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03/11/2001 - 03h45

Companhia das Letras relança cinco títulos de V.S. Naipaul

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MARCELO PEN
free-lance para a Folha

No dia 11 de outubro, o escritor inglês nascido em Trinidad e Tobago V.S. Naipaul ficou US$ 1 milhão mais rico. Como se sabe, essa é a recompensa financeira do Prêmio Nobel de Literatura, que Naipaul conquistou, batendo outros fortes concorrentes como J.M. Coetzee, Norman Mailer e Joyce Carol Oates.

A premiação animou a editora Companhia das Letras a relançar cinco títulos da extensa obra do escritor: "Uma Casa para o Sr. Biswas", "Os Mímicos", "O Enigma da Chegada", "Entre os Fiéis" e "Além da Fé".

Segundo a Academia sueca, Naipaul ganhou o laurel literário mais cobiçado do planeta "por ter unido narrativa perspicaz a um escrutínio incorruptível, em obras que nos estimulam a ver a presença de histórias latentes". A frase está lá para justificar a escolha. Deve ter algum sentido em sueco, mas, para nós, parece apenas um bom exemplo de como falar algo sem dizer coisa nenhuma.

Adiante, porém, os acadêmicos recobram a lucidez. Comparam Naipaul a Conrad por sua análise moral dos "destinos do império". Observam que, no primeiro, os elementos ficcionais, autobiográficos e documentários se misturam, sendo às vezes difícil determinar qual predomina. Sobretudo o definem como um "circunavegador literário, apenas à vontade em si mesmo".

Uma das maneiras de ver Naipaul é compará-lo a um navegante. Ou explicá-lo como um escritor em perpétuo exílio. Pouco antes de completar 18 anos, esse descendente de emigrantes indianos do norte da Índia, deixou sua terra natal, nas Pequenas Antilhas. Foi a Oxford, na
Inglaterra, "com o propósito de finalmente começar a escrever". Não voltou mais.

A essa viagem de formação seguiram-se outras, à Índia de seus ancestrais, aos EUA, à África, excursões exploradas em sua literatura. Esses diferentes percursos são tematizados de formas diversas nos livros reeditados pela Companhia das Letras.

Em "Uma Casa para o Sr. Biswas", obra-prima de 1961, Naipaul investiga as origens, escrevendo sobre a Trinidad antiga. O Sr. Biswas é "um homem semelhante" ao pai do autor.

Em "Os Mímicos", lançado seis anos depois, temos um ex-ministro de uma ilha caribenha exilado em Londres. Sua primeira residência é uma pensão em High Street Kensington, no centro da capital britânica. Aos poucos, porém, ele se desloca: "Eu me mudava de um quarto a outro, de bairro a bairro, afastando-me cada vez mais do coração da cidade".

Com "O Enigma da Chegada", a viagem se completa. Em vez de um político, há um escritor consagrado, já entrado em anos: o próprio Naipaul. O romance, cujo título é tirado de uma tela do pintor metafísico Giorgio de Chirico, trata, segundo Naipaul, de "algo pessoal; minha jornada".

Essa jornada literária segue, como vimos, um itinerário definido: da ilha colonial à capital do império, dos subúrbios londrinos ao interior da Inglaterra. Sua casa agora fica perto das ruínas tumulares de Stonehenge. Apesar de ter absorvido daquela região "uma parte maior" de sua vida "do que a rua tropical" onde se criou, ainda se julga em "terra alheia".

É interessante perceber como o percurso formou-se na mente do autor. A catedral de Salisbury lembra-lhe um quadro de John Constable, reproduzido em seu livro escolar de Trinidad. Outro personagem parece saído de um poema de Wordsworth. As comparações literárias e pictórias continuam: Shakespeare, Thomas Hardy, Rowland Hilder.

Se o olhar que Naipaul deita à Inglaterra está prenhe de um desejo de ver concretizados os modelos que a arte civilizadora lhe proporcionou, o resultado está longe da perfeição. A familiaridade com a tela não o leva para dentro dela. Depois, o molde caducou. A Inglaterra construída pelos autores do passado esfacelou-se. O retrato é o da desolação.

Não menos desencantado é o tom que emprega para pintar a "incursão
islâmica" de "Entre os Fiéis". A viagem foi motivada pela revolução iraniana que depôs o xá Reza Pahlevi em 1979. Estendeu-a ao Paquistão, à Malásia e à Indonésia. Quase 20 anos depois, voltou aos países e fez "Além da Fé".

Sua descrição do islã como uma força imperialista que combate não só "o capitalismo ocidental, mas também as tradições espirituais das regiões" onde aporta despertou protestos. O que Naipaul teme, porém, é a possibilidade de o islã "apagar o passado".

Naipaul sabe do que fala. Afinal, trata-se de um escritor cuja memória ancestral também foi lentamente obliterada pelas leis do conquistador, a ponto de impeli-lo para uma peregrinação até certo ponto frustrada. Por isso, várias vezes, ele repete: "O que os fundamentalistas oferecem, no lugar daquilo que destroem?".

Aí está a diferença, para o autor, entre o imperialismo ocidental e o imposto pelo fundamentalismo islâmico. Ambos são beligerantes e devastadores, mas, enquanto o primeiro lhe oferece Shakespeare, o segundo só lhe dá Allah.
 

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