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12/03/2002 - 04h28

Bósnio Danis Tanovic fala sobre guerra e sua indicação ao Oscar

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LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
da Folha de S.Paulo

Nada mudou no mundo pós-11 de setembro. Pelo menos não no mundo visto pelos olhos do cineasta Danis Tanovic. Bósnio, 33 anos, sua preocupação sempre foi a realidade em seu país. "Há dez anos faço documentários em curtas. Meu anterior, "Awakening" [Despertar], também teve essa temática. Minha vida sempre vai girar em torno disso", conta do celular, indo para casa, na França.

Sua estréia na direção de um longa de ficção, "Terra de Ninguém", já rendeu muitos frutos transmutados em prêmios, entre eles, o de melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro e o de melhor roteiro em Cannes. Foi também um dos escolhidos pelo público na 25ª Mostra BR de Cinema de São Paulo, em outubro último. Agora corre atrás de uma estatueta dourada, na cerimônia do Oscar, no dia 24 de março.

"Terra de Ninguém" mostra um encontro inusitado: um soldado bósnio e outro sérvio, de lados opostos no conflito, têm de se refugiar na mesma trincheira. Leia a seguir entrevista do diretor, em que ele fala sobre sua indicação ao Oscar e a situação atual na Bósnia.

Folha - O que você achou de ter sido indicado ao Oscar? É a primeira indicação da Bósnia?
Danis Tanovic -
Sim, se formos considerar as indicações como um país independente, mas já tínhamos recebido outras quando éramos parte da Iugoslávia. Estou feliz e orgulhoso com isso.

Folha - E quais as chances de seu filme na disputa?
Tanovic -
Sinceramente eu não sei. Eu não vi nenhum dos outros concorrentes, só "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain". Ouvi dizer que o competidor argentino é muito bom. Mas não saberia dizer. E, mesmo que eu tivesse assistido a todos, quem sabe? Algumas pessoas dizem que é tudo determinado pelo dinheiro, mas aí você vê filmes que não têm nada a ver com dinheiro ganharem prêmios... E outros bons que não ganham nada... É tudo especulação.

Folha - O que achou de "Amélie"?
Tanovic -
É um filme fofo e teve muito sucesso. Mas eu não conseguiria compará-lo com o meu filme, por exemplo. Eles não têm nada a ver. Dizem que "Amélie" está liderando as apostas no Oscar, mas também disseram isso no Globo de Ouro e veja o que aconteceu: nós ganhamos.

Folha - Acha que ter sido premiado com o Globo de Ouro melhorou a carreira do filme?
Tanovic -
Francamente, não. Acho que isso só melhorou a minha carreira [risos].

Folha - "Terra de Ninguém" fala sobre guerra e intolerância. O que você acha de ele ser exibido após os ataques de 11 de setembro?
Tanovic -
Eu não acho que o mundo tenha mudado nada após os ataques. Está tudo a mesma coisa. Apenas a América foi atingida. Se você olhar em volta, você verá que há muitos países que vivem em guerra, com miséria e ataques terroristas, há muito tempo. Acontece que, quando você passa por uma guerra como nós passamos na Bósnia, isso abre seus olhos e você começa a olhar para o mundo de um jeito diferente. É terrível o que aconteceu com as pessoas nos EUA, não acho que exista uma palavra para esse tipo de horror, mas aos meus olhos nada mudou. O terrorismo precisa ser detido, não é aceitável.

Folha - Como você vê a situação na Bósnia hoje?
Tanovic -
Está péssima. Só vai melhorar se colocarem os criminosos de guerra na cadeia. Nosso país foi construído em bases que não são saudáveis. Com essas pessoas em liberdade, não há jeito de haver paz. Como você vai reconstruir um país assim? É como tentar reconstruir a Alemanha com os generais de Hitler no poder.

Folha - E foi isso que você tentou mostrar no seu filme?
Tanovic -
Não necessariamente [risos". Meu filme é uma simples história de dois caras que estão em linhas inimigas. Não dá para dizer tudo num só filme.

Folha - Os dois personagens são bem parecidos, apesar de estarem em lados opostos...
Tanovic -
Você é brasileira, certo? Acha que é muito diferente dos bósnios? Todas as pessoas são iguais, aí é que está. Você pode ir a qualquer lugar do globo terrestre e vai encontrar os mesmos tipos. Japão e Estados Unidos já foram grandes inimigos. Há culturas e visões diferentes de certas coisas, mas no fundo eles são iguais, inimizades não importam.

Folha - Em seu filme, há uma grande dose crítica com relação às Nações Unidas...
Tanovic -
O que eles fizeram é uma das coisas mais tristes do filme e tudo que está lá foi verdade. Eles fizeram um grande circo durante o conflito, mas nada de concreto. Foi uma crítica, porque não acredito em neutralidade. Você pode dizer que não liga, que não quer fazer nada a respeito, mas não diga que vai ficar neutro. Isso é fazer nada. E o que eles disseram foi que não podiam fazer nada porque eram neutros. Besteira.

Folha - Por que você escolheu não usar violência em seu filme, apesar de estar retratando uma guerra?
Tanovic -
O que traria de bom para você ver um estômago aberto, com as tripas para fora? Eu já vi isso algumas vezes e não fiquei mais esperto por causa disso. As pessoas sabem que a guerra é uma coisa terrível. Para que eu colocaria isso em destaque? Não gosto de usar violência por violência. Mostro o mínimo possível. Gosto de produzir emoções, mas ver um homem sem pernas não faz parte do que quero mostrar. Explodir coisas é fácil, mas não me satisfaz.

Folha - Qual é a responsabilidade da mídia na guerra?
Tanovic -
Há coisas boas e más. A imprensa proporcionou ao mundo ver o que acontecia na Bósnia. Mas, por outro lado, há tantas guerras na mídia, que as pessoas passam a não se importar. O que sabemos sobre o que acontece no Congo, em Burundi?

Folha - Como foi a produção? Há muitos países que ajudaram a co-produzir "Terra de Ninguém".
Tanovic -
Quando você faz o seu primeiro filme e é sobre a realidade na Bósnia, as pessoas não querem arriscar muito dinheiro nele. Então encontramos muitas pessoas que colocaram um pouquinho cada uma. E funcionou.
 

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