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11/02/2002 - 16h59

Ariano Suassuna ganha reedições e lança "obra definitiva" em 2002

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Nobre senhor, bela dama, bravo leitor de norte a sul, abra as pestanas, rufe os tambores de todos os folguedos e espane o pó sertanejo das prateleiras. Depois de mais de 25 anos, a literatura brasileira vê mover-se novamente uma de suas pedras angulares. Aos 74 anos, Ariano Suassuna está de volta.

Sem publicar nada em editoras grandes desde que lançou "Farsa da Boa Preguiça", em 1974, o romancista, dramaturgo, poeta e ilustrador "paraibo-pernambucano" volta à carga em 2002.

E por que diabos notícia de tal magnitude numa segunda-feira de Carnaval? Pois não é que um dos mais ferrenhos defensores das festas populares nordestinas, do maracatu rural, bumba-meu-boi e cavalo-marinho, vai estar sobre um carro alegórico da Marquês de Sapucaí, na noite de hoje?

"Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna" é o enredo da Império Serrano, que desfila por volta das 23h de hoje no Carnaval do Rio de Janeiro, com a presença do escritor e de sua mulher, Zélia.

"Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta", considerado por muitos a principal obra do escritor, lançada em 1971, é a base do samba da escola carioca e também o nutriente principal do que pode ser o primeiro grande lançamento editorial brasileiro do século 21.

Em entrevista na espaçosa casa do século 19 na qual vive há 40 anos, Suassuna disse à Folha que finalmente conclui o misterioso livro que vem fazendo desde 1981.

A obra, da qual "A Pedra do Reino" será uma das partes, vai mesclar em um romance: a) elementos do teatro de Suassuna; b) ilustrações feitas por ele em técnica de gravura chamada estilogravura; c) poesias inéditas do autor feitas ao longo de sua carreira; d) um tipo de letra desenvolvida por ele mesmo, a tipografia armorial, à partir de letras usadas para marcar gados no sertão nordestino; e) referências a "Os Sertões", de Euclydes da Cunha, de 1902.

É por conta desse último item, o centenário da obra-prima de Euclydes (que Suassuna insiste que se grafe com "y", do mesmo modo que o próprio autor o fazia; "imagine só que desgraça se escrevessem seu nome 'Caciano", brinca), que o escritor garante que seu romance sai este ano.

Muito afeito a homenagens em datas específicas, o autor, que começou "A Pedra do Reino" no dia do aniversário de sua mulher e terminou na data da morte de seu pai, afirma que não perderá a chance de celebrar seu "mestre" Euclydes da Cunha.

O livro, que ainda não tem título ("não batizo a criança antes de ela nascer", disse à Folha) e que deve ter "não poucos volumes", sairá com o selo José Olympio, o mesmo pelo qual Suassuna lançou a maior parte de sua obra.

A prestigiada casa editorial, que andava mal das pernas há tempos, foi comprada no final do ano passado pela editora Record e com a recontratação do poeta-romancista-dramaturgo dá sinais de qual pretende ser sua nova forma de atuação.

"Este é só o começo. É a letra 'a', de Ariano. A José Olympio vai voltar a ser a casa do grande escritor brasileiro", diz a editora do selo, Maria Amélia Mello.

E, enquanto o escritor não entrega o romance (o centenário de "Sertões" é só em dezembro, uma boa pista de quando deve sair o livro), Maria Amélia anuncia um pacote de quatro peças de Suassuna, todas esgotadas há longa data. Até abril devem ser relançadas "O Santo e a Porca" e "O Casamento Suspeitoso". Em seguida, vem aí "Farsa da Boa Preguiça".

"É minha peça predileta. Tem algumas coisas dela de que eu gosto muito. Por exemplo, de que ela é toda escrita em versos", diz Suassuna, lembrando que respeita o povo, que prefere seu "Auto da Compadecida" (único título, junto com "A Pena e a Lei", que pode ser encontrado com alguma facilidade nas livrarias, em edição da Agir), já adaptado com sucesso ao cinema e à televisão.

Única obra que fez antes de "Compadecida", "Uma Mulher Vestida de Sol", completa a primeira rodada de relançamentos da José Olympio.

Nesse caso se poderia quase dizer lançamento. Escrita no final dos anos 40, a primeira obra suassunense só teve uma edição, impressa no Recife e de apenas "uns 500 exemplares".

É essa peça que vem dividindo com o novo romance os trabalhos do autor. Nos intervalos da feitura da grande obra ele está reescrevendo o primeiro trabalho dramatúrgico.

Sempre pelas manhãs. Suassuna trabalha na luz natural e segue o mesmo ritual: começa com caneta e papel, digita na máquina de escrever da década de 40 ("ela é velha que só", diz, enquanto combina com o filho Alexandre a visita a uma loja de máquinas usadas) e voltar a escrever a mão.

"Meu processo é lento e trabalhoso. Escrevo a mão e tenho prazer de escrever", diz, antes de lançar o "tá entendendo?", com o qual pontua muitas afirmações.

Suassuna não gosta da expressão "time is money". O autor de "Farsa da Boa Preguiça", que aborda "o ócio criativo do poeta", diz que "tempo não é dinheiro, é oportunidade de exercitar a criação da beleza".

Mais tempo está sendo preciso para a criação do romance "secreto" pois nele o autor exercita a criação da prosa, da dramaturgia, da ilustração e da poesia.

Os seus poemas, por exemplo, nunca publicados em grandes tiragens, ele diz que foram todos feitos esperando essa grande obra na qual trabalha.

"Sempre quis que minha poesia aparecesse em um contexto geral. E esse contexto é o romance que estou fazendo. Guardei toda a minha poesia para sair nele", conta com gestos fortes a invadir a camisa vermelho-encarnada.

A admiração, quase adoração, a Euclydes da Cunha também ganhará um vigor que o autor diz que vem colecionando faz tempo. Suassuna, que já trabalhou suas idéias sobre "Os Sertões" em alguns dos artigos semanais que escreveu durante dois anos na Folha, entre 1999 e 2001, conta que acha a revolta de Canudos, tema do livro de Euclydes, o momento mais importante da história do Brasil e que isso estará refletido no novo livro.

"O que houve lá é um fato que se repete com grande frequência na história brasileira. O Brasil real levantou a cabeça e o Brasil oficial foi lá e cortou", expressa, com um gesto engraçado, como quem dá uma de suas aulas-espetáculo (classes esparsas que dá juntando dramatização e ensino).

O momento "palhaço" faz parte. Nas entrevistas, aulas ou mesmo em sua literatura Suassuna não abre mão de imprimir os dois hemisférios que diz ter encontrado no homem: rei e palhaço.

"Quem usa só o hemisfério rei corre o risco de uma excessiva gravidade e até da crueldade", diz o idealizador do chamado movimento armorial, grupo de artistas que desde o início dos anos 70 vem desenvolvendo em diversas áreas culturais a criação de uma arte brasileira erudita baseada nas raízes populares nordestinas.

Rei e palhaço, cantador popular e professor erudito, passista do maracatu ou agora do Carnaval. Cara senhora, gentil senhor, companheiro dadivoso: Ariano Suassuna está de volta.
 

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