Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
27/04/2002 - 04h50

Tomás Eloy Martínez lança no Brasil o premiado "O Vôo da Rainha"

Publicidade

SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

Tomás Eloy Martínez não pode se queixar de falta de assunto. A conturbada realidade política argentina -e a maneira como ela reverbera nos homens e na sociedade- segue fornecendo elementos fantásticos para que ficcionistas talentosos como ele construam bons romances.

Este é o caso de "O Vôo da Rainha", romance que o escritor argentino lança na Bienal do Livro -onde participa do Salão de Idéias no próximo dia 30, às 19h30. A obra é o último volume da coleção Plenos Pecados, da editora Objetiva, e corresponde ao pecado da soberba. Em março, "O Vôo da Rainha" levou o Alfaguara, importante prêmio para autores de língua espanhola.

Trata-se de uma sátira sobre os círculos de poder, a política e a imprensa na Argentina. O protagonista é Camargo, diretor de Redação do imaginário "Diário de Buenos Aires", que está em campanha contra o presidente, envolvido com venda ilegal de armas para o exterior (referência ao que se passou no governo Menem).

Camargo está na casa dos 60 anos, é voyeur e orgulha-se de ostentar o poder que tem em mãos para transformar os rumos do país. É também um homem amargurado pela lembrança de ter sido abandonado pela mãe.

Apaixona-se por uma jornalista, Reina Remis, 30 anos mais nova que ele. Ela o impressiona por sua inteligência na cobertura dos escândalos do governo. Logo sua paixão se transforma em dramática obsessão, que culmina em um crime passional.

Camargo atira em Reina sob um sol forte, numa passagem que traz à memória "O Estrangeiro" (Albert Camus), quando Mersault dá tiros num árabe, com o sol a perturbar sua visão e pensamentos.

"O Vôo da Rainha" começou a ser escrito em 1999, mas levou quase três anos para ficar pronto por causa de problemas pessoais que o autor enfrentou, entre eles a morte da mulher, vítima de um atropelamento em Nova York.

Eloy Martínez, que em seus romances anteriores abordou a relação entre os argentinos e seus mitos nacionais ("Santa Evita", 1996, e "O Romance de Perón", 98), vive hoje em Nova Jersey (EUA) e é diretor do programa de estudos latino-americanos da Universidade Rutgers.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha, por telefone, de Madri.

Folha - A soberba é o mais prolífico dos pecados capitais?
Tomás Eloy Martínez -
Sim, por estar na origem de todos os outros. Antes de os seres humanos existirem sobre a Terra, o demônio se insubordinou contra Deus, por arrogância, porque queria se equiparar a ele. É o único pecado capital que originalmente eram dois: a soberba e o orgulho. Ambos foram reunidos em um por Tomás de Aquino (1225-1274). A única razão pela qual eram considerados em separado até então era a sua periculosidade.

Folha - Você utilizou o contexto da Argentina sob Menem e De La Rúa para abordar os temas do poder e da soberba. O governo Duhalde também lhe ofereceria ingredientes para este romance?
Martínez -
Minha história se passa na Argentina desses dois presidentes, que no livro são anônimos. O presidente que aparece é emblemático. Hoje não acho que exista uma situação de arrogância como no passado, mas sim de humilhação. A Argentina está humilhada. É um país que só pode esperar pela caridade dos outros. De outro modo, não levantaria a cabeça. Hoje os políticos brigam por poder em um país que já não é nada, que está desaparecendo. Estamos humilhados, e os únicos arrogantes são os dirigentes.

Folha - Há um episódio em que esse presidente imaginário, prestes a ser denunciado por desviar dinheiro para o exterior, diz ter visto Jesus Cristo, só para criar uma notícia maior que o escândalo. A idéia era tratar da relação entre os argentinos e seus mitos nacionais, da mesma forma como fez com Perón e Evita em seus livros anteriores?
Martínez -
Antes disso, meu objetivo era mostrar uma estratégia recorrente dos políticos argentinos. Quando cometem algo grave e percebem que isso pode vir à tona, buscam uma forma de distração pública. No livro, para desviar a atenção de tantas pessoas, opta-se por uma visão mística, que terá sucesso por causa da relação quase religiosa que os argentinos têm com certas figuras políticas. Evita e Perón são os mais fortes exemplos disso.

Cada vez que um presidente toma o governo na Argentina, consagra uma virgem ou um santo. De La Rúa entregou o país para a virgem Desatadora de Nós, Menem consagrou a virgem de Luján, e Duhalde, a primeira coisa que fez foi pregar uma imagem da virgem em seu escritório.

Folha - Em uma entrevista recente, você disse: "Todo o mundo tem em alguma parte seu gêmeo, cada história possui uma outra correspondente, que ocorre num outro lugar". Esta é a melhor maneira de definir a relação entre a trama passional de seu livro e o caso Pimenta Neves [ex-diretor de Redação do jornal "O Estado de S. Paulo" que assassinou a namorada, a jornalista Sandra Gomide, em 2000]?
Martínez -
O que sucedeu foi uma coisa extraordinária. Eu tive a idéia do romance em 1999 e já havia escrito mais da metade do livro quando aconteceu o caso Pimenta Neves no Brasil. As coincidências entre a história que eu tinha inventado e a realidade daquele crime me surpreenderam de uma forma tão incrível que decidi incorporá-la à minha ficção. Mas meu livro continuou sendo o que era, uma ficção. Acredito sim que as histórias ocorrem com frequência duas vezes em lugares diferentes. Em todas as diferenças há semelhanças e, em todas as semelhanças, diferenças.

Folha - O tema do homem idoso que se apaixona por uma mulher mais jovem tem muitos exemplos no cinema e na literatura. Você foi influenciado por alguns deles?
Martínez -
É um dos grandes temas mitológicos, acho que o cinema tratou de mitificá-lo ainda mais. Lembro-me de um dos clássicos do cinema alemão dos anos 30, "O Anjo Azul", com Marlene Dietrich e Emil Jannings. A diferença de idade em histórias de amor é um tema muito atraente também quando se dá o inverso, homens mais jovens que se apaixonam por mulheres maduras, como os últimos amantes de Margarite Duras ou de Edith Piaf. Curiosamente, isso sucede muito com as mulheres francesas...

Folha - O que acha de Hugo Chávez? Acha possível compará-lo às figuras autoritárias que marcaram a literatura latino-americana?
Martínez -
Entrevistei Hugo Chávez quando ele tinha só seis meses de governo. A primeira informação que eu recebera é que ele sempre deixava uma cadeira vazia à sua direita, para o fantasma de Simón Bolívar. Para minha surpresa, ele me sentou à sua direita. E eu disse: "Presidente, eu ouvi dizer que aqui se senta Simón Bolívar". Ele respondeu, sério: "Não, Bolívar está aqui ao meu lado", e apontou para a espada de Bolívar, que estava entre nós. Esse episódio para mim é muito emblemático.

Chávez é uma figura autoritária, mas sem experiência, por isso lhe passou o que se passou. Ele não me agrada, mas respeito o fato de que é um presidente eleito. Acho que se parece a muitas figuras autoritárias, em especial a Vargas e a Perón. É menos talentoso que os dois, mas pode-se dizer que é o último resíduo dos autoritarismos dos anos 30 a 50 na América Latina. É um excelente personagem para um romance. Mas deixemos que um autor venezuelano o faça.


O VÔO DA RAINHA
De:
Tomás Eloy Martínez
Tradutor: Sérgio Molina
Editora: Objetiva (Rio, 2002)
Quanto: R$ 27,90 (280 págs.)

Saiba tudo sobre a Bienal do Livro
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página