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20/12/2001 - 10h37

Dalton Trevisan solta a sua retórica da perversão

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MARIO SERGIO CONTI
da Folha de S.Paulo, no Rio

Há quatro anos, o escritor paranaense Dalton Trevisan publicou seu último e 25º livro, "234". Começou então a preparar outro, "Pico na Veia", que ainda não tem data para sair. Nem por isso deixou de publicar. Só em 2001 ele editou cinco livrinhos.

É o próprio Dalton Trevisan, 76, quem os edita e publica. A produção é artesanal. É um amigo de um amigo do escritor quem reproduz numa máquina xerox e os grampeia. O próprio autor distribui os exemplares. Toda a edição é enviada de presente a amigos e admiradores. Pelo correio.

Os livrinhos são um pouco menores que os de cordel e um pouco maiores que os de Carlos Zéfiro. Dos cinco que saíram neste ano, quatro são em papel-jornal e um em sulfite. A ilustração deles também ficou por conta do escritor. Ele usou desenhos de Poty, que ilustrou boa parte de seus livros, Posada e até de Matisse.

O mais longo dos cinco livretos tem cem páginas e o menor, 32. Quatro deles são temáticos. Seus títulos são "Amor", "Criança", "Velho" e "Noites de Insônia".

Todos reúnem material já publicado em livros. São contos brevíssimos, mininarrativas e microssolilóquios de uma ou duas frases. São líricos ("-Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos"), ou amargos ("-Falar com você, querida, é discutir para sempre") ou debochados ("-Esse aí me adora, sim: daqui pra baixo").

Os escritos foram retrabalhados. Obcecado pela concisão, Dalton alterou vírgulas e cortou palavras. Com isso, o universo infernal do escritor é miniaturizado ao extremo. Na redução, o que sobressai é o grotesco de velhos e crianças, a crueldade dos adultos, a solidão e o ridículo inapelável de todos. Um dos livretos, porém, destoa. Com 32 páginas, é o mais curto. Tem o título de "Cantares de Sulamita". Além de totalmente inédito, é triplamente insólito.

"Cantares de Sulamita" é insólito porque traz dois poemas de um prosador convicto e calejado; porque foi ilustrado com desenhos decalcados de uma velha edição do "Kama Sutra"; e porque o sujeito dos poemas, Sulamita, é uma mulher que, com imagens lírico-pornográficas, implora amor e morte.
Nele, detecta-se o estilo maníaco de Dalton. É o caso dos diminutivos que embasam perversões: "Me agarrar todinha", "me sugar o biquinho dos seios", "me lamber o mindinho".

Também se encontra a radicalização, no sentido do humor cafajeste, das metáforas que designam órgãos sexuais: "Pérola da concha bivalve" no lugar de clitóris, "bochechas da nalga" em vez de nádegas, "ferrão de fogo" e "flauta de mel" para pênis.

"Cantares de Sulamita" ecoa o "Cântico dos Cânticos" bíblico. Com a diferença que Sulamita está num paroxismo de excitação. Ela implora carinho e agressão do amante. Fala em "bofetões estalados", "morder", "xingar", "estuprar", "currar", "crucificar" e "tabefes".

Sulamita tem tudo para "agradar" feministas. Sexo e violência confluem nos "Cantares" para a velha dobradinha romântica de amor e morte. Num poema de cerca de 300 palavras, quase 30 referem-se à morte e seus derivativos.

Para os padrões do Dalton Trevisan da última década, 300 palavras é um discurso interminável. Com o seu livreto, ele miniaturizou o suporte material da literatura, o livro. E deixou correr solta a retórica da perversão.
 

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