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22/05/2002 - 03h17

Filmes de Cronenberg e Sokurov são exibidos em Cannes

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ALCINO LEITE NETO
da Folha de S. Paulo, em Cannes

O Festival de Cannes recebeu uma propulsão vigorosa ontem com a exibição dos filmes "Spider" (Aranha), de David Cronenberg, e "Russian Ark" (Arca Russa), de Alexander Sokurov.

O filme do canadense é um dos mais bem acabados que ele já realizou. O longa do russo é uma obra-prima. São os dois melhores já mostrados no festival francês, que começou no último dia 14 e divulga as premiações no domingo, dia 26.

David Cronenberg abandonou toda a sua coleção de monstruosidades, mutações físicas e o seu neo-expressionismo futurista, para fazer um filme de época, ambientado na Londres contemporânea e dos anos 50 e onde tudo é narrado de maneira severamente realista.

Um realismo muito próximo do cinema inglês do pós-guerra e que reconstitui também boa parte do vocabulário visual relacionado à vida londrina nos bairros de classe baixa, o burburinho dos pubs, a decoração suburbana e até o gosto grand guignolesco pelos crimes familiares e os enterramentos secretos nos jardins.

O realismo de "Spider" é, porém, uma armadilha, pois não se consegue distinguir direito o plano imaginário do que seria um nível objetivo. A Londres do filme é uma extensão da mente do esquizofrênico.

Cronenberg filma a cidade como uma geografia psíquica. A ambiência antiquada também entra em correspondência com a própria abordagem do filme e os seus simbolismos, no que eles têm do velho freudismo e da mais anacrônica psiquiatria.

Não é possível contar a história do filme sem trapacear bastante com o leitor. Trapaceando, portanto, "Spider" é a história de um garoto estranho cuja mãe angelical e bondosa é morta pelo pai e substituída por uma prostituta.

O ator Ralph Fiennes, vestido com quatro camisas, passa a maior parte do tempo murmurando em "Spider". Está sensacional no papel-título. Ele faz um esquizofrênico, que, semicurado, vai viver numa casa de reintegração aberta, na capital inglesa.

A mudança permite que ele transite pela cidade e recupere, reveja e repita a história de seu trauma -os primeiros momentos do desenrolar da loucura até o momento crítico, que o levou ao encarceramento psiquiátrico.

Digital
"Russian Ark" é um dos quatro filmes digitais que estão sendo exibidos em Cannes neste ano. É o único neste sistema a participar da competição oficial.

O filme instala Alexander Sokurov definitivamente entre os grandes criadores do cinema -e um dos mais importantes críticos de seu tempo.
O viés aristocrático tanto de sua obra quanto de sua compreensão do mundo constitui um desafio para o espectador de hoje.

"Russian Ark" tem um único plano-sequência (plano em que se movimenta a câmera, sem desligá-la), que dura uma hora e 36 minutos.

A fotografia é de Tilman Buettner (o mesmo de "Corra Lola, Corra"). A direção é exuberante, teatral e sinfônica, com centenas de figurantes.

O filme se passa inteiramente no Hermitage, em São Petersburgo, construído por Pedro, o Grande, no século 18, transformado em museu por Catarina 2ª e hoje uma das grandes coleções de arte da Europa.

Os dois imperadores comparecem no filme, cuja câmera percorre os interiores do museu como se andasse por diferentes momentos da história da Rússia. A câmera (isto é, o diretor, o espectador, o olhar) é um fantasma, que segue ao lado de outro personagem do além-mundo, um embaixador francês do século 19.

O percurso é o tempo todo uma interrogação sobre a Rússia formulada pelo estrangeiro e também uma indagação sobre a Europa, feita a partir do passado russo. "Adeus, Europa, acabou", diz o fantasma no final do filme, mais um assombroso trabalho de luto feito por Sokurov.

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