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29/05/2002 - 02h49

Tom Waits lança dois álbuns com músicas para teatro

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DIEGO ASSIS
da Folha de S.Paulo

Ele jura que não bebe há nove anos. Mas a metáfora da música como um vinho que deve ser armazenado o tempo necessário para que se obtenha o melhor dos sabores escorre imediatamente da boca de Tom Waits, 52 anos, para justificar o recente lançamento de dois novos álbuns: "Alice" e "Blood Money".

Compostas para as peças "Alice", de 1992, e "Woyzeck", 2000, montadas pelo dramaturgo norte-americano Bob Wilson, as 28 faixas de Waits e Kathleen Brennan -sua mulher, mãe de seus três filhos e eterna colaboradora- permaneciam escondidas do grande público até agora.

"Elas [as músicas" têm uma vida útil maior do que a das galinhas ou a das batatas", afirmou Waits em entrevista concedida à Folha de sua casa, no interior do Estado da California, EUA.

Poeta, compositor, trovador, ator, multiinstrumentista e "fazendeiro", como ele mesmo se define, Waits alterna, de um disco para outro (ou dentro deles próprios), o ludismo e a inocência da personagem de Lewis Carroll e o sarcasmo e o pessimismo da montagem de Bob Wilson do texto de Georg Büchner de 1837.

Nesta entrevista não é diferente. Misto de criador e de personagem, de entrevistado e de entrevistador, Waits emprestou seu vozeirão para discorrer, entre outros assuntos, sobre seus novos trabalhos, sobre a parceria com sua mulher, sobre batatas, tomates e sapos que caem do céu.

Folha - "Alice" e "Blood Money" estão sendo lançados praticamente ao mesmo tempo. Qual a relação que você faz entre eles?
Tom Waits -
Acho que eles são discos gêmeos. Quando se está plantando milho, cenoura ou tomate, você sempre põe mais de uma semente no solo. O que estamos tentando é justamente isso: fertilizar o ovo do comércio.

Folha - Mas algumas das músicas já estavam prontas desde o início da década de 90...
Waits -
Deixei-as guardadas na estante, elas são como vinho. Você coloca na estante e não tem de gravar de imediato. Elas têm uma vida útil bem maior do que a das galinhas ou a das batatas.

Folha - Que papel elas desempenhavam nas montagens de Bob Wilson de "Alice" e de "Woyzeck"?
Waits -
Em uma peça, as pessoas falam por alguns momentos, depois param, cantam uma canção e, qualquer que seja ela, você mesmo deve fazer a conexão. Estas músicas não são lógicas, elas são ilógicas. Ninguém exige que uma música tenha a mesma função de um dicionário. É como uma bolha cheia de fumaça, ela deve se espalhar pelo ar.

Folha - Então você considera estes álbuns conceituais?
Waits -
Todo álbum é conceitual, não é?

Folha - O que você pode dizer de sua parceria com Kathleen Brennan, que já vem desde o início dos anos 80?
Waits -
O modo que você faz qualquer coisa é o modo que você faz todas as coisas.

Folha - Como?
Waits -
O modo que você faz... qualquer coisa... é o modo que você faz... todas as coisas. O modo que você lava o seu carro é o mesmo que você corta o seu cabelo, que é o mesmo que você anda a cavalo, que é o mesmo que você cria os seus filhos. Uma vez que você tem filhos, todo o resto fica muito fácil.

Folha - Quantos filhos?
Waits -
Temos três filhos. Uma garota de 18 anos, que quer ser pintora. Um garoto de 16 anos, que toca bateria, percussão e desenha quadrinhos. E, finalmente, um outro garoto de oito.

Folha - Que também já escolheu o caminho dos pais?
Waits -
Não... ele está jogando baseball!

Folha - E onde é que vocês estão morando?
Waits -
Em uma casa no interior da Califórnia. É uma casa pequena no alto de uma montanha, sem teto, sem chão, sem paredes (risos). Nós estamos congelando no topo de uma montanha.

Folha - Desde o início de sua carreira até hoje você parece não ter se entendido com os elementos eletrônicos da música. Você tem algo especificamente contra?
Waits -
Eu sou à moda antiga. Sem água, sem eletricidade (risos). Eu adoro trabalhar no estúdio. Adoro voltar para casa com as calças molhadas de suor, com o cabelo pegajoso e com cortes nas minhas mãos. Esses são os meus melhores dias no estúdio.

Folha - Nestes dois discos você introduz novos personagens como Tabletop Joe, Edward, Golden Willie etc. De onde vem a inspiração para essa galeria de figuras estranhas que aparecem em seus trabalhos?
Waits -
É como ir pescar ou caçar passarinhos. Você cava um buraco na parede e espera que alguma outra coisa ou alguém esteja cavando de volta em sua direção. As músicas estão em todo lugar. Na maior parte do tempo, não há panelas suficientes para pegá-las todas. É como uma chuva de sapos ["raining frogs", possivelmente uma referência ao disco "Rain Dogs", de 1985].

Folha - Você pretende sair em turnê com estes dois álbuns?
Waits -
Não. Provavelmente vou tocar em Nova York por uma semana. Ou talvez toquemos em Bancoc, Dallas, Tóquio, Toronto. Não sei, isso dá muito problema.

Folha - E o Brasil não está incluído nesse "roteiro"?
Waits -
Acho que não. Mas gosto muito daí. Estive em Belém por uns quatro meses durante as filmagens de "Brincando nos Campos do Senhor", do [cineasta Hector] Babenco. Eu adorei as mangueiras, a casa de ópera, as ruas e o povo de Belém. Foi durante a Copa do Mundo [de 1990". Chovia a toda hora... fogos de artifício no céu de dia e à noite.

Folha - Depois de 30 anos de carreira, você ainda se preocupa com o sucesso comercial?
Waits -
Sou pragmático. Sou um fazendeiro, tenho de colher certas coisas. Presto atenção ao que é meu. Vivo no mundo real. Não estou caindo das escadas, mas também não tenho mais 19 anos.

Folha - Há novos projetos?
Waits -
Gravamos uma música ["The Return of Jack and Judy", do "End of the Century", 1980] para um álbum-tributo ao Ramones. Eu no vocal, meu filho na bateria, Les Claypool [do Primus] no baixo e Brett Gurewitz [do Bad Religion] na guitarra. Minha mulher produziu. Tem bandas diferentes no projeto: U2, Metallica, Red Hot Chilli Peppers. Gente grande.

Folha - Pergunta inevitável: o que você faz para manter sua voz tão grave? Só uísque e cigarro?
Waits -
Não bebo nada há nove anos. E estou com uma sede... (risos). Como eu faço para ter uma voz assim? Grito em cima do travesseiro, grito com os meus filhos. É a voz com que eu nasci. Depois do show como um ovo cru. Também vou ao mesmo médico que cuida da garganta do Luciano Pavarotti. E ele me disse que estou em melhor forma que o Pavarotti!


Leia a nossa opinião sobre o CD na Crítica Online
 

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