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22/03/2002 - 04h06

Vergueiro vive Coragem, peça de Bertolt Brecht

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Um tanto de Hécuba, a desalentada rainha da tragédia grega "As Troianas", de Eurípides, que clama sua miséria diante do destino. E outro tanto de Nanã Buruquê, a mais temida de todos os orixás na mitologia africana, associada à maternidade, mas também à morte.

Universos aparentemente distintos ajudam Maria Alice Vergueiro a conceber sua personagem-título em "Mãe Coragem e Seus Filhos", a peça do alemão Bertolt Brecht que ganha nova montagem brasileira após 40 anos, sob direção de Sérgio Ferrara (a produção de 1960, com Lélia Abramo, foi dirigida por Alberto D'Aversa).

A estréia acontece hoje, segundo dia do 11º Festival de Teatro de Curitiba, na Mostra Oficial.

Para Vergueiro, 66, Coragem é uma mulher do povo. Age ao sabor do aqui e do agora para prover a mesa.

Como um ambulante contemporâneo, ela usa uma carroça para vender comida a soldados em guerra. Guerra que, para ela, é negócio como outro qualquer, como o seu ganha-pão.

Brecht (1898-1956) situa a peça na Guerra dos Tinha Anos, que ocorreu no século 17 e envolveu católicos e protestantes da Suécia, Polônia e Alemanha.

Os filhos de Coragem entram para o exército protestante. Com a chegada dos católicos, ela muda de lado. Os filhos são mortos no conflito bélico-religioso. A filha, muda, também é assassinada.

Entre os acontecimentos de fundo histórico e as tragédias pessoais, a personagem de Vergueiro mantém a sua carroça (e negócio) em marcha.

É, talvez, a menos revolucionária das mães de Brecht. Vide Pelágia em "A Mãe" e Carrar em "Os Fuzis da Senhora Carrar", esta última já interpretada pela atriz.

"Como anti-heroína, Coragem não tem aquela postura imanente das mulheres, mas sim a impetuosidade masculina. Sai, vai à luta, locomove-se. Ela é muito animal, atávica, preocupada em cuidar da cria", afirma a atriz.

Maria Alice Vergueiro completa 40 anos de carreira este ano, quando também comemora os 25 anos do Ornitorrinco. A atriz ajudou a fundar o grupo em 77, ao lado de Cacá Rosset e Luiz Roberto Galizia.

Ferrara resgatou textos "esquecidos" de Plínio Marcos como "Barrela" e "Abajur Lilás", peças que não eram montadas há 40 e 20 anos, respectivamente. Ele identifica em Coragem a sintonia com os personagens do dramaturgo santista.

Há em comum a sobrevivência a qualquer custo, mesmo quando se despenca do abismo. "Adoro personagens diante do abismo. Se eles realmente se jogam, é porque também buscam uma possibilidade de luz", diz Ferrara, 34.

O diretor recorre a uma definição do pesquisador Gerd Borheim, especialista em Brecht, para quem "Mãe Coragem" (a nova produção agregou "e Seus Filhos" ao título) é sustentada pelo seguinte tripé: a mãe, a carroça e a guerra. Também lhe interessa o conceito de peregrinação dos personagens em um mundo caótico, seja ele atual ou de séculos atrás.

Segundo ele, Brecht alia crítica social e reflexão. "O público tem de parar de ir ao teatro em busca da empatia com os personagens. Acomodarmo-nos ao sentimento humano não é confortável, ao contrário, os verdadeiros sentimentos humanos são transgressores", afirma o diretor.

Distanciamento
Ferrara diz que visita Brecht com distanciamento. "O bom de ter de montá-lo é que não o respeito tanto. Só é possível contribuir com o dramaturgo quando se caminha ao seu lado, não atrás dele, tomando-o por ícone."
Contracenam com Vergueiro, entre outros, José Rubens Chachá, Luciano Chirolli, Rubens Caribé, Mariana Muniz, Beatriz Tratemberg e Sérvulo Augusto.

J.C. Serroni assina a cenografia, David de Brito, a iluminação, e Leopoldo Pacheco e Marco Lima, os figurinos.

A direção musical é de Miguel Briamonte e Abel Rocha, cujas composições dialogam com as nove canções originais de Paul Dessau, parceiro de Brecht. "Mãe Coragem" foi traduzida por Alberto Guzik.
 

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