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26/01/2002 - 03h21

Pierre Bourdieu deu espaço ao universal

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MARCELO COELHO
colunista da Folha

É bem mais chique ler um livro de Jacques Derrida, de Jean-François Lyotard, ou mesmo de Jean Baudrillard, do que os volumosos estudos sociológicos de Pierre Bourdieu -morto na última terça-feira- sobre o sistema de ensino público, sobre as relações entre classe social e gosto artístico na França, ou sobre a constituição do que ele denominou de "campo literário" -o microcosmo de escritores, críticos, editores e seus códigos de conduta.

Em "Meditações Pascalianas", em que revê a própria obra, Bourdieu nos faz entender um pouco as razões de sua falta de charme. Estudante de filosofia nos anos 50, Bourdieu afastava-se da predileção geral por "textos e autores esotéricos, obscuros, e até mesmo, como nos casos de Husserl e Heidegger, quase inacessíveis por falta de traduções (as obras-chave de Husserl e Heidegger serão traduzidas só nos anos 60, ou seja, num momento de descenso do fervor de que eram objeto)." Preferiu as "tarefas consideradas mais humildes do ofício de etnólogo ou de sociólogo: observação direta, entrevista, codificação dos dados ou análise estatística".

Essa rememoração diz muito a respeito da "dureza", da falta de complacência de Bourdieu diante das convenções do mundo intelectual, a cuja desmistificação dedicou-se sem rodeios. O apreço do mandarinato pelas "grandes questões", pelos jogos do pensamento, pela teoria pura, é na verdade um produto histórico, efeito de um longo "processo de autonomização" institucional, que instaura uma "fronteira mágica entre os eleitos e os excluídos".

Especialmente irônico é o fato de que "os eleitos" se mostrem cegos diante das origens materiais, históricas, do prestígio de que desfrutam. Tendem a atribuir sua situação privilegiada ao dom natural, a uma vocação pessoal para desprezar o mundo prático e a empiria vulgar. Assim resumida, a avaliação de Bourdieu parece ser fruto de um populismo ressentido, de uma espécie de antiintelectualismo sociológico. Seu projeto é outro. Prezando os valores universais da arte, da filosofia e da ciência, sua preocupação está em "universalizar as condições do acesso ao universal", combatendo todos os mecanismos, sutis ou não, da exclusão cultural.

"Contrafogos" e "Contrafogos 2" são livros curtos, reunindo intervenções recentes de Bourdieu a respeito da globalização, das ameaças do capital monopolista sobre a produção cultural, sobre a unificação européia, sobre a televisão e a imprensa. O tom de suas críticas ao neoliberalismo, embora de extrema veemência, nada tem de emotivo ou de retórico.

É em nome do conhecimento científico, da racionalidade e da experiência concreta que Bourdieu denuncia os mecanismos da propaganda neoliberal. A ação coordenada de empresas de consultoria, de instituições estratégicas, de lobbistas, de meios de comunicação, de políticos e intelectuais vai divulgando verdades supostamente indiscutíveis e toma princípios e experiências próprias de um único país, os Estados Unidos, como aplicáveis universalmente. Trata-se de um consenso produzido. Ao internacionalismo dos interesses financeiros, Bourdieu propõe a consolidação de um movimento social mundial, que resista ao processo de desmantelamento do poder público que se verifica em todo o planeta.

Reunindo textos por vezes apocalípticos, por vezes esperançosos demais, "Contrafogos" e "Contrafogos 2" são livros de combate. Rejeitam a idéia de "neutralidade científica"; mas não abdicam do espírito desmistificador e da rudeza que faziam de Bourdieu um autor bem pouco charmoso, mas muito necessário.


CONTRAFOGOS
Tradutora:
Lucy Magalhães
Editora: Jorge Zahar (r. México, 31, sobreloja, Rio, tel. 0/xx/21/ 2240-0226)
Quanto: R$ 14 (152 págs.)

CONTRAFOGOS 2
Tradutor:
André Telles
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 17 (116 págs.)

MEDITAÇÕES PASCALIANAS
Tradutor:
Sergio Miceli
Editora: Bertrand Brasil (av. Rio Branco, 99, 20º andar, Rio, tel. 0/xx/ 21/2263-2082)
Quanto: R$ 48 (320 págs.)
 

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