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07/05/2002 - 09h05

Autor de "O Invasor", Marçal Aquino diz que escreve para "incomodar"

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CARLA NASCIMENTO
da Folha Online

O jornalista Marçal Aquino, 44, parou de fazer reportagens policiais há dez anos, mas a rua e o crime continuam a fazer parte de seus textos, agora na literatura e no cinema, onde já assinou os roteiros de "Os Matadores" e "Ação Entre Amigos", ambos drigidos por Beto Brant.

A dobradinha com Brant se repete em "O Invasor", lançado neste mês nas salas de cinema do país e que já colhe os frutos do sucesso.

Divulgação
O escritor Marçal Aquino
O filme conta a história de dois amigos, donos de uma empreiteira, que contratam um matador de aluguel para matar o terceiro sócio, que se recusa a se corromper para vencer uma concorrência pública. O matador é Anísio (Paulo Miklos). Ivan (Marco Ricca) é o sócio mais retraído que passa a ser perseguido pelo medo da punição pelo assassinato; Gilberto (Giba, vivido por Alexandre Borges) é o sócio menos hipócrita, que não sente remorso e não tem falso moralismo, sendo dono, inclusive, de uma casa de prostituição.

O filme, que foi unanimidade no Festival de Brasília do ano passado, ganhou o prêmio de melhor filme latino-americano no Sundance Festival, foi selecionado para o Festival de Berlim e ganhou sete prêmios no Festival de Recife, chegou na semana passada às livrarias durante a 17ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Apesar de dizer que está querendo saborear o sucesso do filme, Aquino se mostra um escritor compulsivo. No tempo transcorrido entre o convite de Brant para fazer o roteiro, em 1998, e a finalização do filme, em 2001, ele publicou dois livros, "Amor e Outros Objetos Pontiagudos" e "Faroestes", terminou "Cabeça a Prêmio" -uma história de amor impossível entre um matador de aluguel e uma cafetina- e já começou a escrever outra história, segundo ele, também sobre um amor impossível.

Durante a Bienal do Livro de São Paulo, Aquino falou com a Folha Online. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Folha Online- Como foi escrever o livro e o filme ao mesmo tempo?

Marçal Aquino -
Comecei a escrever o livro "O Invasor" em setembro de 1997. Eu escrevi um terço do livro e, em 98, eu mostrei esse texto que existia para o Beto Brant. Ele estava procurando um argumento para o terceiro filme dele. Na verdade, eu nem sabia como o livro acabava. Esse é meu método de trabalho: normalmente eu não sei tudo sobre o livro que eu estou escrevendo, eu vou descobrindo à medida que escrevo.

Folha Online - Você também acredita que, em determinado momento, o personagem que você criou passa a ter vida própria?

Aquino -
Isso é muito comum no meu caso porque eu não sei muito sobre a história. À medida que eu vou escrevendo eu vou me contando essa história.

Folha Online - Mas essa escrita simultânea é difícil...

Aquino -
Eu não fiz os dois ao mesmo tempo. Em 98, começamos a escrever o roteiro e abandonei o livro. No roteiro, foi onde eu vi e resolvi todas as pendências de trama. Eu pensei que não havia razão para escrever um livro sobre o qual eu já sabia tudo. Então, deixei o livro de lado, e, nesse meio tempo, enquanto o filme não saía, eu publiquei dois outros livros ["O Amor e Outros Objetos Pontiagudos" e "Faroestes"] e escrevi um terceiro ["Cabeça a Prêmio"].

Folha Online - E o que o fez voltar atrás?

Aquino -
Quando o Beto rodou o filme começou aquela história de terminar o livro para publicar o roteiro e aí eu voltei para o livro. Foi muito difícil porque eu já sabia tudo sobre o livro. Na verdade, a sensação é de contar uma piada que você já sabe. Foi uma tarefa física muito difícil e eu espero nunca mais repetir essa experiência. Eu quero só escrever livros sobre os quais eu não saiba nada.

Folha Online - Porque dar o personagem-título do filme para alguém que nunca havia atuado antes, como o Paulo Miklos, do Titãs?

Aquino -
O Beto, que escolheu o Paulo Miklos, queria um ator que ninguém conhecesse, estranho realmente. Eu achei muito ousado ele apostar no Paulo, que nunca tinha feito nada. Por ser o personagem principal, era uma aposta de alto risco e acabou dando certo. Ele realmente é uma surpresa, a ponto de, neste momento, já ter convite para fazer o papel principal em "Hotel Atlântico", da Suzana Amaral.

Folha Online - O Anísio, personagem principal do seu livro, é bem diferente fisicamente do Miklos. Você teve que fazer muitas outras mudanças na construção dos personagens ao escrever o roteiro para o filme?

Aquino -
Na hora de fazer o roteiro a gente deu uma mudada no perfil psicológico do Anísio, mas não da forma como iria acontecer com o Paulo Miklos. O Paulo levou isso às últimas consequências. Quem fez toda preparação do Paulo foi o [rapper] Sabotage. Todas as falas do personagem Anísio foram filtradas pelo Sabotage. Eu tinha um personagem definido, que não é aquele que o Miklos faz.

Folha Online - Na sua história há uma interseção de dois mundos completamente separados na realidade: a periferia e a classe média alta. Quem é o invasor de fato?

Aquino -
Eu comecei a pensar no invasor, primeiramente como Anísio, um matador de periferia, que via naquele trabalho, naquela encomenda, a possibilidade de mudar de classe social, de se movimentar na estratificação social. Mas o Giba (Gilberto) também é invasor. O próprio Ivan... o que ele está fazendo naquele negócio se ele é o único inocente, mas nem inocente ele é? Então "O Invasor" tem uma leitura simbólica onde todos são invasores.

Folha Online - E o que o motivou a escrever sobre isso?

Aquino -
A minha preocupação na ocasião estava ligada a uma conversa que eu tive com o presidente de multinacional que me dizia assim: "olha, eu vivo em São Paulo, é uma cidade violentíssima, mas eu não tenho contato com a realidade. Eu não preciso ter contato porque eu vou pra empresa de helicóptero. Os meus filhos saem de carro blindado e com segurança pra escola, então, o que acontece não me interessa". Eu disse a ele que estava enganado. É impossível evitar uma contaminação social em qualquer grande cidade. A empregada do sujeito vinha da periferia, o segurança era um sujeito de periferia. Essa contaminação era uma coisa que eu queria examinar.

Folha Online - No livro, o narrador, o Ivan, morre no final. Porque narrar deste ponto de vista?

Aquino -
Quando eu vou narrar, a história vem daquele jeito. O Ivan morre no fim. Eu não poderia escrever um livro onde o personagem morre no final, mas eu não sabia disso na ocasião. Essa opção é inconsciente. Se eu tivesse narrado na terceira pessoa, isso me permitiria ir a todos os personagens, como a gente fez no roteiro do filme. Mas essa escolha aí vem de algum lugar que eu não sei de onde é.

Folha Online - Em boa parte da sua obra a rua está muito presente. Ela é a pedra de toque do seu trabalho?

Aquino -
A minha literatura vem da rua. Eu sou um sujeito muito interessado na rua. Imagina, eu não dirijo, eu ando a pé.

Folha Online - Você tem medo de dirigir?

Aquino -
Não, é idiossincrasia. Eu gosto de andar a pé. Eu sou andarilho, sou um cara que anda pela cidade olhando. Isso o jornalismo me deu muito, porque é um olhar treinado. É ali que se deflagra o processo da minha ficção. Então, todos os componentes da minha literatura você vai encontrar no real.

Folha Online - A sua história não aponta saídas...

Aquino -
Aí é que está a resposta. Você escreve livros pra incomodar as pessoas, causar desconforto, fazer refletir. Nós estamos falando de uma situação em que não inventamos nada. É possível que o caso de "O Invasor", até com um grau mais agudo de cinismo e violência tenha acontecido de verdade, não há como saber.

A violência hoje, infelizmente, é um componente muito importante da realidade. Se você se propõe a falar da realidade, você obrigatoriamente terá de abordar a violência, assim como todos os temas que aparecem no livro. Na minha opinião eu falo da vida real. Minha ambição é falar do que eu vejo. Pelo menos do que eu vejo de estranho.

Folha Online - A sua intenção era fazer uma crítica social?

Aquino -
Eu não tenho um intenção inicial, deliberada, de fazer uma crítica social. Literatura, para mim, interessa inclusive como experiência estética. Obviamente, ao falar da realidade, você se posiciona, mas não me interessa fazer julgamento. Me interessa expor uma situação a partir da ficção, mas é uma situação que você olha e enxerga no real. Claro que aí está embutida uma questão social. Se você fala de algo, evidencia esse algo, mas não é minha intenção inicial. A crítica social vem à reboque. Ela acaba sendo muito mais importante a partir do momento em que eu sou lido, que eu provoco uma reflexão no leitor.

Folha Online - Você considera os romance policiais mais adaptáveis ao cinema? Existe uma forma de escrever que é mais imagética no romance policial?

Aquino -
No meu caso, por exemplo, o cinema está presente não porque eu trabalho com o cinema. Eu sempre gostei de cinema, então, a narrativa cinematográfica aparece na minha literatura muito mais como influência do que pelo fato de eu lidar com cinema. Agora, o romance policial se presta muito mais à adaptação, mas por uma razão muito simples: ele não obriga que você desça muito a psicologismos. Ele é narrado muito mais no plano da ação, logo, ele é passível de transcrição para o roteiro e para a imagem do cinema.

Folha Online - A impressão que se tem é de que houve um crescimento na oferta da literatura policial feita por escritores brasileiros nos últimos dez anos. É isso mesmo?

Aquino -
Eu noto que, de fato, aparece hoje um interesse muito grande pela literatura policial. Durante muito tempo imperou Rubem Fonseca como o único autor de livro policial no Brasil, até porque o escritor, de certa maneira, evita o texto policial para não ser rotulado, porque é como se fosse subliteratura.

Folha Online - Ainda existe o preconceito contra o gênero?

Aquino -
Existe. As pessoas me cobram. As pessoas me perguntam quando eu vou escrever um romance. Essa preocupação... eu não tenho, eu escrevo o que eu tenho vontade. Eu não vivo de literatura, então eu tenho uma liberdade absoluta na hora de escrever.

Folha Online - Você fez "Os Matadores", também um policial do mesmo diretor, mas que não teve o mesmo sucesso de crítica. Como você vê a carreira de "O Invasor"? Dava para prever todo o sucesso que ele está tendo em festivais?

Aquino -
Não, nós não tínhamos essa condição. Tanto que no Festival de Brasília nós estávamos muito mais nervosos do que excitados porque não sabíamos qual seria a reação do público. Eu tinha a idéia de que era um filme que ia provocar alguma reação, porém, eu não seria capaz de dizer come ele seria recebido pela crítica e pelo público. Eu percebi que ele tinha um potencial muito grande lá em Brasília quando eu vi o público aplaudir em cena aberta a sequência em que aparece o Paulo Miklos e o Sabotage.
 

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