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20/07/2000 - 04h17

Ópera leva Gerald Thomas ao instinto

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VALMIR SANTOS, da Folha de S.Paulo

Urra-se muito em uma das cenas de "N x W", Nietzsche versus Wagner. Apesar de ser uma "pocket opera" (ópera econômica, de menor porte, sem orquestra no fosso, por exemplo), os atores não possuem técnica de canto lírico e berram à vontade durante cerca de cinco minutos. Essa passagem diz muito sobre a nova montagem de Gerald Thomas, que estréia hoje em São Paulo.

O encenador afirma que é seu trabalho mais instintivo, sem compromisso com grandes teses. Associa ao título pilares da cultura ocidental, o filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), cujo centenário de morte é lembrado este ano, e o compositor Richard Wagner (1813-1883), ambos alemães, mas nem por isso vai a fundo no seu legado intelectual.

Tampouco transforma os dois em personagens ou se concentra na relação que transitou da mútua admiração à ruptura ideológica. Nietzsche, que via em Wagner "um revolucionário do drama musical", ficou decepcionado por causa da sua inclinação ao pessimismo, influenciado pela filosofia de Schopenhauer (1788-1860).

"Nietzsche acusava Wagner de manipular, de ser um vírus que despertava emoções extremas, mas não percebeu que o compositor já embutia na ópera "Tristão e Isolda" a nota atonal (dá predominância ao ritmo e emancipa a dissonância), que depois Schoenberg usaria para criar todo o vocabulário dodecafônico do século 20", diz Thomas, 45.

"N x W" colhe as faíscas desse atrito -"Brutus contra Júlio César", ironiza o diretor- para discutir os tempos que correm. "O espetáculo não traz a estrutura convencional de uma ópera, recitativa, mas tem a ver com o gênero dentro do que representa o universo moderno ou contemporâneo", afirma. "Tem a ver com a evasão dos valores críticos, como observou Nietzsche; com o mundo fashion e com o faz-de-conta-que-estou-feliz da mídia".

A questão anti-semita, esta sim, é explicitada. Mesmo morrendo décadas antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Nietzsche e Wagner tiveram suas obras de certa forma apropriadas por ideólogos de Hitler.

Na verdade, "N x W" configura-se como um prolongamento da ópera "Tristão e Isolda", que Thomas montou no final de 1996, em Weimar, na Alemanha.

"Havia piquetes do lado de fora. Tanto os judeus quanto os simpatizantes do nazismo achavam que era ridículo um judeu dirigir Wagner", lembra o carioca filho de mãe inglesa e pai alemão.

O cenário de "N x W", concebido pelo próprio Thomas, prioriza os espaços vazios. Há uma pedra bruta num canto, um filó (tela transparente) subdividindo algumas cenas e uma presença marcante da luz, tudo para evocar uma espécie de prisão.

"O palco pode ser lido como um campo de refugiados que são forçados a acompanhar os tempos modernos na passarela", diz.

Compositor croata

Avesso a histórias lineares, Thomas cita em cena, como premissa, a lenda medieval de "Tristão e Isolda", uma tragédia sobre o amor imortal que foi transformada em ópera por Wagner.

Os refugiados são esses Tristãos e Isoldas que desfilam pelo palco. Os personagens surgem com mais ênfase na ária "Liebestod", o solo no qual Wagner traduz o momento em que Isolda toma Tristão nos braços, morto.

Aqui, o encenador provoca mais um estranhamento: troca a soprano (voz feminina mais aguda) da ária original por um barítono (voz média entre o tenor e o baixo). Paulo Szot, 31, não imaginava interpretar o solo de Isolda em sua carreira. "É uma proposta ousada e desafiadora", diz.

A música, claro, é vital em "N x W". São executados trechos da partitura original de Wagner, adaptados pelo pianista Marcelo de Jesus, além de composições criadas por Arrigo Barnabé e pelo croata Borut Krzisnik, que conheceu Thomas em 1999, durante a participação de "Nowhere Man" no Festival Internacional de Teatro de Zagreb, na Croácia.

Em entrevista à Folha, por e-mail, Krzisnik afirma que, ao ver a peça de Thomas sem som, "ouviu música". "Finalmente, poderei "ver" com o que minha música se parece", afirma Krzisnik, 39. Ele acompanhará a estréia em SP.

"Esse cara vai enterrar muita gente, e olha que já trabalhei com o compositor norte-americano Philip Glass", compara Thomas. Antes, porém, ele conheceu o talento de Krzisnik para a carpintaria de cenário em "Nowhere Man". De volta ao Brasil, surpreendeu-se com a qualidade do CD que o músico enviou com as composições para "N x W".

O figurino é do estilista Walter Rodrigues. O artista plástico Guto Lacaz assina os objetos de cena.

Thomas encenou 18 óperas, a maioria delas no exterior. A primeira, "O Navio Fantasma", montada no Rio em 1987, não por acaso era de Wagner.

Quando encontra liberdade para driblar as estruturas rígidas do gênero com o qual batizou sua Cia. de Ópera Seca -como agora, no projeto Pocket Opera do Sesc Ipiranga-, ele diz "se expressar melhor como um compositor que dirige do que como um dramaturgo que também dirige".

Espetáculo: N x W
Concepção e direção: Gerald Thomas
Com: Cia. de Ópera Seca (Amadeo Lamounier, Bruce Gomlevsky, Dominic Barter, Marcelo Boschar e outros)
Quando: estréia hoje, às 21h; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h. Até 6/8
Onde: Sesc Ipiranga - teatro (r. Bom Pastor, 822, tel. 0/xx/11/3340-2000)
Quanto: R$ 12

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