Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
07/04/2002 - 09h01

Estereotipar homossexualidade na TV começa a perder terreno

Publicidade

FERNANDA DANNEMANN
da Folha de S.Paulo

Quando Rogério Munhoz, 26, professor de filosofia e história da rede pública em São Paulo, assumiu sua homossexualidade no programa "20 e Poucos Anos", da MTV, em julho do ano passado, não imaginava as consequências. "Assumi por causa do preconceito dos outros participantes. Mas não faria de novo, fiquei muito exposto. Não imaginava o alcance da TV. Quem não viu ficou sabendo, porque as pessoas comentam. Perdi até amigos de infância", diz.

Dizendo-se magoada com o falatório em torno de sua sexualidade por causa das carícias trocadas com a guitarrista Syang em "Casa dos Artistas", a apresentadora Mariana Kupfer diz que agora tomará mais cuidado. "Quem me conhece sabe que não sou lésbica. Sou carinhosa, e não vou mudar. Mas aprendi que, se espirrar, dirão que tenho pneumonia."

Já o ator André Gonçalves, afirmou, no mesmo "reality show", que até hoje sofre preconceito por ter interpretado o homossexual Sandrinho em "A Próxima Vítima" (Globo, 95). Na época da novela, o ator chegou a ser agredido na rua.

Estas três situações comprovam a força da TV na disseminação do preconceito em relação à homossexualidade. Nas duas primeiras, o cenário é a vida real; na terceira, um ator foi castigado pela opção de seu personagem.

Na ficção, inclusive, é que reside a origem do problema, já que o caminho quase sempre escolhido é a caricatura travestida de humor. Na contramão do que geralmente é exibido, José Wilker e Otávio Muller interpretam a elogiada dupla de gays da novela "Desejos de Mulher", da Globo. Wilker festeja seu Ariel. "Quero que as pessoas vejam que eles são legais, felizes e íntegros, e que a opção sexual não deve ser julgada. Há muito tempo não sou tão felicitado por uma novela e não acho que haja preconceito do público." Otávio Muller também é otimista. "Talvez os caretas estejam entendendo melhor esse lance", diz. "O tempo está ajudando as pessoas a raciocinar. A homossexualidade não é da era clubber. Os gregos eram completamente viados." Mas, na vida real, as coisas não são tão simples.

Depois do episódio de Rogério Munhoz, a MTV voltou ao assunto quando cerca de 2.000 pessoas se inscreveram para a edição gay do programa "Fica Comigo", que levou a emissora ao terceiro lugar no ranking de audiência. "Mas a edição lésbica nós não conseguimos fazer, porque as mulheres sempre desistiam na hora", diz Zico Goes, diretor de programação do canal. "Apesar disso não desistimos", afirma.

Estereótipos
Os personagens de Wilker e Otávio talvez agradem por negar o estereótipo que, em geral, os homossexuais têm na TV, muito marcado principalmente pelos programas humorísticos (ver texto ao lado).

Aclamado pela dupla, Dennis Carvalho, diretor da novela, conduz o trabalho "com o maior respeito". Segundo ele, "a TV forma opinião, e temos a obrigação de transmitir o lado saudável da vida. Sou radicalmente contra preconceitos".

A visão de Carvalho, somada à de Gilberto Braga, foi responsável pela repercussão do primeiro casal de lésbicas do horário nobre da TV Globo na novela "Vale Tudo" (88-89). "O povo recebeu bem", diz Braga. "Pegávamos leve porque, infelizmente, o tema ainda é tabu, e carícias poderiam chocar o público. Mas o maior gol foi do Silvio de Abreu, que colocou os personagens de Suzana Vieira e José Wilker aceitando o filho gay", comenta, referindo-se ao mais famoso papel de André Gonçalves.

Para Luiz Mott, professor de antropologia da Universidade Federal da Bahia e presidente do Grupo Gay da Bahia, um exemplo do desrespeito com os gays na TV foram os personagens Edilberto e Uálber, que Diogo Vilela e Luiz Carlos Tourinho interpretaram em "Suave Veneno" (Globo, 1999). "Extremamente caricatos, eles tiveram sucesso junto às senhoras que adoraram ver dois palhacinhos reproduzindo a violência contra as bichinhas. O Edilberto era a empregadinha que apanhava quase todos os dias."

Tourinho defende o personagem alegando que foi eleito o "queridinho" das donas-de-casa por ser prestativo e alegre, e que se apanhava era porque "enchia o saco de todo mundo". Segundo ele, "se a gente não puder usar arquétipos para fazer a sociedade pensar, a dramaturgia perde o sentido".

"As abordagens são pouco inteligentes e cheias de estigmas. Por que somos sempre os anormais?", questiona Beto Jesus, professor de filosofia e teologia e presidente da Associação da Parada do Orgulho Gay de São Paulo. Rogério Munhoz reforça: "A TV veicula o gay efeminado, destruído, sofredor. Não mostra que temos família e somos felizes".

Laura Bacelar, editora da Edições GLS, diz que "o enfoque do gay na TV é tendencioso e parte da desinformação ou da vontade deliberada de fazer o caricato. Afirmar que todos dão gritinhos é o mesmo que dizer que todos os corintianos são raivosos", compara. "Não há o menor interesse pela verdade, o assunto só é abordado porque a curiosidade geral garante a audiência. E há o cuidado com os anunciantes, que impõem seus "limitezinhos" por medo de ofender o público."

Beto Jesus diz que o resultado da estereotipação pode ser trágico. "Por que será que 30 skinheads mataram a pontapés o Edson Néris, em 2000? Eles, com certeza, não nasceram com instinto assassino contra homossexuais. Mas a sociedade alimenta a intolerância através da escola, da falta de política pública e da TV."
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página