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28/11/2001 - 04h04

Escritor Juan García Ponce dita sua obstinação

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FRANCESCA ANGIOLILLO
enviada especial a Guadalajara

"Se pudesse falar em ápice, receber esse prêmio seria o ápice para mim. Infelizmente, para os leitores, não é mais do que uma legítima imposição de seguir escrevendo -e é o que vou fazer."

Na boca de um premiado qualquer, a frase acima poderia ser a convencional tentativa de expressar, sem parecer orgulhoso, a sensação do reconhecimento.

Dita por Juan García Ponce, porém, perde qualquer banalidade: fosse por um diagnóstico médico dado em 1967, e o autor, 69, não teria escrito boa parte dos 50 títulos que compõem sua obra e que lhe valeram o Prêmio Juan Rulfo 2001, entregue na Feira do Livro de Guadalajara, no México.

A esclerose múltipla -que, pela previsão do doutor, não só o impediria de escrever como também o mataria em, no máximo, um ano- não o deixa mover mais que uns poucos músculos. Suficientes, porém, para responder à Folha, em fala "traduzida" por Maria Luísa Herrera, 37, sua assistente há 11 anos.

Dar a entrevista parece até tarefa fácil diante da obstinação do autor que, tendo perdido há muito o movimento dos braços, "escreve" diariamente, ditando à secretária livros inteiros.

"Aqui está, diante de você, minha máquina de escrever, até no sentido literal, porque usa a única máquina que há na minha casa", diz Ponce. "Sempre faço troça, porque ela escreve com um dedo, e eu escrevia com dois."

De si, o autor diz que é um "viciado" em literatura. Lembra que começou no ofício "mentalmente, aos 18 anos; realmente, em 56" e que sua obra "é muito fácil" de resumir: "São cinco temas, esparsos em muitos livros e reunidos em um só, "Crónica de la Intervención".

Amor, erotismo, morte, loucura e identidade são os motivos que reúne no livro de quase 600 páginas, escrito em 82. Diz que "Crónica" é sua obra definitiva, "sem dúvida". "Mas, ao mesmo tempo, depois deste livro, continuei escrevendo: seguem-lhe três romances, um livro de contos e muitos ensaios sobre pintura e literatura", enumera.

Mas lembra que "tamanho não é documento", quando vem à tona o nome do amigo Rulfo, que considerou concluída sua obra com só dois livros ("Pedro Páramo" e "Planalto em Chamas"). "Não há diferença entre ser produtivo, supostamente, e não o ser. O que importa é que os livros sejam produto da inspiração."

Ponce é o terceiro mexicano a vencer o prêmio (os outros foram Juan José Arreola, em 92, e Sergio Pitol, em 99), outorgado a autores da América Latina e Caribe.

As quatro cerimônias de homenagem a Ponce ocorridas na FIL ajudam a dimensionar seu valor, dirimindo qualquer dúvida de que o júri internacional tenha premiado a pessoa, e não a obra.

Uma atitude condescendente seria contrária ao espírito do próprio Ponce, que não titubeou ao escolher que se usasse, como referência para seu busto na galeria do prêmio, sua imagem de hoje. E que, como lembrou em um dos atos a jornalista e escritora Elena Poniatowska, diz que "adversidades todos temos, e isso não tem nada a ver com literatura".

Indo ao que, então, tem a ver com literatura: Ponce é figura central na geração dita da "ruptura" ou do "medio siglo" (de autores como Pitol, Tomás Segovia e José Emilio Pacheco, que começaram a escrever no México
em meados do século 20).

É também reconhecido como tradutor e difusor, em seu país, da obra de inúmeros autores europeus (Robert Musil, Pierre Klossowski e Georges Bataille, entre outros) e famoso por seus ensaios sobre Thomas Mann e Herbert Marcuse. Ocupa, ainda, destacada posição como crítico de arte, especialmente de pintura.

Sua obra não tem edições no Brasil, mas Ponce manda seu recado: "A literatura é o campo em que se unem os contrários. O Brasil, além do mais, recolheu muitos imigrantes, que já são brasileiros. Eu mesmo, sem ter emigrado, aspiro a que minha literatura também o seja".
 

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