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06/12/2001 - 03h43

Giulia Gam reencontra Jocasta em nova peça apresentada no Rio

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VALMIR SANTOS
free-lance para a Folha

Pela segunda vez na carreira, a atriz Giulia Gam, 34, visita Jocasta, a mulher e mãe de Édipo na mais conhecida relação incestuosa da tragédia grega.

Em "Mandala" (87), novela de Dias Gomes exibida pela TV Globo, ela interpretava a jovem Jocasta no papel adulto defendido por Vera Fischer.

Sua contraface é vislumbrada 14 anos depois ("Agora sou uma mulher", diz a mãe de Theo, 3), quando reencontra o mito por inteiro em "As Fenícias", sob direção de Caco Coelho.

A partir de amanhã, o espetáculo do grupo Circo de Estudos Dramáticos ocupa jardins e sacada do carioca Museu da República, no Catete (zona sul do Rio), outrora abrigo de Getúlio Vargas, convertido em cenário do palácio de Tebas.

Sob a pena de Eurípedes, o poeta grego que viveu há cerca 24 séculos, Giulia completa como que um ciclo do eterno retorno.

No enredo de "As Fenícias", a personagem desponta com a benesse da "sobrevida". Em "Édipo Rei", na versão de Sófocles, Jocasta enforca-se ao constatar que o pai de seus filhos era, ele também, o filho que pensava morto havia anos. Em Eurípedes, a heroína encara os fatos e sublima a condição de mãe. Ambos os autores foram contemporâneos.

O "marido" Édipo (Edi Botelho), que matara o pai involuntariamente e vaza os olhos em desesperada autopunição, é deposto e aprisionado pelos filhos. Revoltado, ele amaldiçoa Polinices (Rafael Aragon) e Etéocles (Luisa Friese). Na disputa pelo poder, os irmãos duelam com espadas e vão à morte. À cena fratricida, segue-se o suicídio de Jocasta.

"Ela surge como símbolo da justiça, clama aos deuses para evitar a tragédia na tentativa de amenizar os rancores", afirma Giulia, sobre a mãe que contorna um tabu, mas não evita que os filhos matem-se um ao outro. Aqui, o ódio suplanta a moral.

Tragédia é território conhecido da atriz, que começou no teatro pelas mãos de Antunes Filho em "Romeu e Julieta" (84), no papel-título. Daquela década, recorda as aulas afins com o pesquisador Junito de Souza Brandão, especialista em cultura grega.

"Quando se mexe com os gregos, depara-se com aspectos míticos que pertencem ao inconsciente simbólico, elementos primordiais, não importa qual seja o suporte: o palco, a TV ou até o gibi", afirma a atriz de ascendência italiana (nasceu em Perúgia). "Não imaginava retomar a tragédia, mas lá vou eu."

A última participação em teatro se deu em "Cacilda!" (98), no Oficina de José Celso Martinez Corrêa, completando o que define como "triângulo de grandes encenadores", cujos vértices complementares são Antunes (com quem fez ainda "Nelson 2 Rodrigues" e "Macunaíma") e Gerald Thomas ("Fim de Jogo" e "M.O.R.T.E.").

"Não tive formação de atriz em escola. Parti primeiro da idéia desses diretores para depois entendê-los na história do teatro", diz ela. "Sofria muito quando passava de um para outro."

Em 2000, Giulia aproveitou estadia em Nova York para cursar o lendário The Actor's Studio. Tomou aulas com Robert Castle e se diz com olhar renovado.

O encontro com o grupo de Caco Coelho é endossado pela mudança para o Rio, faz um ano. A atriz tentar ir de encontro ao nicho do pensamento experimental que, em São Paulo, exercitava ao lado de Bete Coelho, Daniela Thomas, Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes e outros.

Seu apartamento, no Leblon, antes ocupado por Paulo José, abriga com frequência encontros para leituras dramáticas, performances e outras manifestações não necessariamente teatrais.

Criado em 98, o Circo de Estudos Dramáticos incorpora em "As Fenícias" elementos da linguagem circense (pernas-de-pau, pirófagos), o que não implica a subjugação do texto (já montou Shakespeare, por exemplo).

Uma das características do grupo é a ocupação de espaços não-convencionais. No Museu da República, o diretor Caco Coelho pretende que o público sinta-se como "o pulmão do coro".

Para tanto, incorpora o som ao vivo da banda Hapax, que mistura "música eletrônica da caverna com sucatas, transe induzido, camisas de futebol e falanges protegidas por esparadrapo", como define um dos seus integrantes, Cláudio Monjope.

Os figurinos são de Márcia Ganem, que encabeça grupo de quatro estilistas da Bahia. A cenografia de Cristina Novaes embrulha o palácio-museu com cordas e panos de pára-quedas.

"Buscamos a arte não dispensada do seu sentido primeiro, aquele que vai em direção ao homem e o estimula a um transbordamento e polimento por meio da arte", diz Coelho, 39.



AS FENÍCIAS
Com:
Circo de Estudos Dramáticos (Charles Asevedo, Luiz Lobo, Stela Guz, Alex Fabrício, Cecília Alves, Melissa Mell e outros)
Onde: Museu da República (r. do Catete, 153, Catete, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/21/2558-6350)
Quando: estréia amanhã, às 18h30; sex., sáb. e dom., às 18h30. Quanto: R$ 10
Patrocinador: Procena - Secretaria de Estado da Cultura do Rio
 

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