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04/01/2002
-
03h56
DIEGO ASSIS
da Folha de S.Paulo
No início dos anos 90, a invasão sérvia dos territórios a leste da ex-república iugoslava da Bósnia provocou a expulsão de milhares de muçulmanos que viviam às margens do rio Drina. De início protegidas pelas forças de paz da ONU, tais áreas acabaram tornando-se verdadeiros campos minados em que a população civil se viu obrigada a conviver com tropas paramilitares e tanques de guerra do Exército sérvio, pelo menos até o acordo de Dayton, em novembro de 1995.
Depois disso, o assunto pareceria esquecido não fossem as páginas de "Área de Segurança: Gorazde", graphic novel assinada pelo quadrinista Joe Sacco, 41, também autor da premiada série Palestina, vencedora do American Book Award de 1996 e lançada no ano passado no Brasil.
Misturando jornalismo e quadrinhos, Sacco relata em "Gorazde" suas quatro viagens à Bósnia, sempre acompanhado de um caderninho de anotações e uma máquina fotográfica amadora.
Em entrevista à Folha, o quadrinista nascido na ilha de Malta (próxima à Sicília), criado na Austrália, formado em Oregon (EUA) e atualmente radicado em Nova York fala sobre a experiência.
Folha - O que influenciou sua escolha por uma cidadezinha de 57 mil habitantes como Gorazde?
Joe Sacco - Quando cheguei a Sarajevo, em 1995, para trabalhar no álbum, Gorazde continuava sob um violento cerco dos sérvios. Com os comboios da ONU, nós, jornalistas, podíamos visitar a cidade regularmente. Na primeira vez que fui, só queria dar uma olhada. Eu estava em Sarajevo havia seis semanas e queria algo novo. Quando cheguei lá, acabei me solidarizando imediatamente com as pessoas e disse: esta é a história que eu quero contar.
Folha - Como era a relação dos moradores de Gorazde com você e com os outros jornalistas?
Sacco - Eu tinha uma credencial de imprensa que me permitia ter alguns privilégios, como, por exemplo, sair à noite durante o toque de recolher, mas acho que a maioria das pessoas não se ressentia disso. Eles ficavam felizes em nos ver, queriam contar histórias das quais o mundo lá fora não tinha ouvido falar ainda.
Folha - Você se preocupou em ser objetivo?
Sacco - Acho que é impossível ser completamente objetivo. Por um motivo: sou um estrangeiro, estou chegando com os olhos de um ocidental na Palestina ou na Bósnia. E não quero fingir que eu não tenho uma opinião. Eu tenho meus preconceitos e quero que as pessoas saibam quais são. É o preço que elas pagam para ver as coisas pelos meus olhos. É também muito difícil ser objetivo quando se é parte da história. Não acredito em objetividade, mas em ser justo.
Folha - Qual é sua opinião sobre a intervenção dos Estados Unidos na Bósnia?
Sacco - Acho que os EUA deveriam ter intervindo muito antes do que fizeram. Isso teria poupado a vida de umas 200 mil pessoas. Eles ficavam avançando e recuando, no típico estilo Clinton. Por fim, os bósnios não sabiam mais em que acreditar. O que os políticos diziam e o que eles faziam tornaram-se duas coisas diferentes.
Folha - Depois de assinado o acordo de Dayton e com a radicalização dos conflitos entre sérvios e albaneses, em Kosovo, a situação na Bósnia foi deixada de lado pela mídia em geral. Você manteve contato com as suas fontes?
Sacco - Sim. Edin [intérprete em Gorazde] e eu ainda nos falamos. Estive em Gorazde e em Sarajevo há uns quatro meses. Não há mais tiroteios, mas a situação econômica é muito ruim. Quando estive lá pela primeira vez, havia esperança, porque sempre que uma guerra está para acabar as pessoas começam a sonhar como a vida vai ser. Infelizmente, cinco ou seis anos depois, muitos desses sonhos não se realizaram.
Folha - Então, qual é o seu próximo destino?
Sacco - Acho que vou acabar no Oriente Médio. É uma parte importante do mundo, a história da América está ligada à sua história, mas a política americana continua não sendo muito boa por lá.
Leia a nossa opinião sobre o trabalho na Crítica Online
Joe Sacco usa jornalismo e desenhos para contar a Guerra da Bósnia
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da Folha de S.Paulo
No início dos anos 90, a invasão sérvia dos territórios a leste da ex-república iugoslava da Bósnia provocou a expulsão de milhares de muçulmanos que viviam às margens do rio Drina. De início protegidas pelas forças de paz da ONU, tais áreas acabaram tornando-se verdadeiros campos minados em que a população civil se viu obrigada a conviver com tropas paramilitares e tanques de guerra do Exército sérvio, pelo menos até o acordo de Dayton, em novembro de 1995.
Depois disso, o assunto pareceria esquecido não fossem as páginas de "Área de Segurança: Gorazde", graphic novel assinada pelo quadrinista Joe Sacco, 41, também autor da premiada série Palestina, vencedora do American Book Award de 1996 e lançada no ano passado no Brasil.
Misturando jornalismo e quadrinhos, Sacco relata em "Gorazde" suas quatro viagens à Bósnia, sempre acompanhado de um caderninho de anotações e uma máquina fotográfica amadora.
Em entrevista à Folha, o quadrinista nascido na ilha de Malta (próxima à Sicília), criado na Austrália, formado em Oregon (EUA) e atualmente radicado em Nova York fala sobre a experiência.
Folha - O que influenciou sua escolha por uma cidadezinha de 57 mil habitantes como Gorazde?
Joe Sacco - Quando cheguei a Sarajevo, em 1995, para trabalhar no álbum, Gorazde continuava sob um violento cerco dos sérvios. Com os comboios da ONU, nós, jornalistas, podíamos visitar a cidade regularmente. Na primeira vez que fui, só queria dar uma olhada. Eu estava em Sarajevo havia seis semanas e queria algo novo. Quando cheguei lá, acabei me solidarizando imediatamente com as pessoas e disse: esta é a história que eu quero contar.
Folha - Como era a relação dos moradores de Gorazde com você e com os outros jornalistas?
Sacco - Eu tinha uma credencial de imprensa que me permitia ter alguns privilégios, como, por exemplo, sair à noite durante o toque de recolher, mas acho que a maioria das pessoas não se ressentia disso. Eles ficavam felizes em nos ver, queriam contar histórias das quais o mundo lá fora não tinha ouvido falar ainda.
Folha - Você se preocupou em ser objetivo?
Sacco - Acho que é impossível ser completamente objetivo. Por um motivo: sou um estrangeiro, estou chegando com os olhos de um ocidental na Palestina ou na Bósnia. E não quero fingir que eu não tenho uma opinião. Eu tenho meus preconceitos e quero que as pessoas saibam quais são. É o preço que elas pagam para ver as coisas pelos meus olhos. É também muito difícil ser objetivo quando se é parte da história. Não acredito em objetividade, mas em ser justo.
Folha - Qual é sua opinião sobre a intervenção dos Estados Unidos na Bósnia?
Sacco - Acho que os EUA deveriam ter intervindo muito antes do que fizeram. Isso teria poupado a vida de umas 200 mil pessoas. Eles ficavam avançando e recuando, no típico estilo Clinton. Por fim, os bósnios não sabiam mais em que acreditar. O que os políticos diziam e o que eles faziam tornaram-se duas coisas diferentes.
Folha - Depois de assinado o acordo de Dayton e com a radicalização dos conflitos entre sérvios e albaneses, em Kosovo, a situação na Bósnia foi deixada de lado pela mídia em geral. Você manteve contato com as suas fontes?
Sacco - Sim. Edin [intérprete em Gorazde] e eu ainda nos falamos. Estive em Gorazde e em Sarajevo há uns quatro meses. Não há mais tiroteios, mas a situação econômica é muito ruim. Quando estive lá pela primeira vez, havia esperança, porque sempre que uma guerra está para acabar as pessoas começam a sonhar como a vida vai ser. Infelizmente, cinco ou seis anos depois, muitos desses sonhos não se realizaram.
Folha - Então, qual é o seu próximo destino?
Sacco - Acho que vou acabar no Oriente Médio. É uma parte importante do mundo, a história da América está ligada à sua história, mas a política americana continua não sendo muito boa por lá.
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