem mudar o Afeganistão, podem parar o ataque. Os ataques não são o caminho certo. O mundo precisa de não-violência. Precisamos de Gandhi, não de Bush. A filosofia de Bush é a mesma de Bin Laden. Bin Laden disse: "Se você não está conosco, está contra nós". Bush disse a outros países: "Se vocês não estão conosco, estão contra nós". Não estou com Bush, mas não estou contra o povo americano. Em Nova York houve uma tragédia para meu coração. Chorei. Mas chorei mais pelos refugiados afegãos. Nos últimos 20 anos, a cada cinco minutos morre um afegão, de fome ou na guerra. Um desastre, uma tragédia.

Folha - O sr. se inspirou num personagem real para criar o médico negro americano do filme?
Makhmalbaf -
No Afeganistão há gente do mundo todo. Encontrei lá o verdadeiro médico negro americano que inspirou o personagem do filme. Ele foi para o Irã atraído pela revolução islâmica. Depois acabou indo para o Afeganistão. Lá, diz ter mudado muito. Concordamos sobre a importância da questão econômica: o Afeganistão nada tem para vender ao mundo. Espero que os EUA atuem como o médico negro de meu filme: descubram a tragédia afegã, a pobreza extrema de seu povo, e decidam concretamente ajudar. O Afeganistão não é Bin Laden. Temos de ajudá-los.


Folha - O que a coalizão antiterror deveria fazer?
Makhmalbaf -
Os EUA podem mudar tudo com política. O Taleban não é nada sem o Paquistão. O Paquistão fez o Taleban. Talvez ocorram agora algumas mudanças; um outro guru que pode ser um pouco mais moderno que o Taleban, mas a fome prosseguirá. Assim não se está ajudando o povo. Isso é reação, não ação.

Folha - Qual a posição iraniana depois da represália dos EUA?
Makhmalbaf -
Não há apoio para os ataques americanos. Antes de 11 de setembro, a TV iraniana dizia que os afegãos eram perigosos e que deviam ser expulsos. Depois, tudo mudou, passaram a apoiar os refugiados e são contra os ataques americanos.

Folha - Como foram as filmagens de "O Caminho para Candahar"?
Makhmalbaf -
Estive dentro do Afeganistão para pesquisar tudo, em sigilo. Não há permissão do regime Taleban para jornalistas filmarem lá. Mas há uma fronteira de 800 quilômetros entre meu país e o Afeganistão. Refugiados afegãos vão e vêm. Fiz o filme com os refugiados exatamente nesse lado da fronteira, a um, dois quilômetros do Afeganistão.

Folha - O que viu no Afeganistão?
Makhmalbaf -
Se você é afegão e acorda de manhã, tem apenas três coisas a fazer. Primeiro, tornar-se refugiado. Sete milhões o fizeram nos últimos 20 anos -isso é 30% da população. A segunda é entrar no negócio da droga, que dá para empregar poucas pessoas, não todos os 20 milhões de habitantes. A terceira coisa é ir lutar, ser militar. Como integrar o Afeganistão na economia mundial se ele não tem nada para vender? O Irã pode vender petróleo e comprar tudo que precisa. O povo afegão está sem nada; sem rodovias e ferrovias, sem indústria, televisão, teatro, cinema. Não há uma imagem para a mulher. O homem não vê a mulher, a mulher não vê o homem. Não há educação. Como ser um país moderno sem educação?

Folha - Como foi a recepção a seu filme no Irã?
Makhmalbaf -
Quando eu filmava, o poder iraniano não queria o filme, porque eles iriam colocar os refugiados para fora. Disseram que o filme despertaria simpatia pelos 500 mil refugiados afegãos. O assunto foi para o Parlamento. Fiquei quieto para finalizá-lo; entendi que ninguém sabia da tragédia no Afeganistão. Quando o terminei, simultaneamente ao lançamento em Cannes, deram-me duas salas no Irã. O público iraniano teve uma boa reação.

Folha - O sr. prepara um documentário sobre os recentes acontecimentos no Afeganistão?
Makhmalbaf -
Sim, espero poder fazê-lo. Poderá ser um documentário ou uma ficção, lidando com a questão dos refugiados afegãos no Irã. Tudo depende da permissão do governo iraniano.

Leia notícias e programe-se para a 25ª Mostra Internacional de Cinema
 

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