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09/11/2001
-
20h07
PAULO MOTA
da Agência Folha
Após uma temporada em Paris e Berlim, a pernambucana Lia de Itamaracá apresenta-se neste sábado, dia 10, na choperia do Sesc Pompéia. Mas quem é essa negra?, indaga a própria Lia, com sotaque cadenciado, em uma de suas cirandas, escandindo os sons das palavras como em uma brincadeira de roda -marca registrada de seu canto.
Se a Bahia deu régua e compasso a seus artistas, a ilha de Itamaracá (PE), onde Lia nasceu há 57 anos, grudou ao seu nome como fonte de imagerias. Lá tem mar, maracá, maracatu, iemanjá, coco, ciranda e frevo -matizes rítmicas do show de sábado.
Com um pé nos palcos e o outro literalmente na cozinha, Lia conciliou a vida artística com a de merendeira em uma escola pública de Itamaracá. Estreou em 1977 com o LP "A Rainha da Ciranda", que obteve repercussão desnutrida. Refugiada na ilha, vem ressurgindo aos poucos desde 1998, quando obteve consagração espontânea no Abril pro-Rock, em Recife, em associação livre com os modernos do movimento mangue beat.
No ano passado, gravou o CD "Eu sou Lia", recheado de clássicos pernambucanos como Capiba, Baracho e Nelson Ferreira. A prenda virou coqueluche entre os mundializados de Paris -gente como o cantor Mano Chao. Amparada pelas versões sampleadas dos DJs parisienses, Lia fez bonito em sua passagem pela cidade.
"Foi surpreendente. Fiquei com a impressão de que eles me conheciam de longa data."
Econômica nas palavras, Lia diz que o show deste sábado será um ensaio para o CD "Ciranda de Ritmos", a ser gravado em janeiro. "Vamos fazer uma brincadeira com muita dança. A minha música tem o sabor de minhas raízes, de minhas merendas. Todo mundo gosta e pede bis."
Os comensais que provaram desse tempero fizeram iguarias de valor: quem dançou e gritou o canto nagô de Chico Science vai se sentir familiarizado com a batida das loas de maracatu puxadas por Lia. Vê-se aí o sal da terra dos outros sons de Naná Vasconcelos.
Uma choperia talvez não seja o local mais indicado para expor a elegância e tom solene que a presença da figura de Lia exige. Ela faz parte daquela corte ébano de orixás dionisíacos na qual se inserem dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e Virgínia Rodrigues.
No domingo passado, uma voz imperial -"Eu sou Lia da Beira do Mar/ morena queimada do sal e do sol/ da ilha de Itamaracá"- foi quem primeiro entrou no palco do Itaú Cultural, em plena avenida Paulista, provocando o silêncio respeitoso da platéia.
Depois, quando a banda de surdos e trombones já fazia corte, apareceu a imagem de uma mulher exuberante, faceira, nos fazendo súditos ancestrais de monarcas africanos. Era Lia, que em gesto antimoderno fez o rito de passagem para o culto dos deuses que dançam, autorizando-nos para o frenesi, o remelexo, o balanço das cadeiras, a operação bate-coxa e outros que tais.
Ritmada pela alfaia de Beth D'Oxum, Lia instalou ali uma espécie de terreiro, exorcizando os caboclos urbanos que paralisam os corações e mentes dos que cultuam essa religião chamada sucesso. Sutilmente, a voz de Lia desarmou os espíritos competitivos, a lógica da qualidade total. Agregou todos em uma imensa ciranda, num culto à amizade, uma brincadeira de roda que subverteu a arquitetura daquele ambiente.
"Ciranda de Ritmos"
Quando: sábado, dia 10, às 21h
Onde: Choperia do Sesc Pompéia (rua Clélia, 93, Pompéia, São Paulo)
Quanto: R$ 10,00; R$ 7,50 (usuário matriculado) e R$ 5,00 (trabalhador no comércio e serviços, estudantes e 3ª idade)
Informações: 0/xx/11/3871-7700
Lia de Itamaracá faz ciranda com sabor de merenda em show em SP
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da Agência Folha
Após uma temporada em Paris e Berlim, a pernambucana Lia de Itamaracá apresenta-se neste sábado, dia 10, na choperia do Sesc Pompéia. Mas quem é essa negra?, indaga a própria Lia, com sotaque cadenciado, em uma de suas cirandas, escandindo os sons das palavras como em uma brincadeira de roda -marca registrada de seu canto.
Se a Bahia deu régua e compasso a seus artistas, a ilha de Itamaracá (PE), onde Lia nasceu há 57 anos, grudou ao seu nome como fonte de imagerias. Lá tem mar, maracá, maracatu, iemanjá, coco, ciranda e frevo -matizes rítmicas do show de sábado.
Com um pé nos palcos e o outro literalmente na cozinha, Lia conciliou a vida artística com a de merendeira em uma escola pública de Itamaracá. Estreou em 1977 com o LP "A Rainha da Ciranda", que obteve repercussão desnutrida. Refugiada na ilha, vem ressurgindo aos poucos desde 1998, quando obteve consagração espontânea no Abril pro-Rock, em Recife, em associação livre com os modernos do movimento mangue beat.
No ano passado, gravou o CD "Eu sou Lia", recheado de clássicos pernambucanos como Capiba, Baracho e Nelson Ferreira. A prenda virou coqueluche entre os mundializados de Paris -gente como o cantor Mano Chao. Amparada pelas versões sampleadas dos DJs parisienses, Lia fez bonito em sua passagem pela cidade.
"Foi surpreendente. Fiquei com a impressão de que eles me conheciam de longa data."
Econômica nas palavras, Lia diz que o show deste sábado será um ensaio para o CD "Ciranda de Ritmos", a ser gravado em janeiro. "Vamos fazer uma brincadeira com muita dança. A minha música tem o sabor de minhas raízes, de minhas merendas. Todo mundo gosta e pede bis."
Os comensais que provaram desse tempero fizeram iguarias de valor: quem dançou e gritou o canto nagô de Chico Science vai se sentir familiarizado com a batida das loas de maracatu puxadas por Lia. Vê-se aí o sal da terra dos outros sons de Naná Vasconcelos.
Uma choperia talvez não seja o local mais indicado para expor a elegância e tom solene que a presença da figura de Lia exige. Ela faz parte daquela corte ébano de orixás dionisíacos na qual se inserem dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e Virgínia Rodrigues.
No domingo passado, uma voz imperial -"Eu sou Lia da Beira do Mar/ morena queimada do sal e do sol/ da ilha de Itamaracá"- foi quem primeiro entrou no palco do Itaú Cultural, em plena avenida Paulista, provocando o silêncio respeitoso da platéia.
Depois, quando a banda de surdos e trombones já fazia corte, apareceu a imagem de uma mulher exuberante, faceira, nos fazendo súditos ancestrais de monarcas africanos. Era Lia, que em gesto antimoderno fez o rito de passagem para o culto dos deuses que dançam, autorizando-nos para o frenesi, o remelexo, o balanço das cadeiras, a operação bate-coxa e outros que tais.
Ritmada pela alfaia de Beth D'Oxum, Lia instalou ali uma espécie de terreiro, exorcizando os caboclos urbanos que paralisam os corações e mentes dos que cultuam essa religião chamada sucesso. Sutilmente, a voz de Lia desarmou os espíritos competitivos, a lógica da qualidade total. Agregou todos em uma imensa ciranda, num culto à amizade, uma brincadeira de roda que subverteu a arquitetura daquele ambiente.
"Ciranda de Ritmos"
Quando: sábado, dia 10, às 21h
Onde: Choperia do Sesc Pompéia (rua Clélia, 93, Pompéia, São Paulo)
Quanto: R$ 10,00; R$ 7,50 (usuário matriculado) e R$ 5,00 (trabalhador no comércio e serviços, estudantes e 3ª idade)
Informações: 0/xx/11/3871-7700
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