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02/03/2002 - 05h02

Fernanda Montenegro expõe a delicadeza

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

"Não tem espetáculo: é uma mesa, uma luzinha e a cara e a coragem", resume Fernanda Montenegro.

Celebrada pela interpretação de dramaturgos como Nelson Rodrigues, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, Eugene O'Neil, Friedrich Dürrenmatt, Bernard Shaw e Samuel Beckett, a atriz experimenta subir ao palco despida da máscara teatral.

Tampouco versará sobre o ofício para platéias formadas em sua maioria por estudantes de artes cênicas, como o faz de quando em quando, Brasil adentro.

"Encontros com Fernanda" coloca em primeiro plano a mulher. Sintomaticamente, o projeto do Centro Cultural Banco do Brasil tem previsão de estréia em São Paulo no próximo 8 de março, Dia da Mulher.

"Com mais de 50 anos em campo, carrego comigo uma platéia formada por pessoas de 80 a 15 anos. Chegou a hora de falar com essa gente, de conversarmos sem a interferência de um personagem, de um espetáculo", diz Montenegro, 71.

Para tanta exposição, ela ao menos irá se municiar de trechos de obras de Clarice Lispector ("A Descoberta do Mundo"), Hilda Hilst ("Do Amor") e Cornélio Pena ("A Menina Morta").

"Há algo de intrinsecamente feminino nesses autores, e citaria ainda Cecília Meireles, Marguerite Duras, por exemplo. Sempre os releio, estão sempre à mão, pois nos alimentam diante de perguntas e crises", afirma.
Além da âncora poética, a atriz pretende trazer para o encontro o tema da delicadeza, espécie de contraponto à voga da incerteza.

"Delicadeza é uma invenção do homem. A natureza não é delicada. Só sobrevive aquele que consegue ter mais resistência e força. As espécies são perpetuadas pelo mais forte. O esperma que for mais esperto chegará ao óvulo. A natureza mata para viver, compreende?"

Sim, e a conversa ao telefone, São Paulo-Rio, torna-se ela mesma um "Encontro com Fernanda", apesar da impossibilidade da ternura do olhar.

A atriz observa que não se deve associar delicadeza a sentimentos de segunda classe, misto de debilidade, de efeminado, de timidez, como se convencionou rotular por aí. Delicadeza assim é "doença", diagnostica.

No dicionário "Aurélio", o substantivo vem emendado por sinônimos como "brandura", "sensibilidade", "sagacidade", "perfeição", "escrúpulo", "cortesia", "mimo" e "embaraço", o que dá a medida das margens de compreensão.

E delicadeza não tem sexo, é bom que se lembre. Apesar da propensão ao universo feminino, como a própria intérprete mostrou em seu espetáculo solo "Dona Doida, Um Interlúdio" (87), sobre poemas da escritora mineira Adélia Prado, é qualidade afeita à identidade masculina.

Em seu novo projeto, Montenegro resgata tema no qual se debruçou em 99, quando convidada a participar do seminário "A Era da Delicadeza", promovido pela Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro. Então, dividiu a mesa "Amor e Criação" com o dramaturgo Alcione Araújo e com a jornalista Regina Zappa.

Na sua concepção, há muita resistência em ser delicado nos dias de hoje. A sobrevivência cotidiana, afetiva, emocional, material (como nas leis da natureza), a imposição da competitividade em todos os campos, tudo contribui para tornar a delicadeza um exercício de perseverança.

Apesar da sustentável leveza de ser do tema, Montenegro não quer perder de vista a objetividade nos encontros.

"Não pretendo mudar nada do relacionamento humano, nem esclarecer nenhuma zona que até hoje não tenha sido esclarecida, nem propor uma nova linguagem. A conversa será mais embaixo, lá no subterrâneo, não nas alturas, apesar de jamais perder o seu sentido humano", afirma.

Montenegro retoma parceria com o cenógrafo J.C. Serroni, que vem desde 95, em "Dias Felizes", de Beckett, e passou pela exposição itinerante que comemora seus 50 anos de carreira (2000) e pela última montagem teatral, "Alta Sociedade" (2001), de Mauro Rasi, que não teve temporada em São Paulo.

Serroni, 51, criou uma ambientação cênica despojada, na qual a principal referência é a plotagem (telão) ao fundo, que trabalha graficamente a palavra "delicadeza" manuscrita. Mais uma mesa, uma cadeira, um tapete, e só. "Nada que concorra com Fernanda, mas a ampare", diz.

Apesar da bagagem artística, que se estende à televisão e ao cinema, e da personalidade pública que não deixa de comentar e interagir com a chamada sociedade civil em que está inserida, Montenegro assume a expectativa de se disponibilizar para um encontro franco com seu público.

"O frio na barriga nos acompanha em qualquer hora da vida. Ao acordar, mesmo aparentemente tranquilo, você tem um dia para enfrentar, há um ligeiro "frisson". No final do dia, há o estresse, a carga diária de quem mora numa grande cidade e tem que lidar com o descompasso. Ou seja, o frio na barriga não é maior ou menor do que aquele que precede o dormir e o acordar", compara a atriz, que pertence à geração formada por encenadores como os italianos Gianni Ratto, Ruggero Jacobbi, Alberto d'Aversa, o polonês Zbigniew Ziembinski e a atriz francesa Henriette Morineau.

"Obrigado pela paciência", despede-se Fernanda Montenegro ao telefone, como se demandasse ao interlocutor algum esforço, menor que fosse, em meia hora de delicadeza sem fim.




ENCONTROS COM FERNANDA
Concepção:
Fernanda Montenegro
Quando: estréia dia 8/3, às 18h30; sex., às 18h30; sáb., às 17h30 e 19h30; dom., às 18h30
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil -teatro (r. Álvares Penteado, 112, centro, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quanto: R$ 15. Até 7/4.
 

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