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31/10/2001 - 06h24

Coletânea abarca livros e cordéis de Patativa do Assaré

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XICO SÁ
da Folha de S.Paulo

Aos 92 anos, o poeta Antonio Gonçalves da Silva, Patativa do Assaré, ganha a primeira antologia dos seus versos.

É o ajuntamento possível e necessário de uma obra consagrada no Nordeste e na São Paulo com dicção nordestina mais pelo dito do que pelo escrito.
Por ser uma poesia mais falada, e de um poeta andarilho, muita coisa se perdeu no vento. Faz parte da economia poética de repentistas e rappers que vivem dessa feira de livre estilo.

"Antologia Poética - Patativa do Assaré", organizado por Gilmar de Carvalho, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, guarda o lirismo do sertão rachado e o uivo de muitas secas. Reúne versos de 1956, data de "Inspiração Nordestina", até a produção do ano passado, com o título "Balceiro 2".

A coletânea, lançada ontem em Fortaleza, abarca os sete livros do poeta e cinco dos seus cordéis mais famosos.

Como a maioria dos seus livros saiu, em pequenas tiragens, das prensas regionais, o feito das Edições Demócrito Rocha, uma fundação ligada ao jornal "O Povo", do Ceará, ganha ainda mais importância.

Adotado por estudiosos da dita cultura popular -termo que só serve, no caso, para tentar deixá-lo na condição (vide o embate drummondiano) de poeta municipal-, Patativa escapou, ao contrário de tantos trovadores nordestinos do mesmo naipe, do esquecimento e anonimato.

Hoje, quando avista apenas vultos com o olho esquerdo do seu mundo semi-árido -perdeu o olho direito aos quatro anos de idade, acidente de roça- o cearense ilustre do Assaré, 585 km de Fortaleza, é tão lembrado na sua região que corre até o risco de morrer de tanta homenagem.

Tal risco de vida foi definido pelo pernambucano João Cabral de Mello Neto. Ele dizia que Manuel Bandeira morreu de tanto ser festejado, quando voltou ao Recife depois de muito tempo.

Por essa razão, João Cabral temia o retorno aos ares do seu Capibaribe.
"É um me chama para cá, me leva para lá, diploma, festejo, uma louvação danada", tem reclamado o poeta, que já é doutor honoris causa de universidades da região e disputou -não por seu gosto- o título de cearense do século com o Padre Cícero.

Venceu o "santo" de Juazeiro, mas Patativa -apelido que herdou de um pássaro bom de canto e algazarra- ampliou, também sem o seu gosto, a sua condição de ídolo no seu próprio terreiro.

Poeta do rádio
Patativa do Assaré é um sucesso nas emissoras de rádio do Cariri. Desde os anos 50, é "tocado" em Juazeiro e no Crato como um atrativo de audiência.

Tem uma manha especial de dizer poemas, traço da oralidade nordestina, com acentos de dor e ironia que fazem muitos sertanejos colarem o radinho no ouvido, como quem acompanha uma tragédia futebolística.

O pigarro, fuma desde os 10 anos de idade, também é marca da sua oratória.

Como anota o professor Gilmar Carvalho no prefácio da antologia, é uma obra para ser dita ou cantada em voz alta.

Ouvinte da rádio Araripe do Crato, que costumava acordar seus ouvintes com poemas de Patativa, Luiz Gonzaga gravou um clássico do poeta do Assaré: "A Triste Partida", hino arrastado, como a viagem em caminhão pau-de-arara, que narra a história de uma família de migrantes.

"Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo/ Nós vamo a Sã Palo/ Vivê ou morrê", alardeia a prosódia matuta. A chegada às margens do Tietê é descrita assim pelo estrangeiro retirante cantado por Gonzaga: "Só vê cara estranha, da mais feia gente,/ Tudo é diferente/ Do caro torrão".

O poeta conta uma passagem curiosa sobre esta canção, gravada, pela primeira vez, em 64. Luiz Gonzaga marcou um encontro com Patativa, na feira do Crato, cidade vizinha de Exu (PE), terra do rei do baião, para tratar da possibilidade de cantar "A Triste Partida" em disco.

Ao avistar o caboclo de Assaré, Gonzaga, já famoso, fez uma proposta indecente, mas comum, entre os intérpretes e compositores na época: quis comprar a música, que passaria a assinar como sua. O poeta recusou uma boa oferta em dinheiro -não se lembra da quantia- e a canção foi gravada com o crédito devido.

Para quem deseja conhecer mais sobre a história do autor, um bom guia é o livro "O Poeta do Povo - Vida e Obra de Patativa do Assaré" (editora Hucitec), do pesquisador Assis Ângelo. O volume tem um apanhado fotográfico luxuoso de Gal Oppido.

Um registro em disco importante, leitura de versos pelo próprio sertanejo, foi feito há quatro anos em Fortaleza, "Patativa do Assaré, 88 anos de Poesia", patrocinado pelo governo cearense, em edição já esgotada.

Aviso à praça: depois da primeira antologia, o poeta -mais dito do que escrito- merece uma boa coletânea fonográfica da sua prosódia. Quem se habilita?


PATATIVA DO ASSARÉ - ANTOLOGIA POÉTICA
De: Patativa do Assaré
Organização: Gilmar de Carvalho
Edições Demócrito Rocha (av. Aguanambi, 282, Fortaleza, tel. 0/xx/85/255 6270, www.fdr.com.br). 324 págs. R$ 18
 

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