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25/05/2002 - 03h14

Obra se espelha em modelo de Dante

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SERGIO SALVIA COELHO
da Folha de S. Paulo

A década de 90 foi para o teatro um tempo de diversidade, de justaposição de propostas, mas não de dispersão no vazio. A colheita do que foi plantado desde então vem sendo feita em livros comemorativos em torno de grupos que ultrapassam os dez anos de existência. Foi assim para o grupo Galpão, será assim em breve para os Parlapatões. O livro-síntese que se publica agora é sobre o Teatro da Vertigem e sua "Trilogia Bíblica".

Na primeira parte, "Estudos", Aimar Labaki faz uma retrospectiva da carreira do grupo e de seu diretor, Antônio Araújo; Silvana Garcia situa as raízes estéticas dos espetáculos nos mistérios medievais por seu diálogo com a cidade; Sílvia Fernandes, por sua vez, situa o trabalho de Araújo ao lado de seus antecessores imediatos, Antunes Filho, Gerald Thomas e Zé Celso.

A segunda parte, "Processos", deixa claro o quanto o trabalho do Teatro da Vertigem é interdisciplinar: reúne depoimentos dos atores, dos dramaturgos, do iluminador, do cenógrafo, do músico, do figurinista... Por fim vem o diretor, como instigador-geral, e não como autor-demiurgo.

Na terceira parte, na qual os espetáculos são expostos em seus textos e imagens, se constata a coerência da trilogia, levando o leitor a querer contribuir também com a apreciação crítica, apresentada na última parte.

O modelo de Dante surge logo: "O Paraíso Perdido", de 92, é o céu, com sua angústia racionalizada em coreografias; "O Livro de Jó", de 95, o purgatório, na atuação visceral de Matheus Nachtergaele e no belíssimo texto de Luís Alberto de Abreu; "Apocalipse 1,11", de 99, chega ao inferno das ruas, no texto-crônica sem concessões de Fernando Bonassi.

Alinhavando tudo, as marcas de queda e ascensão e a angústia pela ausência de Deus, compartilhada pelos anjos, mártires e pecadores.

Também são expostas as reações das platéias. A fúria de fanáticos religiosos diante da delicadeza reverente de "O Paraíso Perdido" parece hoje incompreensível. Por outro lado, é de abismar que Antônio Araújo, pequeno, tímido, com olhos grandes e azuis de criança, absorva e faça compartilhar a angústia do mundo; não cabe em sua época, por excesso de lucidez ao traduzi-la.

Talvez consiga isso justamente por não se colocar enquanto dono de uma ideologia ou de um método com o qual se deva catequizar a platéia. Seu texto no livro é um exercício de exposição de suas dúvidas e ansiedades, não de suas certezas, pois essa é a postura que cobra de seus atores.
Tudo o que fez o Teatro da Vertigem, reunido nesse volume essencial, por mais que impressione pela qualidade, não é o mais importante.

O ponto centrífugo da vertigem não é o impacto estético nem a visceralidade do texto nem a essencialidade das imagens. Fica presente a angústia apontada, e não o gesto que a apontou; não o verbo encarnado, mas o grito de solidão. O grito da criança buscando o pai em uma igreja vazia. O grito de um moribundo em um hospital. O grito de um detento espancado na prisão.


 

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