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23/05/2002 - 10h56

Diretor canadense desvenda psique alienada em Cannes

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ALCINO LEITE NETO
enviado especial a Cannes

"Spider" (Aranha), o drama psiquiátrico do diretor canadense David Cronenberg, é um dos melhores filmes exibidos no festival. Ambientado em Londres, conta a história de um esquizofrênico que, após sair da internação fechada para uma semi-aberta, vai reconstituindo aos poucos o trauma que o levou à loucura.

Ralph Fiennes faz brilhantemente o personagem central, cujo apelido de criança dá nome ao filme. Tudo o que se vê em "Spider" é parte da psique do protagonista.

"Spider" é também um filme sobre a solidão. "O nosso isolamento é absoluto. Vivemos completamente dentro de nossas mentes, de nossos corpos", diz Cronenberg na entrevista a seguir, da qual a Folha participou com quatro jornalistas de outros países.

Como concebeu a relação entre a psique de Spider e a arquitetura de Londres?
David Cronenberg -
Neste filme a relação é bem nítida, mas eu diria que ela está presente em todo filme expressionista. Já nos créditos, que reproduzem papéis de paredes típicos das casas londrinas, utilizamos um design que reproduz em várias formas o teste de Rorschach. Esses créditos permitem ao público entrar desde o início no filme e estabelecem o tom que ele terá. Minha idéia foi sugerir que falaremos de interpretação da mente. Por meio dos papéis de parede, o público chega à dimensão extrafísica a partir de algo bastante físico. Assim também é no restante do filme. Quando vemos Spider no quarto, essa é uma visão que provêm da cabeça dele. Os locais são sua mente. Por isso "Spider" não é um filme realista. As ruas de Londres jamais estariam vazias daquele jeito.

Há uma cena impressionante, em que Spider passa diante de um edifício de janelas cimentadas. Esse lugar existe?
Cronenberg -
Ele existe. Eu não faço storyboards. Prefiro estar aberto às possibilidades que aparecem. Então, se acho uma boa locação, mudo um pouco o filme para utilizá-la. No início, planejamos usar carros antigos e personagens passando nas ruas. Mas, toda vez que o fazíamos, algo parecia errado. Por fim, aceitamos que deveria ser sem carros e sem gente, o que enfatiza o isolamento.

Spider sempre se observa como criança. Há um único plano em que se vê como adulto, refletido no espelho. Como construiu os diferentes pontos de vista?
Cronenberg -
Discutimos muito sobre isso. Quando eu pedi a Patrick [McGrath, roteirista e autor do romance "Spider" para reescrever o roteiro, solicitei que indicasse para a equipe em que nível de memória do personagem a cena transcorria -se se tratava de uma memória real ou imaginária, se uma fantasia ou uma memória doentia. As cenas em que aparecem os dois Spiders, adulto e criança, são momentos em que ele estava presente quando garoto. Na cena em que sua mãe é morta, ele não aparece, pois não poderia ter testemunhado aquilo. Em outras cenas, em que surgem elementos absurdos, ele já está quase alucinando. Existem outros níveis, mas de fato o único momento em que ele olha para si mesmo como adulto é na cena que você citou. E, ao fazê-lo, ele não se reconhece, pois só pode ver a si mesmo como uma criança. Ele não se reconhece como adulto, pois permanece uma criança.

O isolamento é tema que fascina os canadenses?
Cronenberg -
Não acho. Há outros filmes canadenses que não são assim. Para mim, é um ponto de vista existencialista. Penso que, num certo sentido, o nosso isolamento é absoluto. Existe um esforço para quebrar isso por meio da cultura, da comunidade, da linguagem, mas permanecemos dentro de nossas mentes e corpos, e não vejo escapatória. Por isso, para mim, é natural considerar que, se você vê um homem sozinho num quarto, você está vendo o mundo inteiro. Não preciso de 2.000 personagens para examinar a humanidade. Só preciso de um.

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