Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
19/03/2002 - 03h02

Edusp lança "O Diabo Solto em Moscou" do russo Bulgákov

Publicidade

IRINEU FRANCO PERPETUO
free-lance para a Folha

Ele foi médico, monarquista, viciado em morfina, casado três vezes, jogava bilhar com Maiakóvski e recebia telefonemas de Stálin: figura emblemática da literatura soviética de sua época, Mikhail Bulgákov (1891-1940) tem alguns de seus escritos publicados pela primeira vez em português.

A Edusp é responsável pelo lançamento, no Brasil, de "O Diabo Solto em Moscou", calhamaço com duas metades: a primeira, "A Vida do Senhor Bulgákov", é uma biografia do autor por Homero Freitas de Andrade, professor de Literatura Russa na FFLCH-USP (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo).

Na segunda parte do livro, Andrade traduz para o português uma antologia de contos e novelas de Bulgákov, de 1919 a 1929, em que ele é narrador e personagem, cuja maioria não chegou a ser publicada durante a vida do escritor, e estão reunidos sob o título de "Prosa Autobiográfica".

Até agora, no Brasil, havia disponível apenas, do escritor, sua obra-prima, o delirante romance satírico "O Mestre e Margarida" (Ed. Ars Poetica, 1992), que ele escreveu de 1928 até o ano de sua morte (1940). Inspirado não apenas no "Fausto" de Goethe, mas também no de Gounod (era sua ópera favorita), o livro foi publicado pela primeira vez na ex-URSS apenas em 1966.

Não foi um caso isolado. Implacavelmente censurado em vida devido ao teor mordazmente satírico de suas obras, Bulgákov só começou a ser realmente redescoberto a partir da "glasnost" de Mikhail Gorbatchov um processo relatado em livros como "La Parole Ressuscitée dans les Archives Littéraires du KGB" ("A palavra ressuscitada nos arquivos literários da KGB"), de Vitali Chentalinsky (Ed. Robert Lafond, 1993), e "Os Escombros e o Mito - A Cultura e o Fim da União Soviética", de Boris Schnaiderman (Companhia das Letras, 1997).

"A minha biografia do Bulgákov é a primeira e única a sair por aqui. Também não conheço nenhuma outra que tenha sido escrita e publicada por estudioso não russo", diz Andrade. "Os contos e novelas também estão sendo publicados pela primeira vez em tradução para o português. Alguns deles estão sendo publicados pela primeira vez em tradução."

"Mesmo em russo, ainda não se publicou tudo que Bulgákov escreveu. Seus "Diários" ainda não foram publicados na íntegra, o mesmo acontece com sua correspondência", conta o tradutor, que deve publicar em breve, pela Ateliê Editorial, novelas satíricas do escritor, acompanhadas de um ensaio analítico. "Vez ou outra, revistas literárias russas trazem crônicas suas que tinham sido dadas como perdidas. Há coisa de dois anos, foi encontrada uma versão da peça "Os Filhos do Mulá", escrita no Cáucaso antes da década de 20."

Nascido em Kiev (Ucrânia), Mikhail Afanássievitch Bulgákov foi médico de aldeia e chegou a servir na 1ª Guerra Mundial e na guerra civil que se seguiu à Revolução Russa no Exército Branco, ou seja, contra os bolcheviques.

Renunciou à medicina pela literatura, chegando, em 1921, a uma Moscou fervilhante, onde travou conhecimento com vanguardistas como Mandelstam, Meyerhold (a cuja concepção "biomecânica" de teatro Bulgákov se opunha), Pasternak, Akhmátova e Maiakóvski. Embora estivessem em lados opostos -no aspecto político e no estético-, Bulgákov e Maiakóvski se respeitavam muito e eram parceiros no bilhar.

"Nos anos 20, Bulgákov era considerado um "popútchik" (companheiro de viagem), um escritor não engajado mas "simpatizante" dos ideais da Revolução. O termo foi cunhado por Trótski que, diante da indigência dos quadros literários ao fim da guerra civil (1918-1921), convocou todos os escritores remanescentes -os mais reacionários já tinham morrido ou emigrado- a colaborar para o estabelecimento de um padrão de excelência para a literatura soviética em formação", explica Andrade.

Mas, depois da morte de Lênin (1924), o quadro mudou, especialmente com a consolidação do poder absoluto de Stálin. "A perseguição a Bulgákov começou em 1926, com uma revista à casa do escritor, em que foram apreendidos textos de ficção e os seus "Diários". Depois disso, ele não conseguiu publicar mais nada, embora suas peças continuassem a ser representadas de vez em quando. Ele era xingado na imprensa soviética, na qual os críticos se esforçavam para desacreditá-lo como escritor e dramaturgo", afirma.

Desesperado, Bulgákov escreve, em 1930, uma carta longa e veemente a Stálin. Surpresa: o homem-forte do regime soviético telefona ao autor, oferecendo-lhe o cargo de encenador do Teatro de Arte, onde tem a oportunidade de trabalhar com um sexagenário Stanislavski.

Mas o indomável Bulgákov continua o satirista de sempre, seguindo, portanto, a ter dificuldades em ser encenado e publicado. Já no fim da vida, escreve a peça "Batum", sobre o jovem Stálin, pretendendo com isso ser reabilitado, mas o texto desagrada o líder soviético, liquidando as pretensões de seu autor. Vítima de nefroesclerose, Bulgákov morre em 1940, aos 48 anos de idade.

Andrade não hesita em qualificar o autor como "profeta do apocalipse soviético". "Nas novelas satíricas "Os Ovos Fatais" e "Um Coração de Cachorro", escritas em meados da década de 20, o darwinista Bulgákov mostrava, por meio de alegorias contundentes, que a experiência soviética iria dar com os burros n'água, porque não se respeitavam as leis básicas do desenvolvimento e da evolução humana. Esse epíteto traduzia também um sentimento do povo russo na década de 90, ao tomar contato com a obra do escritor".


Leia a nossa opinião sobre o livro na Crítica Online
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página