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27/11/2001 - 03h29

CDs recriam ambiente cultural para crianças

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Folha de S.Paulo

As iniciativas de recuperar uma produção de música infantil de boa qualidade no Brasil depois do desmanche mercadológico dos anos 90 mostram-se ainda incipientes, isoladas, incompletas.

Do que tem acontecido nos últimos meses, vê-se um aumento flagrante no padrão de qualidade, mas a coragem de partir para composição e criação próprias e inéditas ainda não disse alô, com exceção do CD com os rocks de Branco Mello e Ciro Pessoa.

Ironicamente, são músicas feitas há quase 20 anos e mantidas inéditas até hoje, quase todas elas -sinal a mais do estado de indigência cultural a que as crianças dos 80 e 90 estiveram entregues.

Seja como for, o disco de Branco Mello dispara a noção de que ainda é possível criar, sim, boas canções infantis. "Eu e Meu Guarda-Chuva" quer se intrometer nos neurônios infantis com rock'n'roll à moda dos anos 80 (a antes tola "Dona Nenê", lançada pelos Titãs em 85, está aí à prova, por Rodolfo, ex-Raimundos).

O tom new wave -especialmente de "Prisioneiro" (com Falcão, do Rappa) e "Lance de Cabelo" (Branco)- soa hoje passadista, mas não torna menos divertido o CD.

O parquinho de diversões empolga entre cânones pop-rock, de órgãos Hammond ("O Mistério de Jonas", com Arnaldo Antunes, terror e ópera), surf rock ("O Tenente", Frejat) e programações moderninhas ("Buraco do Metrô", Marcelo D2).

Ensinar rock aos miúdos é, sim, uma estratégia ideológica. Mas alguém há de reclamar de uma possível nova geração de pequenos roqueiros, em contraponto com os filhotes de Xuxa e Carla Perez que o Brasil andava formando?

Corta para "Sítio do Picapau Amarelo", empreitada reconstrutora (e também passadista) que a própria Globo vem encampando com sucesso desde outubro.

O novo CD é tímido, temeroso da versão anterior -prefere quase sempre regravar os geniais temas de antes a criar um novo modelo. Só fogem à regra, em temas inéditos que não conseguem formar uma cara nova, Lenine, Max Viana e Jorge Vercilo.

Quanto às regravações, haverá narizes torcidos, que dependerão de cada (velho) freguês. Pode-se dizer que Cássia Eller estragou "A Cuca te Pega", tirando-lhe o senso de humor. Que a modinha de Dorival
Caymmi "Tia Nastácia" perdeu a graça como samba cru de Zeca Pagodinho.
Que o Jota Quest injetou Fanta no cérebro de "Pedrinho", uma das obras-primas de Dori Caymmi para o "Sítio" de 1977. Que Ivete Sangalo não tem doçura para encarnar "Narizinho". Ou que Gilberto Gil não precisava ter regravado o tema principal.

Na contramão, podem-se encontrar vários acertos também. O grupo Pato Fu leva a deliciosa "Ploquet Pluft Nhoque (Jabuticaba)" um passo adiante, provocando a molecada com irreverentes "glups", arrotos e peidos.
Carlinhos Brown põe letra na antes instrumental "Saci" e, surpresa, prova que sabe usar linguagem direta, certeira e terna, se quiser. Paulo Ricardo esquece a pose de galã e deglute o nada glamouroso "Rabicó". Já é bem mais do que se poderia esperar da Globo recente.

Num outro viés, "Músicas Daqui - Ritmos do Mundo" procura espaço no universo dos independentes, assumindo a tarefa heróica de atravessar a mata de espinhos e combater de mãos abanando o dragão.

A proposta de Zezinho Mutarelli é das mais corajosas: aproximar as crianças da música colocando arranjos "adultos" em saborosas canções de roda que as animadoras de TV ainda não conseguiram desensinar.

Na concretização, entretanto, vence a irregularidade. O miniconsumidor recebe uma cornucópia de moda caipira (Pena Branca e Xavantinho), hard rock (Ira!), pagode (Negritude Jr.), funk (Sandra de Sá), afro (Skowa), bossa nova (Carlos Lyra), jazz (Banda Mantiqueira), forró (Oswaldinho do Acordeom), exotismos variados. O pequeno espectador terá de se virar na falta de prioridades, se arriscando talvez pela mesma colcha pós-moderna que criou a ideologia conservadora de horrores passados.

O disco não chega a cair nessa armadilha, mas nem tampouco a afastar seus perigos. É que estamos reaprendendo. E há muito trabalho a ser (re)feito.
 

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