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13/06/2002 - 11h57

Primeiro longa-metragem de Joel Pizzini recria a saga dos índios guató

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JOSÉ GERALDO COUTO
da Folha de S.Paulo

Num recenseamento realizado pelo Império no século 19, os índios guató, do Pantanal, somavam cerca de "500 almas".

Hoje, o número de guatós permanece mais ou menos o mesmo, mas muitos deles estão aculturados, vivendo na periferia das cidades pantaneiras, e não chegam a 30 os que ainda falam a língua da tribo.

Declarados extintos nos anos 60, os guatós foram "redescobertos" graças ao empenho de uma freira, Ada Gambarotto, e de uns poucos etnólogos e linguistas que tentam juntar os cacos de um grande quebra-cabeças para manter vivas essa cultura e essa língua milenares.

"500 Almas", primeiro longa-metragem do cineasta Joel Pizzini, mato-grossense radicado em São Paulo, documenta e discute esse delicado processo de reconstrução da memória e da identidade de um povo.

Um processo, aliás, não isento de ambiguidades e de contradições. A necessidade de sobrevivência no Pantanal, tomado pela propriedade privada, fez com que os guatós, originalmente nômades, reivindicassem e conquistassem um local para se fixar: a ilha Ínsua, no rio Paraguai (MT).

Outra contradição flagrante: para dialogar com a Funai e com a sociedade "branca", os guatós criaram a figura do cacique, que não existia em sua organização social. Para maior ironia, o atual cacique virou evangélico.

Mais estranho ainda é ver, no filme, a linguista Adair Palácio, branca, pernambucana de Recife, ensinar palavras da língua guató a membros aculturados da tribo.

Depois de receber um prêmio da Fundação Rockfeller (EUA) para o desenvolvimento do projeto, Pizzini dedicou a "500 Almas" cinco anos de trabalho, entre pesquisa e filmagem. O filme custou até agora cerca de R$ 800 mil e está em fase de finalização (mixagem, ampliação de super-16 para 35 mm, legendagem).

"500 Almas" deverá ficar pronto até o final do ano, para ser lançado em 2003. "Vamos tentar alguns festivais internacionais, como Berlim, Montreal e Locarno", disse Joel Pizzini à Folha, que teve acesso a uma cópia de trabalho do filme.

Como convém a uma obra do cineasta -autor dos inventivos e premiados curtas "Caramujo Flor", "Enigma de Um Dia" e "Glauces"-, não se trata propriamente de um documentário, mas de um filme-ensaio, que mistura o registro documental, a encenação com atores e a experimentação audiovisual.

O próprio registro etnográfico não é "puro". "Fizemos um acordo com os guatós para que se tornassem atores de sua história. Situações foram encenadas a partir de uma rigorosa pesquisa", explica Pizzini.

Os índios foram filmados na ilha Ínsua e na periferia de cidades como Corumbá (MS) e Cáceres (MT).

Além de Adair Palácio e Ada Gambarotto, dão depoimentos reveladores o pesquisador alemão Richard Haas, do Museu de Antropologia de Berlim, e diversos representantes dos guatós, como o cacique Severo Magueco e a matriarca Josefina, uma das poucas que ainda se lembram da língua e dos mitos guatós.

Pizzini encenou o julgamento (fictício) do assassinato (real) do líder guató Celso Ribeiro, para expor os vários discursos envolvidos no conflito: o do militar, o do religioso, o do antropólogo, o do fazendeiro, personagens vividos pelo ator Paulo José. Vários guatós falam sobre o crime.

Por fim, Pizzini incorporou ao filme um trecho de "Controvérsia de Valladolid", peça de Jean-Claude Carrière. No trecho utilizado, Paulo José, no papel de um legado papal, interroga o missionário Bartolomé de las Casas (Matheus Nachtergaele) sobre a natureza dos índios da América.

Segundo Pizzini, o diretor de fotografia Mario Carneiro "dialogou com as gravuras do francês Hercule Florence", pioneiro da fotografia que participou da expedição Langsdorff (1825-29).

A trilha sonora de Lívio Tragtenberg, por sua vez, "contrapõe música ocidental (Haendel) com o registro sonoro indígena".

Pizzini vai reunir o material num CD-ROM "que sirva de referência antropológica e que retorne como material para a nova geração dos guatós, que tenta recuperar a identidade".

 

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