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27/07/2000 - 05h21

Banda e gravadora se equilibram nas concessões

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da Folha de S.Paulo

"Por Pouco" parece representar rito de perda da inocência na carreira discográfica (e pré-discográfica, nos dez anos anteriores) do Mundo Livre S/A.

Dois monstros se debatem em sua estrutura -de um lado, o do esquerdismo radical de hábito, com pimentas de guerrilha centro-americana; de outro, o das necessidades comerciais vorazes da megaempresa com grife no mercado que os abriga, a Abril.

Se tal confronto quase sempre resulta em meleca, aqui se tem -enfim!- caso de exceção, muito provavelmente porque são visíveis os esforços de concessão das duas partes (e não só do front artístico, como reza a regra).

Fred Zero Quatro foi forçado, após muita resistência, a evidenciar os vocais antes sempre sujos, distantes, desleixados? Foi, mas isso tornou melodias tortuosas e letras guerrilheiras não só mais digeríveis, mas também mais audíveis, compreensíveis. Um a um.

Precisaram aceitar a vontade da gravadora de incluir "Lourinha Americana", um tema de rua do cantador paraense Laurentino, retirado do projeto Música do Brasil, da mesma Abril Music? Sim, mas intercalaram o gracejo com pregações como "o muro de Berlim foi abaixo e o mundo inteiro festejou/ agora, por que será que todo mundo fica indiferente a esse vergonhoso muro americano?". Dois a dois.

Abdicaram dos climas e efeitos elaboradíssimos de "Carnaval na Obra" (98)? Bem, esse talvez seja, sim, o grande baque na curva sempre ascendente que a banda vinha (e vem) mantendo.

Se algum consolo é possível, a bossa pernambucana (isso existe!) "Meu Esquema" é unguento brando contra certa caretice de tratamentos aqui e ali ("Concorra a um Carro", por exemplo, deve ser o rock mais básico da história do Mundo). Zero a zero.

O injustificável se dá, apenas, na inclusão desnecessária da frívola "Garota de Ipanema" (roubada de um álbum indefensável, em que o elenco todo da Abril, de Los Hermanos a Ira!, amontoa versões da mais batida das canções).

Mas, fora esse apêndice, "Por Pouco" é um apanhado de canções certeiras. A inédita "Mexe Mexe" promove, enfim, a chegada ao repertório de Jorge Ben (Jor) da banda que melhor soube, na década de 90, traduzir sua descomunal influência. Provoca saudades de Ben, no sentido do bem.

Momentos memoráveis, nesse sentido, se dão na própria "Lourinha Americana" (com participação de Otto, ex-Mundo Livre emancipado), na adunca "Batedores" e na regravação de "Minha Galera", de Manu Chao.

Antes a mais chocha das faixas de "Clandestino" (98), do darling francês de medula hispânica, a canção vem retrabalhada em samba, ciranda, maracatu, batucada, numa orgia sonora que conta com a intervenção comunitária de metade do mangue beat -Nação Zumbi, Mestre Ambrósio e Comadre Florzinha, impagáveis.

Como em "Minha Galera", os estudos sobre o samba -pense-se, nesse instante, em Tom Zé (com participação no CD, daquelas que não se contam para não estragar a graça), inspirador também dos homens clone inventados pelo grupo- é que rendem os grandes momentos do CD.

É o que aparece em "Super Homem Plus", que sacode numa sacola impura, mas respeitosa, samba-canção, samba-enredo, o samba malandro de Moreira da Silva, buzinas tropicalistas.

E é o que faz a glória da canção inicial, "O Mistério do Samba" (o título, intencional, é o mesmo do de livro importante do antropólogo Hermano Vianna). Começa com cavaquinho, emenda efeitos lounge, depois metais à moda da canção brasileira antiga. Os contrastes emolduram o que Fred classifica como mentiras sobre o samba (leia trechos ao lado).

A provocação, diz ele, é tirar o "só" de frases banais: "O samba não é "só" carioca/ o samba não é "só" baiano"... Colocado sob suspeição, o samba terá de novo que se defender. Defendido pelo cavaquinho e pelo ardor de Zero Quatro e de seu Mundo Livre, encontra de novo quem o defenda. A ambiguidade volta à cena, e ela é mais altiva que a obtusidade.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

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