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23/02/2002 - 05h02

Ensaio viaja com surrealismo na América

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

Em 1974, o mexicano Octavio Paz reuniu uma série de textos sobre o surrealismo no livro "La Busqueda del Comienzo". Agora, na tentativa de superar o abismo cultural que separa a América hispânica do Brasil, o poeta e ensaísta cearense Floriano Martins inverte o enunciado e lança "O Começo da Busca", livro que mapeia e discute os caminhos dessa vanguarda na América Latina.

O livro traz um ensaio sobre as origens do surrealismo no continente, a partir de 1928, com a fundação da revista "Qué", dirigida pelo argentino Aldo Pellegrini (1903-1973). Depois, segue-se uma antologia destacando autores como o argentino Enrique Molina, os peruanos César Moro e Emilio Adolfo Westphalen, os chilenos Enrique Gómez-Correa e Ludwig Zeller, o colombiano Raúl Henao, o mexicano Octavio Paz, os venezuelanos Juan Sánchez Peláez e Juan Calzadilla e os brasileiros Sérgio Lima e Roberto Piva.

Leia abaixo trechos da entrevista que Martins, diretor da revista virtual de literatura "Agulha" (www.revista.agulha.nom.br), concedeu à Folha.

Folha - Você inicia o livro pedindo que o leitor dirija um olhar "sem preconceitos" para o surrealismo hispano-americano e que não trate a questão como simples reflexo da vanguarda européia. Por que acha importante fazer essas ressalvas?
Floriano Martins -
A Europa dos anos 20 via no surrealismo uma forma de situação-limite, o encerramento de algo, o que diferia do âmbito hispano-americano. O que era conclusão em um lado do Atlântico era expansão no outro. Se pensarmos nos antecedentes que definem a modernidade dessa poesia -e aí cito o chileno Rosamel del Valle, o venezuelano José Antonio Ramos Sucre e o peruano José María Eguren-, teremos que buscar uma leitura distinta entre Robert Desnos e Octavio Paz ou André Breton e Enrique Molina. Minha ressalva previne em relação aos lugares-comuns que reduzem o surrealismo a uma condicionante parisiense.

Folha - Você diz que, no Brasil, uma visão positivista, relacionada a uma concepção política da história, impede o diálogo da literatura com o surrealismo. Por quê?
Martins -
O "surrealismo à brasileira" de Murilo Mendes era uma maneira de não ferir a si mesmo e a um ambiente castrador que ele sabia existente no Brasil. País extremamente católico onde o desregramento de sentido proposto por Rimbaud era inaceitável, todas as proposições das vanguardas foram lidas apenas no plano literário. Formas de extravasar limites da realidade foram como que anuladas aqui. Houve um certo casticismo da linguagem poética firmado e continuado ao longo dos anos. Se pensarmos em parnasianismo, concretismo e essa diluição pós-qualquer coisa que se tem hoje em dia, tudo se encaixa. Não entendo o assombro da crítica, concordante ou não.

Folha - Acha correto dizer que o princípio do surrealismo latino-americano deu-se na Argentina, Chile e Peru e que o Brasil só o conheceria algum tempo depois? Por que esses países ofereciam um cenário mais propício?
Martins -
O surrealismo implica atividade grupal e individual, como já disse Octavio Paz. Tua indagação requer um largo ensaio a respeito. Se observarmos bem, havia uma continuidade na experiência do barroco e do simbolismo na América hispânica que no Brasil fora cerceada. Nossa entrada na modernidade foi caótica. Como seguimos sem abrir diálogo com qualquer outro ambiente cultural, uma presunção retórica nos encastela em nós mesmos.

Folha - Por que você acredita que uma interpretação tradicional que liga o surrealismo brasileiro apenas à figura de Murilo Mendes contribui para uma visão excludente sobre o movimento por aqui?
Martins -
Essa limitação se baseia na afirmação de Murilo em torno de "um surrealismo à brasileira". Foi usada e abusada pela crítica no sentido de restringir a atuação do surrealismo no Brasil. Muitas vezes serviu de pano de fundo para ocultar a própria importância de Murilo em nossa poesia, como no caso da rejeição injustificável que tem a este poeta um crítico como Wilson Martins.

Folha - Qual foi a importância de Blaise Cendrars para os poetas do período que você estuda?
Martins -
Blaise Cendrars bem poderia ter sido um elo de ligação entre nosso modernismo e o surrealismo, pois graças a ele Oswald de Andrade e Paulo Prado tomaram conhecimento de autores como Breton, Picabia, Soupault, sem esquecer que Tarsila do Amaral foi apresentada a Breton justamente por ele. Cendrars possuía certo encantamento em relação à América Latina. Tinha uma entranhável circulação entre cubistas e surrealistas. Por vezes conversou com Oswald acerca dos riscos do modernismo incorrer em um situacionismo, de cair em uma oficialidade, de perder a condição transgressora.



O COMEÇO DA BUSCA - O SURREALISMO NA POESIA DA AMÉRICA LATINA
De:
Floriano Martins
Editora: Escrituras (coleção Ensaios Transversais). Primeira edição, 2002
Quanto: R$ 13 (288 págs.)
 

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