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26/11/2001
-
08h22
INÁCIO ARAUJO
da Folha de S.Paulo
Como quase todos os que sonharam com a implantação de uma indústria de cinema no Brasil, Adhemar Gonzaga imaginava que a questão central dos nossos filmes era a "qualidade". Isto é, do momento em que fizéssemos bons filmes, o público naturalmente os aceitaria.
Por isso, ao criar sua Cinédia, no fim dos anos 20, se equipou nos EUA e procurou agregar os melhores profissionais disponíveis. Gonzaga era um fã do cinema americano e julgava o cinema europeu um reflexo da decadência daquele continente. A fórmula que buscava implantar era "charm, sex, gags".
O público desmontou suas expectativas. "Ganga Bruta" (1933), que hoje se reconhece como talvez o melhor filme da companhia, foi um fracasso colossal e levou à ruptura entre Gonzaga e seu diretor, Humberto Mauro.
Já o filme popular -que não era exatamente o filme "de qualidade"- tendia a conseguir resultados bem melhores, a despeito de certas precariedades. "Alô, Alô, Carnaval" sofre com elas.
O peso do maquinário sonoro é perceptível -a imobilidade da câmera é não raro incômoda-, e o casamento entre a parte musical e a intriga, incipiente.
No entanto, nessa época, começava a se impor a idéia do filme carnavalesco, fundado sobre a apresentação de cantores famosos: eram a grande atração popular já no começo do cinema sonoro brasileiro. A fórmula seria aperfeiçoada ao longo do tempo e chegaria ao seu apogeu nas chanchadas dos anos 50.
Para nós, resta hoje a oportunidade de assistir a números antológicos, com Linda e Dircinha Batista, Francisco Alves, Almirante e, sobretudo, Carmen e Aurora Miranda, de "Alô, Alô, Carnaval".
Gonzaga foi talvez o primeiro mentor, ao lado de Pedro Lima, da idéia de construir uma indústria brasileira de filmes. Torrou sua herança nisso, montou a maior produtora dos anos 30, mas não resistiu à realidade de um cinema sem condições de ocupar seu próprio mercado.
Não raro, a Cinédia teve de renunciar às grandes ambições do início e se refugiar no filme popular. Seu maior sucesso, "O Ébrio" (1946), baseava-se na música e na presença como ator de Vicente Celestino.
O filme de Gilda de Abreu (aliás, mulher de Vicente Celestino) é capenga à beça, o que não o impediu de ser um dos maiores sucessos brasileiros de todos os tempos e hoje é uma relíquia tão importante quanto "Alô, Alô, Carnaval".
Talvez o sonho de Gonzaga, tão brasileiro, fosse impor a imagem do país diante do mundo com seus filmes. Isso não deu certo. Seu destino, no entanto, não deixa de ser bem brasileiro: conseguiu sobreviver. Sua Cinédia, aliás, sobrevive a ele, mal, mas sobrevive.
Seu acervo está lá, periclitante, como que para nos lembrar do desdém pela preservação das imagens no Brasil e da infâmia nacional que consiste em perder, aos poucos, os filmes e, com eles, uma enorme documentação artística e histórica do que foi o século 20 brasileiro.
Cinédia sobrevive ao desdém pela preservação
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da Folha de S.Paulo
Como quase todos os que sonharam com a implantação de uma indústria de cinema no Brasil, Adhemar Gonzaga imaginava que a questão central dos nossos filmes era a "qualidade". Isto é, do momento em que fizéssemos bons filmes, o público naturalmente os aceitaria.
Por isso, ao criar sua Cinédia, no fim dos anos 20, se equipou nos EUA e procurou agregar os melhores profissionais disponíveis. Gonzaga era um fã do cinema americano e julgava o cinema europeu um reflexo da decadência daquele continente. A fórmula que buscava implantar era "charm, sex, gags".
O público desmontou suas expectativas. "Ganga Bruta" (1933), que hoje se reconhece como talvez o melhor filme da companhia, foi um fracasso colossal e levou à ruptura entre Gonzaga e seu diretor, Humberto Mauro.
Já o filme popular -que não era exatamente o filme "de qualidade"- tendia a conseguir resultados bem melhores, a despeito de certas precariedades. "Alô, Alô, Carnaval" sofre com elas.
O peso do maquinário sonoro é perceptível -a imobilidade da câmera é não raro incômoda-, e o casamento entre a parte musical e a intriga, incipiente.
No entanto, nessa época, começava a se impor a idéia do filme carnavalesco, fundado sobre a apresentação de cantores famosos: eram a grande atração popular já no começo do cinema sonoro brasileiro. A fórmula seria aperfeiçoada ao longo do tempo e chegaria ao seu apogeu nas chanchadas dos anos 50.
Para nós, resta hoje a oportunidade de assistir a números antológicos, com Linda e Dircinha Batista, Francisco Alves, Almirante e, sobretudo, Carmen e Aurora Miranda, de "Alô, Alô, Carnaval".
Gonzaga foi talvez o primeiro mentor, ao lado de Pedro Lima, da idéia de construir uma indústria brasileira de filmes. Torrou sua herança nisso, montou a maior produtora dos anos 30, mas não resistiu à realidade de um cinema sem condições de ocupar seu próprio mercado.
Não raro, a Cinédia teve de renunciar às grandes ambições do início e se refugiar no filme popular. Seu maior sucesso, "O Ébrio" (1946), baseava-se na música e na presença como ator de Vicente Celestino.
O filme de Gilda de Abreu (aliás, mulher de Vicente Celestino) é capenga à beça, o que não o impediu de ser um dos maiores sucessos brasileiros de todos os tempos e hoje é uma relíquia tão importante quanto "Alô, Alô, Carnaval".
Talvez o sonho de Gonzaga, tão brasileiro, fosse impor a imagem do país diante do mundo com seus filmes. Isso não deu certo. Seu destino, no entanto, não deixa de ser bem brasileiro: conseguiu sobreviver. Sua Cinédia, aliás, sobrevive a ele, mal, mas sobrevive.
Seu acervo está lá, periclitante, como que para nos lembrar do desdém pela preservação das imagens no Brasil e da infâmia nacional que consiste em perder, aos poucos, os filmes e, com eles, uma enorme documentação artística e histórica do que foi o século 20 brasileiro.
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