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07/11/2001 - 05h16

Guitarra lendária de Lanny Gordin volta em CD

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CARLOS CALADO
especial para a Folha

A maior lenda da guitarra no Brasil ressurge com mais um episódio incomum. Depois de viver quase três décadas no ostracismo, Lanny Gordin grava seu primeiro álbum como solista. O CD chega ao mercado no início de dezembro, em lançamento do selo paulista Baratos Afins.

Trata-se do esperado retorno do músico que deixou sua marca
originalíssima nos discos tropicalistas de Gal Costa, Jards Macalé, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Também influenciou guitarristas conceituados, como Pepeu Gomes (Novos Baianos) e Sérgio Dias (Mutantes), entre outros.

"Essa demora em gravar o primeiro CD faz parte do meu ritmo", diz Lanny, que vai completar 50 anos no próximo dia 28. "Sofri muito e não quero passar de novo tudo que enfrentei, mas não me arrependo de nada. Tudo isso fez parte do meu destino", afirma, avaliando seu longo afastamento do mercado fonográfico.

No início dos anos 70, ele já era a grande sensação da guitarra no país. Escolhido pelo maestro tropicalista Rogério Duprat para gravar a maioria de seus arranjos e experimentações de estúdio, Lanny também era disputado por astros da MPB e do pop nacional -de Elis Regina a Erasmo Carlos, numa lista que ainda passa pelo soulman Tim Maia.

Descendente de russos e poloneses, Alexander Gordin nasceu em Xangai, na China. Desembarcou com a família no Brasil, em 1958. Autodidata, aos 16 anos já chamava a atenção tocando sua guitarra na boate do pai, a lendária Stardust (na praça Roosevelt, centro de São Paulo), ao lado de músicos mais experientes, como Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte, cujas dicas o ajudaram a evoluir rapidamente.

Suas influências iniciais eram ecléticas: guitarristas de jazz, música erudita, Jimi Hendrix, Beatles e o "power trio" Cream.

O brilho de seus improvisos foi, no entanto, tão intenso quanto meteórico. Lanny não teve estrutura psicológica para enfrentar as transgressões daquela época. Em 1972, pouco depois de acompanhar o cantor Jair Rodrigues e o grupo Originais do Samba em apresentações na França, começou a sucumbir em sua primeira experiência com LSD, o ácido lisérgico.

"Eu já fumava maconha, cheirava cocaína e bebia. Em Londres, tomei o primeiro ácido e conheci um nirvana artificial. Quando a "viagem" passou, eu só queria voltar para aquele mundo. Tomei outros seis ácidos, já aqui em São Paulo. No sétimo, tive uma "bad trip" horrível. Aí comecei a ficar pirado. Não sabia mais o que estava acontecendo", relata.

Assim começou o pesadelo esquizofrênico de Lanny, torturado por longos períodos de depressão e internações em sanatórios, onde sofreu tratamentos à base de eletrochoque. Chegou a dormir nas ruas. E, segundo uma antiga lenda, teria mesmo ateado fogo à própria mão, no auge do delírio.

"Isso é sensacionalismo. Na verdade, só queimei a palma da mão com pontas de cigarro, algumas vezes. Era um sacrifício. Naquela época eu achava que era Jesus Cristo", esclarece, com franqueza. "Passei por situações que me fizeram ver as coisas de modo diferente. Hoje só fumo cigarro. Se cheirar cocaína ou fumar maconha, vou direto para o hospício."

Contando atualmente com acompanhamento psiquiátrico e medicação apropriada, Lanny demonstra tranquilidade frente à doença mental que o afastou da cena artística por tanto tempo. "Minha esquizofrenia está sendo tratada. Ainda bem que o grau é pequeno e que eu posso lidar com ela. É apenas um estado de espírito que eu posso controlar. Ainda estou aprendendo a ser independente, a saber viver", diz o guitarrista.

Show em bares
A primeira tentativa de um retorno musical aconteceu só em 1982, quando Lanny tocou ao lado de Arnaldo Antunes na Banda Performática, liderada então pelo artista plástico Aguilar.

Outra década de isolamento se passou até 1995, quando o guitarrista voltou a fazer gravações esporádicas, em discos da cantora Vange Milliet e dos compositores Chico César, Jards Macalé e Itamar Assumpção.

Hoje, para sobreviver, Lanny Gordin toca em bares de São Paulo e dá aulas, ocasionalmente. Com o guitarrista Guilherme Held e o percussionista Zé Aurélio, compõe o Projeto Alfa, trio que toca standards do jazz e composições próprias, às sextas-feiras, no bar Rosen Beef (r. Medeiros de Albuquerque, 325, Vila Madalena). É com esse mesmo grupo que Lanny pretende fazer os shows de lançamento de seu disco, em dezembro.

"Eu sempre quis gravar um disco meu. Mas estava sozinho e ninguém realizava meu desejo. Hoje entendo que sou eu mesmo que vou realizar esse sonho", diz o guitarrista, revelando um entusiasmo que não exibia há muito tempo. "O pior já passou. Estou em paz e sei que a vida continua. Ainda pretendo gravar pelo menos uns dez ou 15 CDs."


  • Carlos Calado é crítico musical, autor dos livros "Tropicália - A História de uma Revolução Musical" e "A Divina Comédia dos Mutantes", entre outros
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