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05/12/2001 - 03h52

Peça vê terror histórico e pessoal da guerra

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VALMIR SANTOS
free-lance para a Folha

Assim como há países que admitem "danos colaterais", há aqueles que se assumem "tecnicamente em guerra".

Em 18 de abril de 1945, quando a Segunda Guerra Mundial (1939-45) está a menos de um mês do fim, o Brasil de Getúlio Vargas ainda mantém rígido esquema de segurança. Enquanto o acordo de trégua não vem, imigrantes só entram com salvo-conduto, documento que permite livre circulação. Temem-se espiões nazistas. É por aí que se infiltra "Novas Diretrizes em Tempos de Paz", a peça mais recente do paulista Bosco Brasil.

A montagem estréia curta temporada em São Paulo, de amanhã a domingo, mas volta ao cartaz no início do ano. A direção é de Ariela Goldmann. No elenco, Jairo Mattos e Dan Stulbach.

Estimulado por uma das questões do projeto Ágora Livre Dramaturgia ("Qual o lugar do teatro no mundo de hoje?"), Bosco Brasil vai aos anos 40, num porto do Rio, e constrói diálogo em tom de fábula no qual um polonês tenta entrar no país, mas é barrado por um interrogador do serviço de imigração.

Clausewitz (Stulbach) desembarca de um navio cargueiro. Horrorizado com os crimes de guerra na Polônia, ele quer abraçar uma nova profissão, a de agricultor, e esquecer os dez anos de atuação no teatro.

Atrás da mesa, Segismundo (Mattos), um torturador da polícia política do governo, obviamente não tem tato para lidar com estrangeiros.

Máscaras
O cruzamento das lembranças de um (que teve familiares e amigos brutalmente assassinados) e de outro (que espancou sob as ordens do chefe), pêndulo de frieza e sensatez, expõe máscaras humanas e teatrais.

Segismundo vê contradições no depoimento do homem que se diz agricultor, mas não tem calos nas mãos; fala português do Brasil, mas nunca pisou no país.

Contudo, deixa-se envolver. Provoca Clausewitz com a aposta de que só permitirá sua entrada se o fizer chorar, por meio de algum relato, nos dez minutos que restam para o navio voltar.

A partir de então, dá-se um jogo de convencimento do outro, busca e negação de identidades. Segismundo abre o jogo sobre o trabalho sujo de torturador.

O polonês, para afastar a suspeita de espião nazista, lança mão do teatro, especialmente da idéia barroca do grande teatro do mundo, como descreve Calderón de La Barca (1600-81), e leva o interlocutor aos prantos quando "interpreta" uma das passagens do clássico "A Vida É Sonho", no qual o protagonista, não por acaso, chama-se Segismundo.

Segundo Bosco Brasil, 41, vive-se uma desilusão disseminada depois dos atentados nos EUA. "Desilusão que também atinge o teatro com aquela sensação de inadequação, de não ter mais o que dizer. Isso cria uma sedução da decadência", afirma o autor.

Ao abordar um imigrante polonês, "Novas Diretrizes em Tempos de Paz" também faz referência ao diretor Ziembinski, catalisador do moderno teatro brasileiro nos anos 40. A assinatura de Gianni Ratto na iluminação é outra homenagem à geração de imigrantes italianos que aportou no país naquela década.

"A fábula reforça a construção do imaginário pelo espectador. O espaço do espetáculo é o das palavras, das sensações, dos silêncios, em suma, dos atores", diz a diretora Ariela Goldmann, 35.

Bosco explica que a reação da platéia após única apresentação especial no projeto Ágora Livre Dramaturgia, em novembro, e a atualidade bélica dos desorientados tempos que correm, mobilizaram a todos para uma produção a toque de caixa (preta).


NOVAS DIRETRIZES EM TEMPOS DE PAZ
De:
Bosco Brasil
Direção: Ariela Goldmann
Onde: teatro Ágora (r. Rui Barbosa, 672, Bela Vista, 0/xx/11/3284-0290)
Quando: estréia amanhã, às 21h; qui., sex., sáb. e dom., às 21h. Até 9/12. R$ 10
 

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